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Entrevista

Ricardo Vieira: “A nossa pele não está preparada para que estejamos de forma artificial a ficar morenos”

25 Mai 2022 - 09:00

Entrevista

Ricardo Vieira: “A nossa pele não está preparada para que estejamos de forma artificial a ficar morenos”

Maio é o mês por excelência dos alertas para a prevenção do cancro de pele que anualmente mata cerca de 600 portugueses. Ricardo Vieira, dermatologista e secretário-geral da Associação Portuguesa de Cancro Cutâneo, explica as diferenças entre os vários tipos de cancro de pele, os motivos para o contínuo aumento do número de novos casos e deixa alertas para a utilização dos protetores solares: só são eficazes inseridos naquilo a que chama correta “higiene solar”.

Quando falamos em cancro de pele pensamos logo em melanoma, mas há outros tipos cancro que podem afetar a pele. Afinal, do que falamos quando abordamos o cancro de pele?

O melanoma é apenas aquele mais conhecido, porventura por ser aquele que tem maior mortalidade, mas se verificarmos a frequência relativa de todos os cancros de pele vemos cerca de 10% dos cancros de pele representados pelo melanoma. No entanto, apesar de ser apenas um décimo de todos os tumores da pele, o melanoma é responsável por cerca de 80% das mortes por este tipo de cancro, daí o impacto que o melanoma tem e a sua notoriedade.

De qualquer forma, não convém menosprezar os outros tipos de cancros de pele que são, essencialmente, o carcinoma basocelular e o carcinoma espinocelular que, não sendo tão importantes em termos de mortalidade, são extremamente relevantes em termos de incidência, de morbilidade, ou seja, do impacto que têm sobre a qualidade de vida do paciente – sobre a estética da pessoa, porque são tumores que muitas vezes deformam a anatomia normal do paciente devido à extensão do tumor e ao tratamento efetuado – e depois pelos gastos que o tratamento destas neoplasias implicam. Podemos dizer, por estudos efetuados, que provavelmente os gastos em saúde relativos aos outros tipos cancros de pele são maiores do que aqueles que encontramos no melanoma, porque os outros tipos são muito mais frequentes.

Em termos de números nacionais é conhecida a incidência e a mortalidade associadas aos três tipos de cancro de pele?

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Desde que existe o Registo Oncológico Nacional, que é uma obrigatoriedade legal, temos números um pouco mais fiáveis, mas restringem-se essencialmente ao melanoma devido à sua frequência e sobretudo à sua baixa mortalidade, mas não temos dados com fidedignidade sobre tipos de cancro de pele não-melanoma.

Sabemos que, por ano, ocorrem em Portugal cerca de 1000 a 1200 novos casos de melanoma. Provavelmente, o bolo total dos cancros de pele anda à roda dos 12 a 13 mil novos casos por ano e estimamos que anualmente haja cerca de 600 óbitos devido a cancro de pele, sendo que 400 a 450 são da responsabilidade do melanoma.

Em termos de incidência, ou seja, de novos casos, são números que têm vindo a aumentar nas últimas décadas?

É o que parece. As estatísticas epidemiológicas dos países mais desenvolvidos – essencialmente os Estados Unidos da América, a Austrália e a Nova Zelândia – com alta incidência deste tipo de tumores, mas também em países do norte da Europa mostram que desde o pós-guerra [II Guerra Mundial] até à atualidade tem havido um aumento muito significativo de todos os tipos de cancro de pele.

Este aumento teve uma expressão de maior amplitude no melanoma que, durante muitos anos, foi o tipo de cancro que mais aumentou a incidência por cada década. Houve mesmo um momento em que duplicava a incidência a cada década. No entanto, nos dias que correm, particularmente nos países onde a incidência é mais alta, começa-se a verificar uma tendência à estabilização e até à diminuição da incidência do melanoma. Isto está a ocorrer apenas em países de maior incidência e que há mais tempo começaram a implementação de medidas de prevenção primária e prevenção secundária e já se verifica o resultado dessas medidas. Particularmente nas faixas etárias mais jovens que já começam a evidenciar esse tipo de comportamento epidemiológico.

