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Do cérebro ao coração. Ter animais de estimação faz bem à saúde?

23 Jul 2023 - 08:00

Do cérebro ao coração. Ter animais de estimação faz bem à saúde?

Ter um cão a abanar a cauda quando chega a casa, um gato a ronronar no colo depois de um longo dia de trabalho ou um pássaro a cantarolar pela manhã são alguns dos cenários que marcam a relação entre humanos e animais de estimação.

Para muitos donos, os animais fazem parte da família e, por isso, a saúde e o bem-estar destes seres vivos é uma responsabilidade. No entanto, também os animais de estimação podem ter um papel importante na promoção da saúde de quem toma conta deles.

Desde a década de 1980, a ciência tem reconhecido que ter animais de estimação pode ter benefícios para a saúde dos donos, seja em termos físicos, seja na saúde mental. Mas quais?

Animais de estimação e saúde mental

Questionada sobre os efeitos que ter um animal de estimação podem ter na saúde mental dos donos, Ana Félix, psicóloga na clínica Saúde Positiva, sublinha a importância da vinculação existente entre o dono e o animal. 

“Há uma tendência muito grande para colocar o animal como um elemento da família. Essa relação preenche os pré-requisitos de um relacionamento de vinculação, ou seja, traz proximidade, segurança e conforto”, explica a psicóloga.

No mesmo sentido, Mafalda Pires Gonçalves, médica veterinária responsável pelo serviço de Nutrição e Centro do Peso Saudável do Hospital Escolar Veterinário da Faculdade de Medicina Veterinária da Universidade de Lisboa, concorda que a relação entre humano e animal “é quase semelhante à que estabelecemos com os amigos e a família”.

As duas especialistas adiantam que o contacto entre os donos e os animais de companhia pode potenciar o aumento das hormonas associadas à felicidade e ao prazer (oxitocina, serotonina e dopamina) e diminuir ou regular as hormonas associadas ao stress (cortisol). E há estudos que o confirmam.

Uma revisão da literatura sobre a relação entre a oxitocina e a interação entre humanos e cães concluiu que os estudos realizados apontam para uma “associação positiva entre as concentrações de oxitocina em humanos e a interação humano-cão”. 

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Os autores do texto acrescentam que esta associação “pode estar dependente do género ou de anteriores exposições a animais de estimação”, mas ressalvam que é necessário realizar mais estudos sobre o assunto.

A responsabilidade associada ao tratamento do animal também traz benefícios para a saúde mental do dono. 

“Ter um animal obriga a ter uma rotina, obriga a que tenhamos de cuidar deles. Naqueles momentos em que estamos a tratar dos animais, não estamos a pensar nos problemas”, refere Mafalda Pires Gonçalves.

No mesmo plano, Ana Félix sublinha que entre as pessoas que têm animais de estimação pode haver um “menor risco de suicídio”. “Ter um animal ao encargo, traz uma responsabilidade extra. O dono não lhe pode faltar”, acrescenta.

Por outro lado, a “responsabilidade” de tratar de um animal de estimação e os gastos e cuidados associados podem ser fatores de stress para alguns donos.

“Não é o animal em si que provoca stress, são as dificuldades à volta, sejam financeiras ou outras. Ter um animal é uma responsabilidade muito grande”, sublinha ainda Félix.

Os benefícios de ter um animal de estimação são reconhecidos pelos próprios donos. Segundo um inquérito realizado nos Estados Unidos pelo Human Animal Bond Research Institute (HABRI), em 2021, 76% dos donos de animais de estimação reportou “que a sua saúde pessoal melhorou como resultado de ter um animal de estimação”.

No que toca à saúde mental, 87% dos participantes afirmam “ter experienciado melhorias na saúde mental por terem animais de estimação”. Para 91% dos participantes, ter um animal aumenta a probabilidade de “tomarem melhor cuidado da própria saúde”.

Num inquérito realizado em 2016 pelo HABRI, 88% dos donos respondeu que ter um animal de estimação reduz o stress, 86% que reduz a depressão, 84% que reduz a ansiedade e 81% que “aumenta o sentido de bem-estar”. Para 80% dos participantes, ter um animal de estimação “ajuda com condições como síndrome de stress pós-traumático”. 

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Um estudo publicado em 2014 que contou com 6.026 adolescentes portugueses concluiu que os adolescentes com animais  de estimação identificavam “sentimentos positivos em relação ao animal”. 

Os resultados do inquérito mostram que os animais de estimação davam aos jovens “sentimentos de felicidade, companheirismo, carinho, tranquilidade e responsabilidade sempre ou quase sempre, especialmente entre as raparigas e os rapazes mais novos”. 

Benefícios na saúde física? O que diz a ciência?

Os possíveis benefícios de ter um animal não se restringem à saúde mental e há estudos que referem melhorias também ao nível da saúde física.

