Rímel de carvão e sombras de farinha. Os riscos da maquilhagem caseira
Máscaras de pestanas (rímel) feitas com carvão ativado, sombras de olhos produzidas com farinha e batons que têm lápis de cera como ingrediente principal. São inúmeras as receitas de maquilhagem caseira partilhadas online.
Estas mezinhas são divulgadas em blogues e nas redes sociais e apresentadas como uma alternativa mais económica aos produtos convencionais. Mas, neste caso, o barato pode sair caro? É seguro fazer cosméticos em casa com ingredientes para uso industrial ou alimentar?
Optar por maquilhagem caseira é seguro para a pele?
Em declarações ao Viral, Marta Ferreira, farmacêutica, pós-graduada em Cosmetologia Avançada, doutoranda em Ciências Farmacêuticas, autora do “Livro da Pele” e do blogue “A Pele Que Habito”, adianta que fazer maquilhagem caseira “é totalmente contraproducente e desaconselhado” (ver aqui e aqui).
Segundo a pós-graduada em Cosmetologia Avançada, “não há qualquer vantagem em produzir cosméticos em casa, seja pela segurança, seja pelo trabalho que isto leva”, seja pelo resultado que os produtos têm na pele.
Aliás, continua a especialista, “os produtos que estão presentes no mercado são controlados (em termos de qualidade), são regulados e supervisionados pelo Infarmed, em Portugal”, o que não acontece nestas práticas caseiras.
No fundo, “isto é um paradoxo”, defende Marta Ferreira, porque “quem faz estes produtos em casa procura, muitas vezes, uma maior segurança”. No entanto, a verdade é que “há inúmeros registos de acidentes resultantes destas práticas”, alerta.
Além da falta de segurança, a farmacêutica também põe em causa a questão do resultado final do uso destas receitas caseiras. “Hoje em dia, conseguem-se cosméticos seguros tão baratos que questiono muitas vezes a necessidade destas práticas”, aponta Marta Ferreira.
Diferentes ingredientes, diferentes riscos
Em primeiro lugar, as matérias-primas usadas na maquilhagem caseira “são frequentemente alimentos ou substâncias para uso industrial”, começa por informar Marta Ferreira.
Logo, completa, “não possuem o grau de pureza necessário para os produtos aplicados na pele”, já que “podem ter vestígios de metais pesados, por exemplo”. Além disso, “podem conter também microorganismos”.
A título de exemplo, uma das matérias-primas mais utilizadas em maquilhagem caseira (nomeadamente em sombras, bases caseiras e blushes) é a farinha. Neste caso, há o potencial problema relacionado com a eventual inalação deste ingrediente e a sua consequente “deposição a nível pulmonar”.
Nas receitas de máscaras de pestanas e delineador de olhos partilhadas online também se inclui, muitas vezes, como ingrediente principal, o carvão ativado. Como explica a autora do blogue “A Pele Que Habito”, “o carvão ativado que é usado nestas receitas não é carvão com grau de pureza para produtos cosméticos”.
“Este é um carvão que é usado, muitas vezes, para finalidades industriais e pode conter vestígios de metais pesados”, sustenta, acrescentando que optar por esta matéria-prima para produtos para “utilização a nível ocular é especialmente perigoso”.
Quanto aos batons caseiros, Marta Ferreira refere que, “quando se produz batons a nível industrial, este produto é tratado, ao nível da segurança, como um produto alimentar, ou seja, como se fosse engolido a 100%”.
Embora não seja comum ingerirmos batom, a farmacêutica esclarece que, nestes produtos, “avalia-se sempre segundo o pior cenário para garantir a segurança de todos os consumidores”.
Portanto, utilizar, por exemplo, lápis de cera para dar cor a um batom pode ser perigoso, porque estes materiais não foram desenvolvidos para ingestão.
Importa sublinhar que estes batons caseiros “podem ter vestígios de metais pesados e outros compostos que possam ser tóxicos ao nível da absorção total”. Além disso, “perde-se o controlo também na presença de microorganismos”, potenciando a contaminação da pele.
Mesmo a junção de sombra dos olhos com vaselina para fazer batom pode apresentar riscos, já que a sombra “não é toxicologicamente estudada para ser ingerida”.
Um dos poucos exemplos em que os ingredientes, por si só, não apresentam um problema maior é a mistura de vaselina para lábios com corante alimentar. Ainda assim, neste caso, Marta Ferreira questiona “o nível de eficácia e de qualidade do produto que se obtém”.
Outro dos riscos relacionado com a utilização de maquilhagem caseira prende-se com a questão dos alergénios. Isto porque as substâncias que provocam alergias “estão muito presentes em matérias primas de origem natural, plantas, e, sobretudo, em óleos essenciais”, sublinha a farmacêutica.
Enquanto nos cosméticos convencionais a quantidade e o tipo de alergénios que podem ser usados “está descrita na lei”, nestas receitas caseiras feitas com alimentos isso não acontece.
Os limites na produção de cosméticos caseiros
Como explica Marta Ferreira, estas receitas “têm medidas não rigorosas”, como, por exemplo, “gotas, colheres de chá ou colheres de café”.
Por um lado, “a eficácia do acabamento é preocupante, porque vamos ter resultados inconsistentes numa mesma receita”, aponta. Depois, a segurança para a pele vai também variar mediante “a qualidade da matéria-prima”.
Noutro plano, a falta de conservantes nas receitas caseiras pode também ser problemática. Se, no caso de alguns alimentos, a ausência de conservantes não é preocupante (por exemplo, “quando fazemos um bolo não é suposto que ele dure mais do que uns dias”), no caso dos cosméticos é necessário garantir que estão em bom estado durante “meses ou anos”.
Assim sendo, na maquilhagem caseira, a falta de conservantes vai potenciar a proliferação de “microorganismos que vão contaminar a maquilhagem”, o que acarreta riscos para a pele.
Na perspetiva da autora do “Livro da Pele”, “isto é especialmente grave em produtos usados nos olhos”. Os cosméticos produzidos para serem usados na zona de contorno de olhos “são muito controlados a nível de contaminação microbiana” e isso não se verifica – nem se pode garantir – nas receitas caseiras.
Controlo de qualidade e higienização
A última questão prende-se com a falta de controlo de qualidade e de higiene na realização das receitas caseiras de maquilhagem. “Ao contrário dos cosméticos, onde há um controlo de qualidade, de microorganismos e de pH, antes de cada lote de produto sair na indústria”, nos caseiros não há esse controlo, refere Marta Ferreira.
Para mais, os recipientes usados pelas pessoas para armazenar a maquilhagem caseira não são lavados da mesma forma que as embalagens dos produtos fabricados.
“A nível industrial, há processos de desinfeção validados, cuidadosamente desenhados, para que se elimine tanto quanto possível a presença de microorganismos”, frisa. Em casa, “isso não existe, nem é suposto que exista”, conclui.
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Este artigo foi desenvolvido no âmbito do European Media and Information Fund, uma iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian e do European University Institute.
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