Torresmos melhoram a imunidade, a libido e são uma gordura boa para o cérebro?
Defende-se num vídeo que circula no TikTok que os torresmos “melhoram a imunidade”, o aspeto da pele, a “libido” e são uma “gordura boa para o cérebro”.
O autor de uma publicação numa página de Instagram para “amantes de churrasco e defumados” diz que as pessoas que não comem torresmos porque “aprenderam” que entopem as artérias do coração “estão a perder tempo”.
Alega ainda que este é o segundo alimento com mais colagénio e que provoca o emagrecimento, porque as pessoas “vão ter menos vontade de comer doces”.
Mas será mesmo que o consumo de torresmos traz benefícios para a saúde? Um neurologista e uma nutricionista esclarecem.
Torresmos melhoram a imunidade, a libido e são uma gordura boa para o cérebro?
Filipe Palavra, neurologista e vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Neurologia, diz que “não há evidência científica” que mostre que torresmos melhoram a imunidade, a libido e que são uma gordura boa para o cérebro.
O neurologista defende que as alegações “não fazem sentido” e que o efeito mais provável é que o efeito seja “precisamente o contrário”. Ou seja, por terem uma “elevada quantidade de gorduras saturadas e elevada quantidade de sal”, o consumo excessivo de torresmos pode contribuir para “agravar a saúde cardiovascular no geral”, aumentar o risco de tensão arterial e aumentar a gordura nas artérias, o que é “mau” para o funcionamento do organismo “num todo”.
Defender que comer pele de porco frita com gordura e sal “faz bem” à saúde não faz sentido, reitera o especialista, reforçando que o consumo de alimentos com elevado teor de gorduras saturadas aumenta o risco de doenças cardiovasculares.
Filipa Vicente, nutricionista e professora do Instituto Egas Moniz, refere que os ácidos gordos presentes nos torresmos “têm mais riscos do que benefícios” no que diz respeito à saúde do sistema nervoso.
A nutricionista diz que “dificilmente” os torresmos seriam uma boa opção para a saúde do sistema nervoso. O “padrão alimentar reconhecido como mais protetor” deste sistema é a “alimentação mediterrânica”, esclarece.
“Recomenda-se a preferência por ácidos gordos ómega 3, nomeadamente o eicosapentaenóico e o docosahexaenóico, pelos seus efeitos neuroprotetor e anti-inflamatório”, afirma a professora do Instituto Egas Moniz.
Uma revisão sistemática a 64 estudos publicada em 2022 mostra que a adoção de dieta mediterrânica está associada a um menor risco de desenvolvimento das doenças de Alzheimer e Parkinson.
Uma análise “à lupa” aos torresmos
A nutricionista contactada pelo Viral explica que os torresmos, ricos em gordura, têm uma “enorme diversidade de ingredientes”. O efeito na saúde é “influenciado” consoante os cortes utilizados.
Tecnicamente, são feitos de carne de porco, que tende a ter “mais gordura do que outros cortes” e que “aumenta com a forma de confeção”. Além disso, podem ter “vários cortes” com “teores variáveis de gordura”. Pode incluir, por exemplo, o toucinho entremeado e a barriga do porco.
A peça é depois frita com sal até ficar crocante, acrescenta.
Já Filipe Palavra destaca que a maior parte da gordura dos torresmos é saturada, uma gordura que tem sido associada ao aumento do risco de doenças cardiovasculares. Além disso, este alimento é carne de porco frita com uma “quantidade enorme” de sal. Os ácidos gordos saturados “não são bons” para a “saúde das artérias”, esclarece.
Contudo, Filipa Vicente assinala que a evidência científica sobre o efeito “pejorativo” da gordura saturada na saúde cardiovascular e na mortalidade “não é tão clara” quanto inicialmente se pensava.
Isto é, “não existe apenas um tipo” de gordura saturada. Existem ácidos gordos saturados de curta, média e longa cadeira. Todos têm efeitos “fisiológicos e metabólicos distintos”.
A nutricionista diz que os “efeitos neutros ou até benéficos” podem ser explicados pela carne de porco ser uma fonte de “ácido esteárico”, um ácido gordo de 18 carbonos, com uma estrutura similar à do “ácido oleico”.
Uma revisão sugere que a redução da ingestão de gordura saturada está relacionada com uma redução de eventos cardiovasculares. Contudo, os resultados da substituição da gordura monoinsaturada “não claros”.
Questionada sobre se a ingestão de torresmos faz com que as pessoas tenham menos vontade de comer, Filipa Vicente reconhece que a gordura tem uma “maior densidade energética” e tende a ter um “esvaziamento gástrico mais lento”, o que pode justificar uma “maior saciedade”.
Contudo, a nutricionista refere que emagrecer com o consumo de torresmos “pode ser um desafio”, uma vez que o valor energético por 100 gramas é “maior do que um corte de carne magro”.
Além disso, aponta, estes alimentos podem não beneficiar o emagrecimento porque são “mais saborosos” e têm uma “boa palatabilidade”, o que pode levar a uma ingestão excessiva.
Para emagrecer, é necessário assegurar um défice energético, acrescenta Filipa Vicente.
O vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Neurologia acrescenta que “não está validado cientificamente” que torresmos emagrecem.
O neurologista explica que o consumo deste alimento poderia, em teoria, provocar uma melhoria no humor porque, se tiver prazer em comer uma coisa de que gosta, o cérebro vai “libertar um conjunto de substâncias químicas”. Contudo, os benefícios para o humor têm que ver com “fazer uma coisa de que gostamos” e não especificamente com torresmos.
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Este artigo foi desenvolvido no âmbito do European Media and Information Fund, uma iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian e do European University Institute.
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