Mitos
Toxoplasmose. Grávidas não devem conviver com gatos?
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Toxoplasmose. Grávidas não devem conviver com gatos?

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Quando alguém anuncia uma gravidez, um dos primeiros conselhos que ouve é para se afastar de gatos por causa da toxoplasmose, uma infeção causada por um parasita. Mas será mesmo necessário deixar de conviver com gatos durante a gravidez? E a toxoplasmose só se transmite no contacto com felinos? O que é, afinal, esta infeção?

É verdade que grávidas não devem conviver com gatos por causa da toxoplasmose?

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Os receios de contágio pela toxoplasmose durante a gravidez são muito comuns, mas, segundo a ginecologista Cristina Nogueira-Silva, professora da Escola de Medicina da Universidade do Minho e investigadora do Instituto de Investigação em Ciências da Vida e Saúde, as gestantes podem continuar a conviver com gatos. No entanto, o convívio depende de alguns fatores genéricos de prevenção porque os perigos desta infeção não estão relacionados apenas com gatos.

Em primeiro lugar, é importante conhecer o estado sorológico da grávida à infeção, ou seja, saber se é ou não imune à toxoplasmose, independentemente de conviver ou não com gatos. O ideal é saber se a mulher é imune à toxoplasmose antes de engravidar. Por essa razão, a avaliação sorológica desta infeção faz parte dos exames pré-natais. Se for imune, o que significa que já teve contacto com a infeção, não há motivos para ter qualquer preocupação com a toxoplasmose durante a gravidez. Isto desde que a mulher não tenha algum compromisso sério do sistema imunitário – como estar infetada pelo VIH e não ter a infeção controlada pela medicação – que possa reativar a infeção passada.

No caso de não ser imune à toxoplasmose há, de facto, que ter algumas precauções, mas estas não passam apenas pelo convívio com gatos. Até porque, diz a ginecologista ao Viral, “se estamos a falar de um gato que nunca saiu de casa, que sempre comeu comida processada, a chamada ração, quase podemos dizer que não há qualquer possibilidade de esse gato estar contaminado e passar a infeção à grávida”.

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Mas, afinal, o que é a toxoplasmose?

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A toxoplasmose é uma infeção da qual se fala muito durante a gravidez, mas não é muito conhecida, nem muito divulgada fora dessa circunstância.

Em declarações ao Viral, Ana Patrícia Lopes, professora no Departamento de Ciências Veterinárias da Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), explica tratar-se de “uma doença provocada pelo protozoário parasita Toxoplasma gondii”, que pode ser encontrado em quase todas as áreas do mundo e que “infeta a maioria dos animais homeotérmicos, isto é, os chamados animais de sangue quente, como os mamíferos, incluindo os seres humanos e os gatos”.

Contudo, “os membros da família Felidae, incluindo os gatos domésticos e os felídeos silváticos, são os únicos hospedeiros definitivos conhecidos do parasita, ou seja, são eles que, quando adquirem a infeção pela primeira vez, excretam pontualmente com as fezes milhões de oocistos não esporulados, semelhantes a ovos microscópicos, que vão contaminar o meio ambiente, incluindo a água, o solo, frutas e legumes” e que acabam por infetar os restantes animais e, consequentemente, as pessoas.

E como se transmite a toxoplasmose?

Segundo a professora da UTAD, sendo a “toxoplasmose considerada uma zoonose, ou seja, uma doença cujo agente é transmitido dos animais aos seres humanos”, as principais vias de transmissão da toxoplasmose aos seres humanos são a “ingestão de alimentos crus não lavados – vegetais, frutas, etc. – de água ou a manipulação do solo contaminados com oocistos esporulados” e também de carne ou vísceras cruas ou mal passadas de animais infetados – que também podem ser animais de caça, como o javali, ou cervídeos – ou então a transmissão placentária entre mãe e feto.

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No entanto, explica Ana Patrícia Lopes, “a maioria das pessoas infeta-se inadvertidamente, sendo geralmente difícil, ou mesmo impossível, estabelecer o modo específico de transmissão” e determinar se a pessoa foi infetada pelos oocistos esporulados presentes nas fezes dos gatos, pela ingestão de alimentos contaminados ou por mexer em terra contaminada.

Ainda assim, acrescenta, “alguns estudos sugerem que as pessoas muito dificilmente adquirem a infeção pela manipulação de gatos, pelo facto de não se terem encontrado oocistos de Toxoplasma gondii no pelo dos gatos”.

A professora da UTAD deixa ainda um alerta: “É importante salientar que os oocistos quando são excretados pelos gatos não se encontram esporulados e, como tal, não possuem ainda a capacidade de infetar outros hospedeiros, como, por exemplo, os seres humanos”. 

No mesmo sentido, completa, “a esporulação ocorre no meio ambiente e depende da temperatura e da humidade, necessitando o oocisto de 24 a 48 horas no meio ambiente para começar a esporular”, daí a necessidade imperiosa de limpar diariamente a caixa de areia do gato para prevenir a infeção das pessoas que convivem com o animal.

E quais são os perigos da toxoplasmose?

