Sono e cefaleias: qual a relação?

Opinião

Sono e cefaleias: qual a relação?

Por Isabel Luzeiro

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A associação entre cefaleias e distúrbios do sono é frequente e robusta e a natureza desta relação tem uma influência bidirecional que se vai tornando compreensível.

Dados de um estudo realizado na Dinamarca, mostram que 20% da população sofre de ambas as patologias e têm pior qualidade de vida. No entanto, ao analisarmos este estudo surge uma questão inevitável: quais os indivíduos que mais sofrem? Parecem ser os matutinos, dado que nestes as crises ocorrem sobretudo no período da manhã. Mas que nomenclatura é esta? Está estabelecido que as pessoas devem dormir, no mínimo, 7 a 8 horas diariamente. Há, contudo, indivíduos que têm outro ritmo circadiano – temos os matutinos, atrás descritos, e os vespertinos que são noctívagos. Contudo, estes doentes dormem as horas estabelecidas como normais, não se tratando de uma patologia.

O sono e a dor partilham várias estruturas do cérebro bem como as substâncias que as medeiam: os neuro-mediadores. Por exemplo, todos sabemos que a melatonina regulariza o sono dos doentes, o que talvez não se saiba é que a melatonina e a orexina estão diminuídas na enxaqueca e que 1/3 dos doentes tem, de facto, dificuldade em adormecer.  Sob o ponto de vista da cefaleia interessa-nos lembrar que a melatonina inibe a libertação do CGRP, o “vilão” da enxaqueca, e a orexina é energizante e aumenta a vigília. Sob o ponto de vista do sono a melatonina, segregada pela glândula pineal, começa a aumentar no início da noite até gerar, um pico cerca das 2 horas da manhã, conduzindo ao sono. Os doentes com diminuição de orexina têm hipersónia e mesmo narcolepsia (doença em que se tem ataques de sono, sem qualquer razão evidente, entre outros sintomas).

O sono e a dor partilham várias estruturas do cérebro bem como as substâncias que as medeiam: os neuro-mediadores. Por exemplo, todos sabemos que a melatonina regulariza o sono dos doentes, o que talvez não se saiba é que a melatonina e a orexina estão diminuídas na enxaqueca e que 1/3 dos doentes tem, de facto, dificuldade em adormecer.

A enxaqueca tem com o sono uma relação bidirecional: o doente com esta patologia possui uma necessidade de dormir para aliviar a crise, mas a privação de sono, a mudança de hábitos de sono e o excesso de sono podem provocar uma crise de enxaqueca. Também um sono de pior qualidade se traduz em crises de enxaqueca. Todos conhecemos a enxaqueca que temos quando dormimos até mais tarde ao fim de semana, quando nos levantamos mais cedo para viajar ou quando mudamos de fuso horário. Nestes casos o que temos a fazer é levantar à hora do localidade em que esta , fazer as refeições às horas locais e não dormir de dia… é o chamado “jet leg”. Em casa, e porque se considera que os níveis de glicémia podem estar baixos, com interferência tanto nos despertares como no desencadear da enxaqueca devemos tomar o pequeno-almoço e regressar à a cama, se for o nosso desejo.

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A investigação demonstrou que o sono dos doentes com enxaqueca é diferente: o sono não respeita as proporções de cada fase (o sono tem 4 fases) não permitindo, por vezes a realização da “limpeza“ cerebral. Todos sabemos que durante o sono se limpa o cérebro dos tóxicos, como que havendo uma drenagem do que é nocivo ou desnecessário. Essa atividade cerebral é realizada através de uns canais de drenagem chamado sistema glinfático e, na aura da enxaqueca, essa vias ficam temporariamente entupidas levando ao perpetuar da situação dolorosa.

A enxaqueca tem com o sono uma relação bidirecional: o doente com esta patologia possui uma necessidade de dormir para aliviar a crise, mas a privação de sono, a mudança de hábitos de sono e o excesso de sono podem provocar uma crise de enxaqueca. Também um sono de pior qualidade se traduz em crises de enxaqueca.

Se pensarmos no que se sente antes da dor, durante uma crise de enxaqueca, temos noção que ocorrem náuseas e bocejos, atribuídos a uma alteração da dopamina. Este neuromediador está também alterado numa patologia do sono sobejamente conhecida: o “síndroma das pernas inquietas” em que os doentes, após um período de quietude mais longo, começam a mover incontrolavelmente os pés, pernas e, por vezes, os braços. 47% dos doentes com enxaqueca tem Síndrome de pernas inquietas. O equivalente noturno do síndrome das pernas inquietas são os “movimentos periódicos em sono” e medicamentos que atuam na dor crónica, neuropática, nomeadamente, a gabapentina e a prégabalina,indicados para o tratamento desta patologia do sono, para além da melatonina.

Para finalizar, direi que a atitude preventiva, não farmacológica, implica, necessariamente, medidas de higiene de sono, além de outras. Se a cefaleia surgir de novo ou não ceder apesar dessas medidas deve procurar-se um médico especialista. É importante esclarecer de que tipo de cefaleia se padece e qual a relação com o sono, assim como se existem patologias associadas para que a medicação seja a mais eficaz.

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Presidente da Sociedade Portuguesa de Neurologia (SPN)

Este texto é publicado no âmbito de uma parceria entre o Viral e o jornal especializado Health News.

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Cefaleias | Neurologia | Sono

1 Abr 2022 - 11:00

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