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Risco de cancro da próstata é maior em homens negros?

26 Mai 2024 - 10:31
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Risco de cancro da próstata é maior em homens negros?

O cancro da próstata é um dos mais frequentes tipos de cancro nos homens. A idade é um dos principais fatores de risco para o desenvolvimento desta doença oncológica, mas não o único.

Nas redes sociais alega-se que o “cancro da próstata ocorre mais frequentemente em homens negros do que em homens brancos”. Mas terá esta alegação fundamento?

É verdade que os homens negros têm maior risco de desenvolver cancro da próstata?

A alegação de que os homens negros têm maior risco de desenvolver cancro da próstata é “factual e epidemiologicamente verdadeira”, responde ao Viral o Mário Pereira-Lourenço, urologista, especialista no IPO de Coimbra e na clínica Montes Claros e creditado pela Sociedade Europeia de Medicina Sexual.

Ser homem negro ou de ascendência africana é inclusivamente considerado um “fator de risco” nas guidelines para o rastreio precoce na Europa e nos Estados Unidos, acrescenta o urologista.

No mesmo sentido, Jorge Fonseca, diretor da Unidade da Próstata da Fundação Champalimaud, afirma que “os homens americanos de ascendência africana têm uma maior incidência de cancro da próstata”, sendo também “diagnosticado em idades mais jovens”.

A referência do urologista aos norte-americanos está relacionada com a origem da maioria dos estudos realizados sobre este assunto.

Dezenas de estudos foram publicados sobre a disparidade racial do risco de cancro da próstata. Em 2022, um artigo que analisou as taxas de mortalidade por cancro da próstata avançava que, “nos Estados Unidos, os homens negros têm duas vezes mais mortalidade por cancro da próstata e 60% mais incidentes do que os homens brancos”.

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Embora seja “indiscutível” que, a nível populacional, os homens negros nos EUA tenham “taxas de mortalidade por cancro da próstata mais elevadas do que os homens brancos”, os investigadores sublinham que esta possa estar inflacionada pela elevada incidência.

“As taxas de incidência mais elevadas demonstradas conduzirão a uma mortalidade populacional mais elevada nos homens negros em comparação com os homens brancos, mesmo que a sobrevivência seja semelhante”, esclarecem no artigo.

Segundo dados divulgados pela organização americana Zero Prostate Cancer, um em cada seis homens negros irá ser diagnosticado com cancro da próstata ao longo da vida, um valor superior ao registado entre homens brancos, que é de um em cada oito.

Refere-se ainda que os homens negros “têm 1,7 vezes maior probabilidade de serem diagnosticados e 2,1 vezes maior probabilidade de morrer de cancro da próstata do que os homens brancos”.

No mesmo sentido, a organização britânica para o Cancro da Próstata destaca que os “homens negros têm maior probabilidade de desenvolver cancro da próstata do que outros homens”. No Reino Unido, “um em quatro homens negros vão ter cancro da próstata durante a vida”, comparando com um em oito caucasianos. Esta estatística inclui indivíduos com ascendência africana, caribe ou outra. 

A organização frisa que, em indivíduos com mais de 45 anos e que com casos de cancro da próstata ou da mama na família chegada, (pais e irmãos) o risco de ser diagnosticado é ainda maior.

Os dados existentes sobre a disparidade racial no cancro da próstata levaram a Associação Europeia de Urologia e a Sociedade Americana para o Cancro a considerar a ascendência africana como um fator de risco para este tipo de doença oncológica.

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Desta forma, é aconselhado que os homens negros façam o rastreio de diagnóstico por PSA – um exame sanguíneo que identifica a quantidade de proteína produzida pela próstata – a partir dos 45 anos, cinco anos antes da recomendação para homens caucasianos.

Na Sociedade Americana para o Cancro refere-se que “os afroamericanos têm um maior impacto de cancro [da próstata] e enfrentam maiores obstáculos à prevenção, deteção, tratamento e sobrevivência”. No que toca ao cancro da próstata, a taxa de morte em homens negros “é mais do dobro de qualquer grupo racial ou étnico”. 

Também a Liga Portuguesa contra o Cancro identifica a “raça” como fator de risco: “O cancro da próstata é mais comum nos homens de raça negra, do que de raça branca (caucasiana), incluindo os homens brancos hispânicos”.

Em declarações ao Viral, Jorge Fonseca resume que “os cancros da próstata em americanos de ascendência africana são mais agressivos, diagnosticados em estadios mais tardios e associados a maior mortalidade”.

O diretor da Unidade da Próstata da Fundação Champalimaud acrescenta que a mortalidade por cancro da próstata em afroamericanos é o dobro da registada em homens caucasianos e cerca quatro vezes mais elevada que em americanos de ascendência asiática.

