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Trocar o café pela matcha: Vale a pena? Quais os benefícios deste chá?

9 Dez 2024 - 09:38

Trocar o café pela matcha: Vale a pena? Quais os benefícios deste chá?

O café é uma das bebidas mais consumidas no mundo, não só pelo seu sabor, mas também pelos efeitos estimulantes da cafeína. Nas redes sociais, são partilhados apelos para que se troque o café pela matcha – um pó verde que pode ser consumido na forma de chá ou adicionado a diferentes receitas.

A matcha é um tipo de chá verde que deriva das folhas de Camellia Sinensis (planta do chá). O processo de produção é, porém, diferente: para produzir a matcha, a planta é cultivada em zonas de sombra e as suas folhas são secas e moídas até ficarem em pó.

Este processo faz com que a matcha contenha mais clorofila, cafeína, teanina, flavonoides, açúcar e antioxidantes do que outros tipos de chá verde. Com base nesta diferença, muitas publicações alegam que beber chá de matcha tem mais benefícios do que consumir café.

Mas serão os benefícios verdadeiros? Faz sentido trocar o café pela matcha? O que se sabe sobre este pó verde? Especialistas de diferentes áreas da medicina explicam ao Viral o que a ciência sabe sobre o chá de matcha.

É saudável trocar o café pelo chá de matcha?

A matcha pode ser uma boa opção para quem procura reduzir a ingestão de café ou para quem quer prolongar o efeito da cafeína ao longo do dia. Contudo, se a necessidade de reduzir a cafeína estiver associada a questões médicas, a matcha pode não ser a solução mais indicada.

Por conter cafeína, a matcha torna-se apetecível para quem procura reduzir a sensação de fadiga e manter-se vigilante. A cafeína compete com a adenosina (substâncias associada à sensação de fadiga) pelos recetores no sistema nervoso central, fazendo com que a pessoa se sinta mais enérgica e atenta.

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Foquemo-nos primeiro na quantidade: a matcha tem “uma quantidade relativamente alta de cafeína quando comparada com outros tipos de chá verde, o que lhe dá um aroma e um sabor único”, pode ler-se num artigo, publicado em 2020. 

A quantidade de cafeína por grama de matcha pode variar entre 18,9mg e 44,4mg, enquanto o grão de café pode ter entre 10mg e 12mg de cafeína por grama (com o peso do grão a oscilar conforme o tipo e a densidade).

Uma chávena de matcha tem “mais ou menos um terço da cafeína” de um expresso, explica ao Viral José Camolas, membro do Conselho Geral da Ordem dos Nutricionistas e professor na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e no Instituto Egas Moniz.

Por conter mais cafeína, o café “promove um efeito estimulante mais intenso e imediato”, esclarece a neurologista Bárbara Martins, especialista na Unidade Local de Saúde de São João e professora na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto. Por outro lado, a matcha tem um “efeito mais equilibrado”.

Além disso, a matcha contém também teanina, uma substância característica do chá verde que “modula os efeitos excitatórios da cafeína” e promove um “efeito mais gradual e sustentado”, sem “picos e quedas abruptas de energia” (mais comuns na ingestão de cafeína).

A neurologista sublinha que, por esta razão, “o café é preferível para situações que exijam atenção imediata”, enquanto a matcha “é mais adequada para atividades que exijam atenção prolongada ou que envolvam stress/ansiedade”.

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José Camolas lembra ainda que o efeito da cafeína pode causar confusão no consumidor. “Algumas pessoas fazem a transição do café para a matcha com o objetivo de ter o mesmo efeito e isso pode compelir a pessoa a um consumo excessivo”, alerta o nutricionista.

O cardiologista José Pedro Sousa, especialista no IPO do Porto e membro da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, esclarece que “se o consumo de café for ligeiro a moderado, o benefício clínico de se promover a substituição por chá de matcha não será significativo”. O especialista reforça que, em ambos os casos, há “ganhos para a saúde cardiovascular”.

O especialista argumenta que “consumo excessivo de café” – devido à cafeína – está associado a casos de “hipertensão arterial”, “arritmias cardíacas” e até mortalidade de natureza cardiovascular em indivíduos com doença já estabelecida. Em caso de doença cardíaca, o paciente poderá ter indicação médica para reduzir a toma de cafeína.

Se for esse o caso, reduzir a ingestão de cafeína “por intermédio de uma eventual adição substitutiva de chá de matcha não prefigura a estratégia mais recomendável”, acrescenta o cardiologista, lembrando que esta bebida contém “cafeína numa quantidade que não é menosprezável”.

O nutricionista acrescenta que, para a maioria dos adultos, a margem de consumo diário seguro de cafeína ronda os três cafés. José Camolas alerta que beber uma quantidade elevada de matcha durante o dia poderá “exceder o consumo seguro, embora a concentração de cafeína seja menor”.

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Uma revisão sistemática, publicada em 2017, confirmou que a ingestão de 400 miligramas de cafeína por dia é segura para a maioria dos adultos – entre duas e três canecas médias de café. Para as grávidas, a quantidade deve ser reduzida para aproximadamente 300 miligramas por dia e nas crianças e jovens deve ser calculada em função do peso (2,5 miligramas por quilo por dia)

Além disso, lembra o nutricionista, os efeitos estimulantes da cafeína dependem da “sensibilidade individual”: “Temos sempre aquele amigo que diz que não pode beber um café porque fica com palpitações e o outro que bebe café ‘às litradas’ e nunca perde o sono”, exemplifica.

