Mitos
Impede a gravidez? 7 mitos e verdades sobre a esclerose múltipla
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Impede a gravidez? 7 mitos e verdades sobre a esclerose múltipla

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A esclerose múltipla (EM) é uma doença autoimune que afeta o sistema nervoso central. Até à data, a Organização Mundial de Saúde (OMS) estima que mais de 1,8 milhões de pessoas sofram com esclerose múltipla em todo o mundo. Embora seja uma doença conhecida pela população em geral, ainda permanecem algumas dúvidas. As pessoas com esclerose múltipla não podem fazer exercício físico? A doença impede a gravidez? Todos os doentes precisam de usar cadeira de rodas?

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No Dia Nacional da Pessoa com Esclerose Múltipla, que se assinala todos os anos a 4 de dezembro, José Vale, neurologista no Hospital Lusíadas Lisboa e presidente da Comissão Científica da Sociedade Portuguesa de Neurologia (SPN), esclarece sete mitos e verdades sobre a doença.

A doença é igual para todas as pessoas? 

A doença “é muito variada”, assinala José Vale. O médico explica que a esclerose múltipla “é uma doença autoimune” que “se carateriza pelo aparecimento de múltiplas lesões no sistema nervoso central”.

No fundo, “o próprio sistema imune reconhece como estranhas certas componentes e desencadeia lesões num órgão-alvo”, neste caso, no cérebro.

As manifestações da doença “dependem da localização das lesões e isso é mais ou menos aleatório”, refere o neurologista. 

Segundo um texto publicado no site da OMS, os sintomas podem incluir: “problemas de visão”, “dificuldade em andar ou manter o equilíbrio”, “dificuldade em pensar com clareza”, “dormência ou fraqueza (especialmente nos braços e nas pernas)”, “rigidez muscular”, “depressão” e “problemas com a função sexual ou urinária”.

Associado a estes sintomas, pode existir “a fadiga”, que é “uma queixa muito comum” e bastante “perturbadora” na maioria dos casos, assinala João Vale.

O facto de a esclerose múltipla poder aparecer “com uma enorme diversidade de manifestações” faz com que, muitas vezes, “se atrase o diagnóstico, porque não se valorizam” os sintomas.

Além disso, os sintomas “podem aparecer e desaparecer ou piorar com o tempo”, salienta a OMS. Isto porque a doença manifesta-se de diferentes formas.

Num texto da Sociedade Portuguesa de Esclerose Múltipla (SPEM), explica-se que a esclerose múltipla pode apresentar-se em “formas remitentes” e “formas primárias progressivas”.

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Por um lado, as formas remitentes correspondem a “85% dos casos” e são típicas nos jovens adultos. Neste contexto, “ocorrem surtos sucessivos sem progressão contínua da doença”, clarifica-se.

As formas primárias progressivas equivalem a “15% dos casos” e são típicas em pessoas com mais de 40 anos. Neste caso, “a doença evolui de forma lenta, mas progressiva”.

É importante realçar ainda que “as formas remitentes podem evoluir, ao fim de 10 ou 20 anos, para uma forma secundária progressiva, em que os surtos ficam cada vez mais raros e pode começar a ocorrer um agravamento progressivo, por exemplo, da marcha”, acrescenta-se no mesmo texto.

A esclerose múltipla não tem cura?

É um facto. Até à data, a esclerose múltipla “não tem cura”, informa José Vale. Mas isso não quer dizer que não haja nada a fazer.

Segundo um texto informativo, publicado no site do Serviço Nacional de Saúde britânico (NHS), “existem tratamentos que podem retardar a progressão da EM e ajudar a aliviar os sintomas”. O tipo de tratamento vai depender do tipo de esclerose múltipla e dos sintomas. 

Em termos de fármacos, “existe uma série de medicamentos para controlar o processo inflamatório”, refere José Vale. Com estes medicamentos, “controlamos razoavelmente bem a doença”, acrescenta.

Há vários medicamentos com objetivos diferentes. Pode ser necessário receitar medicamentos “para reduzir o inchaço e ajudar os nervos a funcionarem melhor”, “para reduzir o número de recaída e a gravidade das mesmas”, “para tratar a dor” e “problemas de visão”, ou “medicamentos relaxantes musculares”, especifica-se no texto do NHS.

Além disso, salienta-se, as pessoas com esclerose múltipla podem ainda ser aconselhadas a fazer “fisioterapia” e “terapia cognitivo-comportamental”, a adquirir “equipamento de mobilidade” e a procurar aconselhamento para sintomas específicos.

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Pessoas com esclerose múltipla não podem fazer exercício físico?

Esta ideia não passa de um mito. Aliás, defende José Vale, as pessoas com esclerose múltipla “devem praticar exercício físico”.

Contudo, é importante que seja um exercício adaptado. “Deve ser regular, aeróbico, mas deve-se evitar a exaustão”, esclarece.

O exercício físico tem “vantagens para a doença, para o próprio sistema imune e até para a robustez física”. Ao praticarem atividade física, os doentes “ficam mais aptos em termos de fadiga e das manifestações associadas”, aponta.

Num manual de apoio à vida com esclerose múltipla da SPEM também se reforça os benefícios do exercício físico neste contexto.

“Além de ser essencial para a saúde geral e bem-estar, o exercício é útil na gestão de muitos sintomas da EM. A inatividade em pessoas com ou sem EM pode resultar em inúmeros fatores de risco, associados à doença cardíaca”, salienta-se. 

