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Basta ter força de vontade? 7 mitos sobre a obesidade
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Basta ter força de vontade? 7 mitos sobre a obesidade

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A obesidade é uma doença crónica e complexa que continua associada a vários preconceitos e ideias erradas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), o excesso de peso e a obesidade atingiram “proporções epidémicas” e os casos – tanto em adultos quanto em crianças – continuam a crescer.

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Mas, afinal, basta força de vontade para perder peso? A obesidade é um problema meramente estético? A obesidade nas crianças obesas não é preocupante? No Dia Mundial da Obesidade, três endocrinologistas esclarecem, em declarações ao Viral, sete mitos sobre a obesidade.

Mito 1: A obesidade é apenas um problema estético

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A endocrinologista do Centro Hospitalar Universitário de São João (CHSJ) e professora da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), Paula Freitas, e a diretora do Serviço de Endocrinologia do Hospital Beatriz Ângelo, Cristina Valadas, começam por esclarecer que várias instituições internacionais e associações médicas classificam a obesidade como uma doença.

“Não é um problema estético, nem um problema cosmético. É uma doença grave, crónica e muito complexa”, sublinha a endocrinologista do CHSJ. Portanto, completa a médica do Hospital Beatriz Ângelo, esta patologia “deve ser olhada, avaliada e tratada como uma doença multifatorial”.

De facto, “a pessoa obesa é olhada de uma forma pouco agradável e, grande parte das vezes, sente-se desvalorizada pelo seu aspeto”, defende Cristina Valadas. Mas “os médicos e a sociedade em geral têm de perceber que a obesidade não é uma escolha, é uma doença”.

Doença essa responsável por muitas outras patologias, “sejam elas doenças metabólicas, mecânicas, mentais”, alerta Paula Freitas. Além disso, segundo a mesma fonte, “existe evidência científica robusta de que a obesidade é um fator de risco para 13 tipos de cancro, está associada a uma redução de qualidade e esperança média de vida”.

Mito 2: Basta força de vontade para combater a obesidade

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Não é verdade que basta ter força de vontade para combater a obesidade. Existem vários fatores que condicionam o desenvolvimento e o tratamento da obesidade. Em primeiro lugar, é importante perceber que “a genética tem muito peso”, destaca Paula Freitas. 

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No entanto, o cérebro também ocupa um papel muito importante no controle do apetite

A professora da FMUP explica que o apetite é controlado pela regulação homeostática (um conjunto de hormonas leva a pessoa a comer por fome fisiológica) e a regulação hedónica (que está associada ao prazer de comer). Por outro lado, ainda há a “função executiva”, ou seja, “a decisão de comer ou não comer”, esclarece. 

Onde é que se costuma intervir nos casos de obesidade? “Na função executiva”. Proporciona-se “ferramentas às pessoas para elas decidirem comer ou não comer, mas esquece-se das nossas hormonas muito poderosas – noutra parte do cérebro – que estão a controlar os mecanismos do apetite”, salienta a especialista.

Assim, “quando se diz que a pessoa pode decidir comer ou não comer, isso é apenas um terço dos mecanismos de controlo do apetite a nível cerebral”, sustenta.

Mito 3: A obesidade nas crianças não é preocupante

É um mito a ideia de que a obesidade nas crianças não é preocupante. “Os estudos têm demonstrado, cada vez mais, que crianças obesas têm uma maior predisposição para terem obesidade e complicações associadas em idade adulta”, expõe a endocrinologista Diana Martins.

Isto porque a obesidade, ao surgir na idade pediátrica, provoca “um risco e uma carga da doença muito mais precoce”. Além disso, na visão de Cristina Valadas, “quando somos crianças adquirimos hábitos” (sejam eles saudáveis ou não) e se isso se perpetuar para a idade adulta depois “é muito mais difícil mudar”.

A verdade é que, “a partir da década de 50”, os casos de obesidade começaram a aumentar, explica Paula Freitas. “Há muitos anos, a diabetes tipo 2” – associada muitas vezes à obesidade – “era mais prevalente nas pessoas com mais de 40 anos”.  Atualmente, “há crianças de 4 anos com diabetes tipo 2”, lamenta a médica. 

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Por isso, aconselha Diana Martins, “é cada vez mais importante que as crianças e adolescentes com excesso de peso e obesidade sejam referenciadas para consulta de endocrinologia pediátrica, para serem avaliadas e serem vigiadas no que respeita à sua progressão de peso”. 

Fazer isto ainda permitirá a identificação de “potenciais complicações, para que se evite que, a longo prazo, mantenham este perfil e tenham complicações graves de obesidade”, conclui.

Mito 4: A obesidade está ligada exclusivamente à genética

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“A maioria das outras pessoas tem obesidade poligénica”, isto é, possui “determinados genes que conferem o risco acrescido de ter obesidade“, clarifica Paula Freitas.

A título de exemplo, a endocrinologista refere vários estudos feitos ao longo dos anos com gémeos monozigóticos, separados à nascença dos pais biológicos e colocados em famílias de adoção diferentes.

