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Risco de enfarte agudo do miocárdio “é maior” no inverno?

Alega-se numa publicação de Facebook que o “risco de enfarte no inverno é maior” e que este aumento está relacionado com “a vasoconstrição” causada pelo frio. No texto é ainda referido ser “preciso redobrar a atenção” durante este período, “principalmente com os idosos”. Será verdade?

24 Nov 2022 - 08:00

Risco de enfarte agudo do miocárdio “é maior” no inverno?

Alega-se numa publicação de Facebook que o “risco de enfarte no inverno é maior” e que este aumento está relacionado com “a vasoconstrição” causada pelo frio. No texto é ainda referido ser “preciso redobrar a atenção” durante este período, “principalmente com os idosos”. Será verdade?

A alegação é feita no Facebook: “risco de enfarte no inverno é maior”. Na publicação em causa pode ler-se que “as pesquisas mostram que o frio aumenta em 30% a possibilidade de uma pessoa sofrer um enfarte e também AVC (acidente vascular cerebral)”, acrescentando-se ser “preciso redobrar a atenção” com os idosos. A razão é, alegadamente, “simples”: “O frio causa a vasoconstrição, que é a contração dos vasos sanguíneos.” Confirma-se?

É verdade que o risco de enfarte aumenta no inverno?

José Pedro Sousa, cardiologista no IPO do Porto e membro da Sociedade Portuguesa de Cardiologia, reconhece, em declarações ao Viral, que a alegação feita na publicação é verdadeira, mas sublinha que a explicação é redutora e pouco científica. “O que a publicação refere, em primeira instância, é verdade, tendo este perfil sazonal sido já documentado em vários povos e culturas diferentes”, explica o especialista, afirmando que se trata de “uma realidade transcontinental”.

Essa tendência foi verificada também em Portugal. Um estudo publicado em 2013 concluiu que, durante o período do inverno, existe um aumento de internamentos hospitalares por enfartes agudos do miocárdio. “Por cada grau que desceu no índice biometeorológico humano durante o inverno, houve um aumento de até 2,2% nos internamentos hospitalares diários”, lê-se no estudo.

Outro estudo, publicado em 2022, analisou o impacto da temperatura nos episódios de enfarte agudo do miocárdio identificados na cidade do Porto. A conclusão foi no mesmo sentido: “Numa cidade temperada-mediterrânea, extremos de temperatura quente ou fria, queda de temperatura e humidade relativa tiveram um impacto significativo” na ocorrência de enfartes agudos do miocárdio.

As razões para esse aumento de ocorrências de ataques cardíacos durante o inverno “são multidimensionais”, afirma José Pedro Sousa. “A explicação fisiopatológica clássica deste fenómeno – a da vasoconstrição induzida pelo ambiente frio – é apontada, na publicação, como a única subjacente, quando, na verdade, muitas outras podem estar envolvidas”, prossegue.

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O cardiologista dá como exemplo “variáveis tão relevantes como a tensão arterial, as concentrações sanguíneas de catecolaminas e de cortisol e a atividade pró-coagulante que demonstram também elas um padrão sazonal concordante com o descrito para o enfarte agudo do miocárdio”.

“Apontar apenas um mecanismo biológico [a vasoconstrição] é, neste contexto, francamente redutor e simplista, sobretudo perante a atual inexistência de consenso científico para tal nexo de causalidade”, remata.

Este fenómeno ocorre por ação do sistema nervoso simpático, devido ao aumento de noradrenalina – um neurotransmissor que também estimula o coração, aumentando a frequência cardíaca e o consumo de oxigénio. A vasoconstrição, como o nome indica, resulta na contração dos músculos das artérias, fazendo o sangue circular mais devagar.

A vasoconstrição é uma forma do organismo evitar a perda de calor, estando relacionada com a diminuição de temperatura. Mas não é a única razão associada ao aumento de episódios de enfarte. “O frio tende, por si só, a ser pró-trombótico. Existe até uma forma extrema deste conceito, sob a forma de uma doença específica (ou grupo de doenças) chamada doença por aglutininas a frio, em que as temperaturas baixas são as responsáveis primárias pela ocorrência de destruição e agregação de glóbulos vermelhos”, esclarece o especialista.

O aparecimento de coágulos sanguíneos ou trombos – que resultam da solidificação dos constituintes do sangue – pode levar à ocorrência de um ataque cardíaco. Os coágulos sanguíneos impedem a passagem do sangue na artéria coronária, levando à ocorrência de enfarte. Estes são os casos mais típicos de ataques cardíacos.

Cuidados com os idosos

Quanto à população de risco, o especialista confirma o que é referido na publicação sobre ser “preciso redobrar a atenção” com os idosos.

“Os idosos perfazem um grupo populacional particularmente suscetível a este fenómeno, tanto por razões de ordem social – têm, muitas vezes, até por questões económicas, maior dificuldade em manter a sua casa adequadamente aquecida -, quanto por razões de ordem biológica – a sua termorregulação é já menos eficiente.

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Um enfarte agudo do miocárdio tem como sintoma mais frequente uma “dor intensa no peito”. No entanto, segundo o SNS24, pode também fazer-se acompanhar por “dor abdominal, que se pode estender para os braços, costas e maxilar; náuseas e vómitos; suores; falta de ar e tonturas”.

“Normalmente, os sintomas duram mais de 20 minutos, mas também podem ser intermitentes. Podem ocorrer de forma repentina ou gradualmente ao longo de vários minutos”, pode ainda ler-se na página.

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Em conclusão, é verdade que existe um aumento comprovado de internamentos por enfarte agudo do miocárdio durante o inverno. Estudos realizados em Portugal confirmam esta relação. No mesmo plano, apesar de a vasoconstrição ser uma das possíveis razões para o aumento de episódios cardíacos, não é a única.

Categorias:

Cardiologia

24 Nov 2022 - 08:00

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