A população em geral – considerada saudável e sem nenhum comprometimento do sistema imunitário – quando é infetada pelo parasita não desenvolve mais do que uma “síndrome gripal, com dores no corpo, cefaleias, com uma evolução totalmente benigna”.

Ainda assim, apesar de ser uma infeção benigna, o grande problema da toxoplasmose acontece quando afeta uma grávida não imune, embora a preocupação “não tenha a ver com a mãe, mas sim com a possibilidade de infeção do feto”, acrescenta a especialista em Ginecologia e Obstetrícia.

Apesar de a transmissão da mãe para o feto ser considerada rara – apenas 7% dos fetos das mulheres positivas para a presença de Toxoplasma gondii acabam por ser infetados pelo parasita –, os riscos são consideráveis e dependem da idade gestacional em que a transmissão mãe-filho tenha ocorrido. 

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“Quanto mais precocemente ocorrer a infeção, maior é a gravidade da infeção para o bebé. Se bem que o risco de transmissão [entre mãe e feto] é maior nas fases mais avançadas da gravidez”, explica Cristina Nogueira-Silva.

Entre esses riscos, enumera, encontram-se o aumento da taxa de aborto espontâneo, de morte fetal e nas fases mais tardias da gestação o aumento do risco de parto pré-termo

Quando o feto é infetado pelo parasita o que mais preocupa os especialistas é o aumento do risco de este ter problemas no desenvolvimento auditivo, que podem resultar em surdez, no desenvolvimento ocular, que podem levar à cegueira, e de “alterações neurológicas com grande risco de atraso mental”. Contudo, o quadro clínico é variável e pode manifestar-se apenas por anemia e icterícia ao nascimento nos fetos infetados.

Estando infetados, há tratamento para a grávida e para o bebé?

“Não há um tratamento para a doença em si. O que existe são fármacos cujos estudos demonstram que se associam a uma diminuição da transmissão para o feto do Toxoplasma gondii” sublinha a ginecologista.

O recomendado, se a grávida não for imune à toxoplasmose, independentemente de conviver ou não com gatos, é repetir os exames para determinar as sorologias no segundo e terceiro trimestres e se estes revelarem positividade para a presença do parasita, avançar com o protocolo terapêutico e manter uma monitorização ecográfica mais apertada.

O plano terapêutico na grávida infetada com o parasita passa pela administração de antibióticos que, apesar de não existir evidência de que são 100% eficazes na prevenção da infeção fetal, 100% eficazes na prevenção da infeção fetal, Cristina Nogueira-Silva revela que da experiência com estes casos não assistiu “a nenhum caso de transmissão [entre mãe e feto]”.

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No caso de o feto já estar infetado, o protocolo passa também pela administração de antibióticos, com o objetivo de tratar a infeção fetal, de modo a diminuir as potenciais complicações no desenvolvimento fetal.

O que fazer para prevenir a infeção?

Para tirar toda e qualquer dúvida, é sempre possível consultar o veterinário para conhecer o estado serológico do gato e saber se ele está ou não infetado pelo parasita. “É, geralmente, realizado um exame ao sangue para a deteção de anticorpos específicos para este parasita que pode indicar se os gatos se encontram na fase aguda ou se já se encontram na fase crónica da infeção”, sendo que na fase crónica a probabilidade de o gato estar a excretar oocistos é muito diminuta, o que torna totalmente seguro o contacto com gestantes.

E, como reforça Ana Patrícia Lopes, “vários estudos indicam que é pouco provável que gatos seronegativos, ou seja, que não estão infetados com o parasita, mantidos dentro de casa, que não caçam e aos quais não é fornecida carne ou vísceras cruas ou malpassadas adquiram a infeção e, como tal, esses estudos sugerem que os gatos seronegativos representam um risco mínimo para a aquisição da infeção pelos seres humanos”.

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E quer tenham ou não gatos em casa, para manter as grávidas livres da infeção pelo parasita, ambas as especialistas recomendam a aposta em medidas de higiene muito apertadas.

“Tudo o que comer cru deve ser bem lavado e/ou descascado e todos os alimentos devem ser bem cozinhados”, aconselha Cristina Nogueira-Silva, que também recomenda a lavagem das mãos, utensílios de cozinha e bancadas com água quente e sabão/detergente sempre que se manuseia carne crua.

Ana Patrícia Lopes reforça a necessidade de “a caixa de areia do gato ser limpa diariamente, de modo a evitar a esporulação dos oocistos, de preferência por pessoas que não sejam mulheres gestantes, com o uso de luvas combinado com a lavagem imediata das mãos de modo a diminuir o risco de infeção” e recomenda que as caixas de areia e todos os objetos que tenham entrado em contacto com as fezes dos gatos sejam lavados com água quente, a mais de mais de 70 °C e detergente, e com recurso a luvas.

As luvas são também aconselhadas para quem gosta de mexer na terra e fazer jardinagem.

Em suma, prevenir a toxoplasmose passa por uma higiene apertada das mãos, dos alimentos e dos utensílios e manter o gato dentro de casa.

Categorias:

Gravidez

Etiquetas:

Gatos | gravidez | Toxoplasmose

9 Dez 2022 - 10:35

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