“Sabemos que, por ano, ocorrem em Portugal cerca de 1000 a 1200 novos casos de melanoma. Provavelmente, o bolo total dos cancros de pele anda à roda dos 12 a 13 mil novos casos por ano e estimamos que anualmente haja cerca de 600 óbitos devido a cancro de pele, sendo que 400 a 450 são da responsabilidade do melanoma”.

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Mas para a maioria dos países de incidência média e baixa esses tipos de cancro continuam a aumentar e por isso as campanhas de alerta são muito importantes para estabelecermos medidas de prevenção primária, isto é, de controlo dos fatores de risco que levam ao aparecimento destes tipos de cancro, mas também de prevenção secundária, que significa diagnosticar precocemente um tumor para limitar o seu impacto em termos de morbilidade e mortalidade.

O que explica o aumento da incidência em países como Portugal? Tem a ver com as alterações do estilo de vida, com aumento da esperança de vida? Diz-se que a pele tem memória e que o envelhecimento de população vai refletir o acumular de comportamentos desadequados em relação à exposição solar …

De facto, esses são alguns aspetos relevantes. Há mais do que uma causa que explica o aumento da incidência, mas, provavelmente, o fator que mais impacto teve foram os hábitos de exposição solar.

“Quem vai ter melanoma são as pessoas com exposições esporádicas, muito intensas, muitas vezes com queimadura solar, especialmente quando estas ocorrem numa fase mais precoce da vida, nomeadamente na infância ou na adolescência, porque as mutações que a radiação solar cria fica no ADN das células e vão refletir-se mais tarde, pela tal memória que a pele tem”.

Temos de dividir o melanoma, que foi o cancro de pele que mais aumentou a incidência, e os outros tumores não-melanoma, os carcinomas. Os carcinomas são mais comuns naquelas pessoas que se expõem ao sol no dia-a-dia, que têm uma exposição cumulativa alta – como os pescadores, os agricultores, os operadores de construção civil – por trabalharem ao ar livre e terem cargas de exposição ultravioleta minuto após minuto, dia após dia, ano após ano. Por isso, este tipo de tumores é mais frequente nestas populações, sobretudo a partir dos 60 anos, precisamente pelo facto de a pele ter memória dessa carga solar acumulada durante anos.

Pelo contrário, o melanoma é mais associado a um tipo de exposição esporádica, mas muito intensa e de zonas do corpo que habitualmente não andam expostas. Está associado a uma exposição de natureza recreativa, da pessoa que vai para a praia para se bronzear e não ao agricultor. Quem vai ter melanoma são as pessoas com exposições esporádicas, muito intensas, muitas vezes com queimadura solar, especialmente quando estas ocorrem numa fase mais precoce da vida, nomeadamente na infância ou na adolescência, porque as mutações que a radiação solar cria fica no ADN das células e vão refletir-se mais tarde, pela tal memória que a pele tem.

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Se repararmos, desde o pós-guerra [II Guerra Mundial] ouve um aumento da incidência brutal do melanoma. O que aconteceu, desde essa altura, foi um alargamento dos mecanismos de proteção social, com direito a férias pagas, que começaram a existir na maioria dos países ocidentais e permitiram às pessoas usufruir da exposição solar de uma forma diferente. E não podemos esquecer que no início do século passado as pessoas não se expunham de biquíni e calções de banho. O bronzeado não era um padrão de beleza e uma pessoa que aparecia com a pele mais pigmentada era conotada com um baixo nível social, trabalhador do campo,  enquanto as pessoas com nível social mais elevado tinham tendência a terem a pele mais branca. Este paradigma de beleza mudou e levou a que houvesse um padrão de exposição solar diferente.

Que papel teve o crescimento da utilização dos solários para manter o tom de pele bronzeado durante todo o ano no crescimento dos números do melanoma?