Ainda assim, é importante ter em conta que o exercício tem de ser adaptado “às capacidades e limitações de cada indivíduo, podendo necessitar de ser ajustado conforme ocorrem alterações nos sintomas da EM”, refere-se no mesmo documento. 

Por esse motivo, “qualquer pessoa com esclerose múltipla que está a iniciar um novo programa de exercícios também deve consultar um médico antes de começar”.

É mais comum em mulheres?

Sim, é verdade. “Como todas as doenças autoimunes, de modo geral”, a esclerose múltipla “é mais comum nas mulheres”, adianta José Vale.

Além disso, “é habitualmente uma doença de idade jovem”, que costuma surgir “entre os 20 e os 40 anos”, acrescenta.

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No entanto, “isto não é uma regra fixa”, refere o neurologista. Apesar de “o pico de incidência ser por volta dos 30 anos”, a doença “pode aparecer na idade pediátrica e até depois dos 65 anos”, clarifica.

Todas as pessoas com esclerose múltipla têm de usar uma cadeira de rodas?

Este é um dos mitos mais difundidos sobre a esclerose múltipla. Segundo o manual da SPEM, “atualmente, existem muitos tratamentos para retardar a progressão da doença e reduzir os surtos” e “a maioria dos pacientes consegue controlá-la com terapia”.

No mesmo sentido, José Vale explica que “a história natural da doença é muito variável”, tal como “as manifestações são variáveis”. Para mais, quando as pessoas começam a ter “manifestações agudas” da doença podem “ficar com sequelas ou não”.

Por exemplo, um doente fica “com falta de força numa perna, de repente”, e “em dois ou três dias fica com uma delimitação grande”. Ao fazer o tratamento, “recupera, mas não plenamente, e pode ficar com um ligeiro défice”, expõe o médico.

A partir daí, “tentamos fazer de tudo para evitar o aparecimento de lesões novas que possam gerar mais sintomas”.

Não é possível “evitá-las” sempre, mas “temos a capacidade de controlar” a doença. Ainda assim, há casos em que as cadeiras de rodas podem ser necessárias e úteis para os doentes.

Algumas vezes, “ao fim de 20, 30, 40 anos, sobretudo com o envelhecimento, como os mecanismos de reparação celular já não são tão capazes, fazem com que a pessoa possa ir acumulando défices”, explica João Vale.

No fundo, resume o neurologista, “não é uma inevitabilidade” um doente ter de vir a utilizar uma cadeira de rodas,  nem é “uma inevitabilidade ficar com défices, mas há uma percentagem grande de pessoas que nas fases mais avançadas da vida têm limitações físicas”.

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A esclerose múltipla impede a gravidez?

Segundo José Vale, a ideia de que as mulheres com esclerose múltipla não podem engravidar já “vem dos anos 70”. Nessa altura, “começou a perceber-se que, quando as mulheres engravidavam, havia um risco acrescido no pós-parto de virem a ter surtos da doença”, explica.

Nos dias de hoje, já se percebe porquê. “Durante a gravidez o sistema imune tem de estar reprimido e controlado, porque a mulher não pode rejeitar as células do feto”, esclarece o médico.

Por esse motivo, quando a mulher tem o bebé, “nos meses subsequentes, há um risco acrescido de ter um surto”. 

Numa altura em que “não havia grandes tratamentos para a doença”, achava-se que isto só seria evitado se uma mulher com esclerose múltipla não engravidasse.

Hoje, sabe-se “que nada disso faz sentido”. Aliás, salienta, foi-se percebendo que “o facto de estas mulheres terem o sistema imune contido durante aquelas fases permite-lhes ter um mecanismo de regulação e, provavelmente, faz com que a doença não seja tão agressiva”. 

Assim, na perspetiva de José Vale, “não há nenhuma limitação para ter crianças se assim os pais o desejem”.

A única questão, muitas vezes, tem que ver com a medicação que a mulher estava a tomar antes de engravidar. Existem “alguns fármacos que têm de ser descontinuados nesta fase”, mas é sempre possível haver uma adaptação do tratamento (ver também aqui).

Não se conhecem as causas exatas da doença?

Mais uma vez, tal como acontece com outras doenças autoimunes, “não se conhecem as causas” da esclerose múltipla, não se sabe “o que leva à desregulação do sistema imune”, avança José Vale.

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Acredita-se, contudo, “que há uma conjugação adversa de vários fatores genéticos e ambientais”, informa o médico (ver também aqui, aqui, aqui e aqui).

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A exposição “a certo tipo de agentes virais”, sobretudo “a infeção pelo vírus Epstein Barr”, tem sido associada “ao aparecimento de esclerose múltipla”, refere.

Embora seja uma infeção comum na população, “todas as pessoas com esclerose múltipla têm histórico de ter tido a infeção”, acrescenta o neurologista.

Além disso, “algumas pessoas têm uma certa composição genética que faz com que tenham uma resposta autoimune destrutiva e dirigida ao cérebro”.

Outros fatores que parecem estar associados, mas com menos influência, são “a obesidade infantil e o alto consumo de sal”, por exemplo.

Apesar de tudo, “objetivamente, não se conhece a causa, e essa é uma limitação importante para tratar a doença, porque, quando não se sabe a causa”, não se consegue chegar à cura.

4 Dez 2024 - 08:30

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