Mitos
Depois de comer, devo esperar três horas antes de ir à água?
Mitos
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Depois de comer, devo esperar três horas antes de ir à água?

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“Não podes ir à água, porque ainda estás a fazer a digestão.” Esta é uma das frases mais ouvidas (e mais temidas) pelas crianças na época balnear. Quando acabam de almoçar, a primeira coisa que querem fazer é dar um mergulho, mas, por vezes, os pais e os avós obrigam-nas a ficar mais duas ou três horas na toalha, por acreditarem que entrar na água depois de comer pode fazer-lhes mal e provocar uma “paragem de digestão”.

A ideia de que não se pode entrar na água depois de comer está entranhada na crença popular há várias gerações. Mas tem fundamento ou é apenas um mito?

Deve-se esperar de duas a três horas após a refeição para ir à água?

Existem várias teorias que servem de base à crença popular de que, após uma refeição, é necessário esperar entre duas e três horas antes de ir à água. No entanto, João Ramos, médico especialista em Medicina Geral e Familiar, explica ao Viral que esta ideia é um mito e desmonta as teses em questão.

Uma destas teorias assenta na ideia de que, durante o processo de digestão, para que haja uma melhor absorção de nutrientes, o sangue se concentra parcialmente no sistema digestivo e que, por isso, quando alguém entra na água imediatamente depois de comer, o frio vai direcionar o sangue para o resto do corpo e obrigar o estômago e os intestinos a pararem o que estão a fazer, provocando uma “paragem da digestão. Mas não é bem assim.

João Ramos esclarece que, se uma pessoa entrar no mar, numa ribeira ou numa piscina e a água estiver muito fria em relação à temperatura do corpo, esse ato “pode, de facto, causar uma indigestão ou paragem da mesma”. No entanto, isso não significa que tal só aconteça imediatamente após uma refeição: “A digestão pode parar logo depois da refeição ou passadas duas horas ou três horas, pelo choque térmico”, exemplifica.

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Este choque térmico é a diferença entre a “temperatura corporal interna (em especial pelo afluxo do sangue abdominal durante o processo digestivo) e a temperatura da água”.

Comer antes de nadar aumenta o risco de afogamento?

A segunda teoria não fundamentada que está na origem desta crença popular de que é necessário, após uma refeição, esperar duas ou três horas antes de ir ao mar está relacionada com afogamentos e surgiu no início do século XX, no manual “Scouting for Boys” (em português, “Escutismo para rapazes”). 

No capítulo “Bathing and Swimming” (em português, “Banho e Natação”), é feita a seguinte afirmação: “Se tomares banho na hora e meia após a tua refeição, ou seja, antes do final da digestão, terás provavelmente uma cãibra. A cãibra vai provocar sofrimento extremo. Não poderás mexer os braços e as pernas – poderás afogar-te – e a culpa será tua”.

Para prevenir afogamentos, neste manual de escutismo era aconselhado esperar pelo menos 90 minutos após a refeição antes de dar um mergulho.

No entanto, não existe evidência científica que sustente esta teoria. Um estudo de 2013, da International Life Saving Federation, uma federação internacional que se dedica ao salvamento aquático e que tem, entre os fundadores o Instituto de Socorro a Náufragos, não encontrou dados que justificassem o risco de afogamento. 

“Não há evidência de que comer antes de nadar aumenta o risco de afogamento”, lê-se no documento.

No mesmo sentido, um artigo do International Journal of Aquatic Research and Education adianta que, atualmente, não existe evidência de que comer antes de mergulhar aumenta o risco de afogamento e, nesse sentido, tal ideia pode mesmo ser considerada um mito. 

O que acontece durante a paragem da digestão?

Mas, voltando à primeira teoria, é verdade que a paragem da digestão pode provocar a morte? Esta é uma das questões relacionadas com o tema que surgem na internet em fóruns de discussão. 

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A resposta é não. O médico João Ramos explica que ninguém morre devido a uma paragem da digestão. O que esta pode provocar são dores abdominais, náuseas, vómitos e, em alguns casos, cefaleias.

Que cuidados devemos ter antes de dar um mergulho?

O especialista em Medicina Geral e Familiar diz que a prevenção deve ser feita pela “habituação gradual do corpo à temperatura e à entrada na água de forma mais lenta e progressiva”, evitando, desta forma, a possível ocorrência de um choque térmico, “que acontece mais frequentemente quando mergulhamos de cabeça estando em plena digestão”.

João Ramos reforça que não é o intervalo de tempo entre o término da refeição e a entrada na água que vai causar uma indigestão. Isto porque o “processo fisiológico depende do que se comeu, do quanto se comeu e bebeu, da temperatura ambiente, de características muito próprias de cada indivíduo e da temperatura da água naquele dia”. O médico aconselha, por isso, “bom senso”.

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“É diferente comer meio leitão ou um peixe grelhado e salada. É diferente ter consumido bebidas alcoólicas ou um sumo de fruta, ou água”, conclui. 

Em suma, seja qual for a teoria que leva várias pessoas a defenderem que se deve esperar cerca de três horas depois de comer para entrar na água, a verdade é que não existe evidência científica que comprove esta ideia ou aconselhe esta prática.

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Alimentação

23 Mai 2023 - 05:23

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