Consumo de matcha tem benefícios? E riscos?

A par com as receitas para fazer matcha, surgem vários vídeos nas redes sociais em que se enumeram os benefícios deste tipo de chá: perda de peso, melhoria da capacidade cognitiva ou prevenção de doença cardíaca são algumas das vantagens anunciadas.

A evidência científica sobre os efeitos da matcha é ainda reduzida e, em alguns casos, resulta da extrapolação das conclusões sobre o chá verde. Contudo, há benefícios identificados ao nível da neurologia, cardiologia e também efeitos positivos para o sistema digestivo.

José Pedro Sousa explica que, apesar de a base científica ser “subótima e em alguns casos conflituante”, existe um “consenso global” de que o chá de matcha “pode diminuir o risco de doença cardiovascular”.

“O seu consumo moderado tem-se associado a uma redução da tensão arterial – tanto do valor máximo (sistólico), como do mínimo (diastólico) –, ao risco de hipercolesterolemia (colesterol elevado) e, mesmo, da mortalidade de natureza cardiovascular, nomeadamente em indivíduos com história prévia de ataque cardíaco e/ou de acidente vascular cerebral (AVC)”, prossegue o cardiologista.

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Uma revisão de literatura, publicada em 2010, avança que o consumo de chá verde poderá “diminuir a pressão arterial e, assim, reduzir o risco de AVC e doença coronária”. No entanto, as evidências existentes têm como base estudos em modelos animais – o que não permite tirar conclusões diretas para os seres humanos.

A nível neurológico, Bárbara Martins refere que “o chá de matcha tem efeitos benéficos na função cognitiva, nomeadamente ao nível da atenção e da velocidade de processamento, em várias idades”. Esse efeito ocorre por ação das catequinas (substância com efeitos antioxidantes e anti-inflamatórios), da teanina e da cafeína – que existem em proporções superiores na matcha, quando comparada com o chá verde.

Um estudo, publicado em 2024, analisou os efeitos do chá de matcha nas funções cognitivas e qualidade de sono em idosos com declínio cognitivo. As conclusões referem que o consumo de matcha “melhora certas funções cognitivas, tais como o reconhecimento de expressões faciais e a atenção”. Houve ainda melhorias ao nível da “qualidade de sono” dos participantes.

Bárbara Martins ressalva que a maioria dos estudos sobre a matcha foi “realizado na população japonesa, conhecida pelo consumo regular de chá verde”. Este fator pode interferir nos resultados, fazendo com que “não seja possível estimar o efeito real da matcha nestes doentes”

Uma revisão sobre os benefícios da matcha, publicada em 2024, refere que já foi demonstrado que este chá contém “propriedades anti-cancerígenas, aumenta a função cognitiva, melhora a saúde cardiometabólica e modula o microbioma intestinal”. Contudo, os investigadores salientam que o “conhecimento sobre os efeitos da matcha na saúde humana continua a ser limitado” e são precisos mais estudos para ter evidência robusta.

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Ao nível nutricional, José Camolas reconhece que o chá de matcha tem componentes interessantes para a saúde, mas não basta incluir esta bebida no dia a dia para ser mais saudável.

“A matcha é uma bebida que, originalmente, tem características nutricionais e substâncias ativas que são virtualmente interessantes. Mas não se deve fazer uma profissão de fé numa bebida isolada”, afirma. E dá um exemplo: “Se dormir mal, não fizer exercício físico e tiver uma dieta desequilibrada, não é a beber matcha que vai salvar a sua vida.”

Enquanto o consumo moderado pode ser benéfico, um consumo excessivo ou com uma alta concentração pode ter efeitos adversos. Bárbara Martins lembra que quantidades elevadas de cafeína podem causar “insónias, ansiedade, tremor, dores de cabeça e irritabilidade”.

Além disso, beber muito chá de matcha pode aumentar a “exposição a contaminantes como pesticidas, metais pesados e flúor” – substâncias encontradas nos solos onde as plantas são cultivadas.

O cardiologista José Pedro Sousa lembra que o excesso de matcha – seja em quantidade ou em concentração – pode ter os mesmos efeitos negativos que o café, por ação da cafeína. Poderá estar associado ao “aumento da tensão arterial” ou o “agravamento de arritmias cardíacas”.

Também José Camolas lembra que o consumo de chá de matcha, proposto pelas redes sociais, é diferente do consumo tradicional desta bebida – que esteve durante séculos associado ao “ritual do chá”. Alerta que o “binge drinking” (consumo exagerado ou frenético de uma bebida) poderá ter riscos que ainda desconhecidos.

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Precisamos de mais estudos para podermos proteger as pessoas”, sublinha o nutricionista. Apesar de existirem alguns estudos sobre a composição molecular da matcha, “a evidência em humanos é muito escassa”, remata.


Este artigo foi desenvolvido no âmbito do European Media and Information Fund, uma iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian e do European University Institute.

The sole responsibility for any content supported by the European Media and Information Fund lies with the author(s) and it may not necessarily reflect the positions of the EMIF and the Fund Partners, the Calouste Gulbenkian Foundation and the European University Institute.

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Alimentação

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