O simples gesto de ligar a televisão, nos últimos dias, coloca-nos rapidamente como espectadores de um sofrimento atroz vivido por pessoas que, como nós, têm família, objetivos, história e sonhos. A guerra rouba a esperança e alimenta o ódio que se transfigura em adrenalina e resulta em violência justificada, neste caso, pela tão primitiva regra da sobrevivência.
A conotação destes combates e as fronteiras entre o real e o expectável estão aquém do impacto emocional provocado pelas imagens, pelos sons e pelo visível sofrimento estampado nos rostos que preenchem o nosso ecrã.
Também as nossas crianças assistem a esta tormenta. O silêncio é muitas vezes a forma mais fácil de lidar com o que nos incomoda e por isso, ser tão natural não haver perguntas ou comentários, ao ponto de parecer um quase e trépido desinteresse.
Mas recorde-se que as crianças e os jovens têm, hoje, uma predisposição para a pesquisa em tudo o que o digital lhe possibilite resposta. Num mundo mais criterioso, o fácil acesso à informação deveria estar escoltado por uma capacidade exemplar de seleção dessa informação. Uma espécie de filtro entre o que é credível e o que os outros especulam.
Depois de dois anos a consumir notícias sobre a Pandemia Covid-19, somos, uma vez mais, expostos a imagens, conteúdo, informação e sons cuja gestão e avaliação dos mesmos são particular e emocionalmente exigentes. A exposição direta ao sofrimento humano, alimentada pela raiva crescente e a perceção de inoperância (do mundo, mas sobretudo nossa) resulta em stress. Quando o nosso corpo nos dá sinais de alerta, habitualmente associados a níveis de ansiedade que ultrapassam a nossa capacidade de gestão, torna-se urgente AGIR.
As crianças têm uma forma pura e genuína de lidar com a emoção, entregando-se a ela com reação clara e enfatizando-a, muitas vezes, nas suas brincadeiras e na sua linguagem não verbal.
O stress é tudo aquilo que nos desequilibra e também as crianças tendem em manifestá-lo à sua maneira. Procurar mais colo ou, em contrapartida isolarem-se, estarem mais agitadas, terem mais pesadelos ou medo de dormir sozinhas, são alguns dos sinais de alerta. Importa que estejamos, sobretudo, atentos a comportamentos atípicos na criança e de alerta a tudo o que se distancie daquilo que habitualmente reconhecemos nelas.
A gestão constante entre o equilíbrio das expectativas e dos recursos pode tornar-se um verdadeiro desafio também para os mais pequenos.
Quer sinta que a criança ignora o assunto ou, em contrapartida, questiona o que está a acontecer sempre que se apercebe que os adultos ficam angustiados e agitados com as notícias veiculadas, importa falar.
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Psicóloga no Hospital da Cruz Vermelha Portuguesa
Este texto é publicado no âmbito de uma parceria entre o Viral e o jornal especializado Health News.
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