Verificou-se o seguinte: mesmo separados um do outro e dos pais biológicos, o Índice de Massa Corporal (IMC) dos gémeos “era concordante” e também semelhante ao dos pais biológicos.

Portanto, sim, a genética tem um peso considerável, “que confere a essas pessoas uma maior suscetibilidade para ter obesidade no ambiente atual”. E a questão é mesmo essa: apesar de os genes terem influência, os fatores ambientais também têm.

Estas condições “podem atenuar ou exacerbar a influência da genética na obesidade” Ou seja, “se a pessoa está num ambiente de sedentarismo, os seus genes vão fazer com que tenha maior probabilidade de ter o fenótipo da doença”, explica.

Mito 5: A cirurgia bariátrica é o único método de tratamento eficaz

“Uma doença crónica e complexa vai precisar de todas as armas que nós temos hoje ao nosso dispor”, defende Paula Freitas. E, de facto, a cirurgia bariátrica não é o único tratamento para a obesidade.

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Numa primeira fase, deve-se intervir “na função executiva”, garante a especialista. “As pessoas devem ter conhecimentos acerca da alimentação saudável, devem ser incentivadas a praticar atividades físicas e a modelar comportamentos”, salienta.

Para mais, na visão de Diana Martins, é necessário que este acompanhamento seja feito “a longo prazo”, “sem ser suspenso subitamente”, pois esta interrupção pode prejudicar o avanço feito até à data.

A segunda etapa passa “pelos fármacos”. Como adianta a endocrinologista, “a obesidade é uma doença como as outras” e deve ser tratada como tal. Atualmente, “a nível europeu, existem quatro fármacos aprovados para o tratamento da obesidade”. Estes medicamentos permitem regular a “fome homeostática” e a “fome hedónica”.

É um facto que os fármacos atuais não permitem uma perda de peso “tão grande como a cirurgia bariátrica”, pondera. No entanto, este procedimento também tem “as suas limitações”. 

E mais, além da obesidade ser uma doença complexa, é recidivante. Quer isto dizer que “cerca de 30% dos doentes, após uma cirurgia bariátrica, tem peso exatamente igual ao que tinham antes da cirurgia, porque há um reganho ponderal mesmo depois”.

Isto é, “a cirurgia pode ser uma boa opção”, argumenta Diana Martins. No entanto, é imprescindível haver um “acompanhamento” antes e depois do procedimento cirúrgico. Por um lado, para “vigiar a evolução ponderal e, por outro, porque as pessoas submetidas a este tipo de intervenções cirúrgicas estão sujeitas a défices vitamínicos que devem ser monitorizados com regularidade”, justifica.

Mito 6: Todos os casos de obesidade são iguais

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Nem todos os casos de obesidade são iguais. “É muito mais complexo que isso”, avisa a professora da FMUP. Aliás, “por algum motivo a obesidade está dividida em várias classes, desde excesso de peso até uma obesidade de grau um, grau dois e grau três – a mais grave de todas”, elucida Cristina Valadas. 

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Uma pessoa com excesso de peso, por exemplo, “tem uma perspetiva de morbilidade e de mortalidade muito mais baixa do que uma pessoa com uma obesidade grave”, realça a diretora do Serviço de Endocrinologia do Hospital Beatriz  Ângelo. O importante é “não deixar que uma passe a outra”. 

A isto ainda se juntam as causas, que podem ser as mais variadas. Há um conjunto de “fatores individuais” que podem estar “associados ao ganho de peso”, justifica Paula Freitas. Por isso, “os doentes devem ser sempre vistos por uma equipa multidisciplinar, preferencialmente”.

Mito 7: Se o doente perder pouco peso significa que falhou

É comum a ideia de que “o doente falhou” se não perdeu o peso pretendido, ou se “reganha peso”, aponta Paula Freitas. “Acham que a pessoa falhou ou que o fármaco falhou quando, na verdade, a doença é progressiva”.

Segundo Cristina Valadas, “a pessoa tem que perceber que a perda de peso é um processo crónico” e, tal como foi quando seguiu em direção à obesidade, “vai demorar tempo” até obter os resultados pretendidos, “de forma sustentável”. 

Muitas vezes, “as pessoas perdem 5% do peso ou 10%”. Parece pouco, mas não é. Isto já “se traduz numa melhoria” de todos os perigos associados ao excesso de peso. 

“Há mesmo uma plausibilidade biológica”, defende Paula Freitas. É de extrema importância que os doentes entendam que “reganhar peso não é falhanço”. 

Aliás, destaca Diana Martins, eventualmente vai haver uma “fase de equilíbrio” e o “peso vai estagnar”. Isso não significa que o tratamento ou que as medidas não estejam a funcionar. Neste caso, “manter um peso estável é também um ganho terapêutico”, sustenta.

Às vezes, pode haver uma “maior preocupação em perder peso por uma questão estética”, esclarece Cristina Valadas. Contudo, “enquanto profissionais de saúde, respeitando essa preocupação estética real, é a nossa obrigação fazer a pessoa ver que se trata de uma doença e os ganhos em saúde são os mais importantes”, conclui.

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Excesso de peso | Obesidade

4 Mar 2023 - 08:42

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