O Centro norte-americano de Controlo e Prevenção de Doenças relaciona, com base em estudos, a ligação humano-animal de estimação com “a diminuição da pressão arterial, níveis de colesterol, níveis de triglicerídeos, sentimentos de solidão, ansiedade e sintomas de PTSD [síndrome de stress pós-traumático]”.

Além disso, ter um animal também “aumenta as oportunidades de exercício e atividades fora de casa, melhora a função cognitiva nos adultos e [proporciona] uma maior oportunidade para socializar”. Muitos donos de animais de estimação acabam por falar com mais pessoas devido ao animal.

Um estudo de revisão sobre o impacto de ter um animal de estimação no risco de hipertensão arterial e doença cardiovascular, publicado em 2022, concluiu que incluir um animal na família “aparenta ter um efeito positivo no sistema cardiovascular” dos donos. 

Apesar de os autores deste trabalho defenderem a necessidade de existirem mais estudos observacionais sobre o tema, destacam que a própria Associação Americana do Coração refere “ter um animal de estimação como uma forma de mitigar o risco de doenças cardiovasculares”, especialmente se o animal for um cão. 

Mafalda Pires Gonçalves lembra que “ter um cão pode obrigar a uma rotina de caminhada”, associada ao ato de passear o animal. Este exercício físico “pode prevenir a obesidade” e, no caso dos idosos, “mantém-nos ativos e com vontade de viver”.

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Quais os benefícios para crianças e idosos?

Os animais de estimação têm um importante papel na vida dos idosos: são companheiros. Em Portugal, segundo dados do Pordata, mais de meio milhão de pessoas com idade superior a 65 anos vive sozinha – um número que tem aumentado significativamente nas últimas décadas. 

Por isso, Ana Félix lembra que “o animal de estimação, além de fazer companhia, também estimula física e mentalmente o idoso, obriga a ter cuidados, a pensar no outro e a fazer coisas”.

Um estudo de 2017 analisou o comportamento das pessoas idosas com cães e concluiu que estes caminhavam, em média, mais 20 minutos por dia do que os que os idosos que não têm animais. 

“Ter um cão pode, assim, motivar os adultos mais velhos a envolverem-se em níveis de atividade física apropriados para a saúde”, avançam os investigadores, instigando os profissionais de saúde a aconselhar a adoção de um cão como forma de promover a saúde entre os idosos.

Além dos benefícios na terceira idade, os animais de estimação têm também um impacto no início da vida. As crianças que partilhem a casa com animais – sejam cães ou gatos – “têm menos tendência para desenvolver alergias”, afirma Mafalda Pires Gonçalves. O pelo do animal “estimula o sistema imunitário da criança”, evitando que as crianças venham a desenvolver alergias.

Dois estudos, um publicado em 2001 e outro em 2002, concluíram que o contacto de crianças com animais de estimação nos primeiros anos de vida está relacionado com uma redução da asma e rinite alérgica durante a infância. 

Um estudo de 2018 reforça as conclusões anteriores: “A prevalência de doenças alérgicas em crianças dos sete aos nove anos é reduzida dependendo do número de animais de estimação que vivem com a criança durante o primeiro ano de vida.”

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A veterinária ressalva que “há crianças que vão ser sempre alérgicas” ao pelo dos animais por questões genéticas. No entanto, para as “crianças que não sejam propensas a alergias”, o contacto com animais pode melhorar os sintomas.

As terapias com animais de estimação

Os animais de estimação, em particular os cães, são associados a várias terapias. Além dos cães-guia, que apoiam pessoas cegas nas atividades diárias, é possível encontrar outros tipos de animais de terapia, que atuam em diferentes áreas e que podem ser um importante complemento à terapia tradicional, sugere um artigo publicado em 2019.

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“A terapia assistida por animais, como abordagem complementar abordagem complementar às terapias tradicionais, conduz a vários benefícios importantes para os pacientes que sofrem de doenças mentais. A sua aplicação em pacientes com diagnósticos como depressão, autismo, demência, esquizofrenia, pode levar a mudanças na sua personalidade, comportamento e saúde física”, lê-se no artigo.

Estas alterações “afetam sobretudo as interações sociais dos doentes, bem como o campo cognitivo, psicológico e cognitivo, psicológico e emocional, o que parece melhorar as capacidades e competências que foram limitadas devido à doença subjacente”, escrevem os autores do estudo.

Os animais de terapia podem, inclusive, ajudar pessoas diagnosticadas com epilepsia a identificar uma convulsão, melhorar o dia a dia de um paciente com diabete tipo 1 ou ajudar crianças com perturbação de hiperatividade e défice de atenção a melhorar os níveis de atenção. Também as crianças com perturbações do espetro do autismo apresentam uma resposta positiva a tratamentos que incluam animais como o cão, o porquinho-da-índia ou cavalo.

23 Jul 2023 - 08:00

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