

Tomar creatina previne a doença de Alzheimer?
No TikTok, sugere-se que a toma de creatina previne o aparecimento da doença de Alzheimer. A autora de um dos vídeos partilhados alega que “a creatina atua positivamente na cognição” e defende que “existem muitos estudos que relacionam o uso da creatina no tratamento e na prevenção do Alzheimer”.
Noutro vídeo, defende-se que uma pessoa “que toma creatina tem menos tendência de ter Alzheimer”. Mas será mesmo assim? A suplementação de creatina previne o Alzheimer?
É verdade que a toma de creatina previne a doença de Alzheimer?
Em declarações ao Viral, Filipe Palavra, neurologista e vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Neurologia (SPN), adianta que “estas afirmações são totalmente descabidas”, porque “não existe evidência científica” que prove que tomar creatina previne o Alzheimer.
Os estudos que existem sobre o assunto foram feitos em animais (ver aqui e aqui). Por isso, não se pode extrapolar os resultados, ou seja, não é possível afirmar que os resultados em humanos seriam os mesmos.
Segundo o neurologista, o que se verificou no modelo animal foi que “a otimização da bioenergética cerebral, isto é, se nós melhorarmos a atividade das mitocôndrias [centrais energéticas das células] dos animais, podemos, de certa forma, ajudar a prevenir a demência”.
A evidência disponível indica que “uma das coisas que pode ajudar a melhorar a bioenergética cerebral é a creatina”, prossegue.
Isto porque, explica Filipe Palavra, “a creatina é utilizada pelas mitocôndrias para a produção de energia”. Este aspeto pode ser importante sobretudo para ajudar a “evitar a degradação que acompanha a demência no animal”.
Ainda assim, lembra, “não há nenhum estudo” que permita afirmar que a toma de creatina tenha este efeito nos humanos ou que este suplemento previne o Alzheimer, em específico.
Mesmo que, por ventura, se consiga verificar que a creatina “melhora a bioenergética cerebral” humana, a toma deste suplemento, por si só, não vai prevenir o Alzheimer.
No limite (e hipoteticamente), a creatina pode fazer parte de um conjunto de alterações de estilo de vida que contribuem para a redução do risco de desenvolver demência.
Quando se fala em “prevenção de doença cerebral”, inclui-se não só a “demência”, mas “qualquer tipo de doença degenerativa ou inflamatória”. Para todas estas questões, existem “fatores de risco modificáveis e não modificáveis”, aponta. Os fatores modificáveis conhecidos e estudados são os mesmos para todas.
“Praticar exercício físico”, “não fumar”, “não consumir bebidas alcoólicas em excesso” e “controlar o açúcar no sangue e o colesterol” são algumas medidas que ajudam na prevenção da demência (como o Alzheimer), porque “melhoram a bioenergética”, esclarece Filipe Palavra.
Além disso, existem os fatores de risco que “não conseguimos mudar”. No caso da doença de Alzheimer, num texto informativo do Serviço Nacional de Saúde britânico (NHS, na sigla inglesa) destacam-se os seguintes: a idade (“a probabilidade de desenvolver a doença de Alzheimer duplica a cada 5 anos após os 65 anos”) e a genética.
Qual a importância da creatina para a saúde do cérebro?
Tal como o mesmo especialista já tinha esclarecido, em declarações anteriores ao Viral, “o cérebro é um órgão cuja demanda energética é muito grande (tal como o músculo), daí que se tenha sempre considerado a creatina – um produto endógeno, que resulta do metabolismo de três aminoácidos”.
Como a creatina é “uma fonte de energia, pode ser importante para o metabolismo cerebral”, justificava Filipe Palavra à data.
No entanto, a creatina é uma substância produzida pelo organismo e, em termos de saúde cerebral, nem sempre é necessário suplementar.
Há alguns estudos que indicam a possibilidade de pessoas com uma boa saúde cerebral terem “algum benefício na toma de creatina em termos de memória de curto prazo e de velocidade de processamento”. Contudo, a evidência científica disponível não é robusta, nem suficiente.
Em contexto de saúde do cérebro, apenas se recorre à suplementação de creatina em caso de défice, que acontece, por exemplo, em pessoas com “doenças mitocondriais”, esclarece o neurologista.
Pessoas com este tipo de doenças sistémicas “precisam de tratamento com creatina para melhorar, por exemplo, a bioenergética muscular”.
Como existe um défice da síntese, faz sentido suplementar. Isto porque, como “o organismo não produz, fornecemos creatina e o cérebro passa a funcionar”, sustenta o médico.
Por outro lado, quando uma pessoa já tem demência, suplementar com creatina não vai ajudar. Neste caso, a creatina “não entra para o neurónio, porque falta a proteína necessária para fazer esse transporte”, esclarecia Filipe Palavra.
No fundo, clarificava, dá-se “combustível a um carro que não tem motor”, ou seja, a suplementação desta substância não tem efeito “numa doença neurodegenerativa, porque não há como aproveitar a creatina que estamos a fornecer”.
Este artigo foi desenvolvido no âmbito do European Media and Information Fund, uma iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian e do European University Institute.
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