O diagnóstico precoce é um importante fator para o sucesso do tratamento do cancro da próstata. Os sintomas iniciais são problemas urinários, nomeadamente incapacidade de iniciar ou parar o fluxo de urina, fluxo fraco ou intermitente e necessidade frequente de urinar (especialmente à noite).

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Poderá também sentir ardor durante a micção, ter dificuldade em ter uma ereção ou encontrar sangue na urina ou no sémen. Poderá também sentir dor na zona inferior das costas, nas ancas ou na zona superior das coxas.

Em Portugal, dados mais recentes, divulgados pela Organização Mundial de Saúde, mostram que, em 2019, morreram mais de 1900 homens por cancro da próstata. A maioria tinha mais de 75 anos.

O que está na origem desta diferença?

À luz do conhecimento atual, não se sabe qual o principal fator para esta disparidade racial no cancro da próstata. Jorge Fonseca explica que “a desigualdade racial relativamente à incidência e implicações clínicas do cancro da próstata parece ser multifatorial, incluindo factores socioeconómicos e biológicos”. 

Ou seja: se, por um lado, a herança genética pode contribuir para uma maior incidência de cancro da próstata entre os homens negros, por outro, os fatores socioeconómicos, e consequente dificuldade no acesso à saúde, podem levar a atrasos no diagnóstico e à realização de tratamentos inadequados.

Mário Pereira-Lourenço identifica “o acesso à saúde” como um dos “grandes fatores”. O urologista do IPO de Coimbra esclarece que “os homens afroamericanos são tradicionalmente de faixa económica mais baixa, têm menor acesso a cuidados de saúde e realizam o rastreio mais tarde”, destacando o impacto negativo que um rastreio tardio pode ter no tratamento da doença.

É importante sublinhar que a maioria dos estudos que compara o risco de cancro da próstata entre homens negros e brancos foi realizada nos Estados Unidos, onde existe uma comprovada diferença no acesso à saúde entre comunidades de diferentes níveis socioeconómicos, principalmente afroamericanas. Este facto pode constituir um viés nas conclusões dos estudos.

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Uma revisão literária, publicada em 2022, parte da disparidade racial nos Estados Unidos para analisar os fatores que contribuem para estes números. Conclui que os homens negros têm “menor acesso a tratamento para o cancro da próstata e experienciam maiores atrasos entre o diagnóstico e o tratamento”.

Os investigadores explicam que esta situação é justificada por diversos fatores que “evoluíram do racismo institucional”, nomeadamente “a falta de confiança no sistema de saúde, uma fraca comunicação entre o paciente e o médico, falhas na informação sobre as opções de tratamento para o cancro da próstata, medo do diagnóstico e o estigma associado à doença”.

Também os impactos financeiros associados ao tratamento – desde os custos do próprio tratamento ao tempo de recuperação – têm um “importante papel na disparidade racial”.

Além disso, os investigadores referem que os “homens negros estão amplamente sub-representados” em estudos científicos, justificando este facto com a “falta de conhecimento, falta de diversidade nas equipas de investigação dos estudos científicos e preconceito por parte dos profissionais de saúde na recomendação [de homens negros] para ensaios clínicos”.

Tanto Jorge Fonseca como Mário Pereira-Lourenço sublinham que a evidência mais recente tem vindo a mostrar que, quando existe o mesmo acesso a cuidados de saúde e a tratamentos adequados, os resultados são semelhantes entre homens negros e homens brancos.

Essa é a conclusão de um artigo de revisão sistemática e meta-análise, publicado em 2023, sobre o impacto das condições socioeconómicas dos pacientes na taxa de mortalidade por cancro da próstata. 

Os investigadores sublinham que, “quando o acesso à saúde é igual e o tratamento estandardizado para todos os pacientes”, os homens negros “têm resultados semelhantes ou melhores”. 

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Jorge Fonseca destaca que não é só o acesso à saúde que influencia o maior risco de cancro da próstata em afroamericanos, há também uma “menor mobilização das populações de ascendência africana na procura de cuidados de saúde” e uma “menor representação destes doentes em estudos de investigação”.

“Contudo, é de realçar que as diferenças entre as populações de ascendência africana e europeia, em termos de incidência de doença metastizada e mortalidade, têm vindo a diminuir ao longo do tempo”, ressalva. 

Em suma: de facto, existe uma maior probabilidade de um homem negro ser diagnosticado com cancro da prósta. As organizações internacionais reconhecem essa situação como “fator de risco” e aconselham a comunidade com ascendência africana a realizar exames de diagnóstico mais cedo.

Além da genética, estudos recentes identificam os fatores socioeconómicos, o acesso à saúde e a baixa representação em ensaios clínicos como principais fatores para a disparidade racial no cancro da próstata.

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