Os solários são mais um exemplo daquilo que foi a mudança comportamental do ponto de vista de evolução filogenética e de evolução dos genótipos. No mundo observamos que as pessoas que têm uma pele naturalmente mais escura são provenientes da área equatorial, de África, do sudeste asiático, do subcontinente indiano. A origem é a seleção natural que colocou a proteção que a melanina confere nos locais onde há mais exposição solar.

Isto mudou. O mundo hoje é global e as pessoas que não têm preparação genética para se defenderem dessa radiação a que se expõem quando não estão preparadas. A nossa pele não está preparada para que estejamos de forma artificial a ficar morenos, quer por via de estarmos expostos ao meio-dia numa praia, quer por estarmos expostos no solário. É um padrão de comportamento para o qual a natureza não nos preparou e agora temos as consequências em termos de cancro de pele.

“O mundo hoje é global e as pessoas que não têm preparação genética para se defenderem dessa radiação a que se expõem quando não estão preparadas. A nossa pele não está preparada para que estejamos de forma artificial a ficar morenos, quer por via de estarmos expostos ao meio-dia numa praia, quer por estarmos expostos no solário”.

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É necessário continuar a apostar no diagnóstico precoce, porque este é fundamental para o prognóstico da doença. Relativamente aos rastreios, como estamos e o que falta fazer para que estes números diminuam com esta medida de prevenção secundária?

Esse aspeto é muito relevante. No dia do Euromelanoma, que em Portugal se assinala a 18 de maio, costuma haver rastreios presenciais nos hospitais, que normalmente têm uma adesão ampla da população. Aliás, todo o mês de maio é votado à prevenção do cancro de pele.

Do ponto de vista prático provavelmente é impossível fazer um rastreio eficaz para a prevenção porque um rastreio define-se com uma atitude de examinar uma população em risco e esse exame deve permitir identificar formas potencialmente tratáveis de cancro em fase inicial. É difícil fazer isto para o cancro de pele porque e não é possível definir com clareza o que é uma população de risco.

Estes rastreios que fazemos servem de alerta e, às vezes, identificamos lesões preocupantes. Mas o fundamental no diagnóstico precoce é suspeitar da presença de uma lesão potencialmente maligna. Para isso, é preciso que as pessoas conheçam os sinais de alarme porque são eles que as vão levar ao médico para este diferenciar o que pode ser uma coisa maligna de uma benigna.

E quais são os sinais de alarme aos quais as pessoas devem estar atentas?

Obviamente que há pessoas que têm um risco acrescido pela sua genética, pelo seu fenótipo: pessoas com a pele mais clara, com os olhos de cor verde ou azul, pessoas loiras ou ruivas, com muitas sardas ou muitos sinais. São pessoas, teoricamente, com maior risco de desenvolver melanoma, mas não implica que outras pessoas não possam também ter um tumor cutâneo e um melanoma.

Os sinais de alarme de alarme devem servir para todos e são, essencialmente, o aparecimento de uma lesão que geralmente é pigmentada, ou seja, tem um tom castanho ou negro, uma lesão que é assimétrica e dividida a meio tem uma parte é diferente da outra, tem um bordo irregular, tem várias cores e que tem um diâmetro significativo, preocupamo-nos com lesões de seis ou mais milímetros e, particularmente, tem uma evolução ao longo do tempo.

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O que referi faz as cinco primeiras letras do alfabeto: assimétrico, bordo irregular, cores várias, diâmetro superior a seis milímetros e a evolução, que aumentou ou mudou de aspeto. Se pensarmos A, B, C, D, E não vamos esquecer os principais sinais de alarme de uma lesão que pode ser um melanoma. É fácil de passar esta mensagem para a população.

“O que referi faz as cinco primeiras letras do alfabeto: assimétrico, bordo irregular, cores várias, diâmetro superior a seis milímetros e a evolução, que aumentou ou mudou de aspeto. Se pensarmos A, B, C, D, E não vamos esquecer os principais sinais de alarme de uma lesão que pode ser um melanoma. É fácil de passar esta mensagem para a população”.

Contudo, não devemos esquecer que há melanomas que não têm este pigmento, que são melanomas chamados amelanóticos, que não têm pigmento. Habitualmente são lesões de crescimento mais rápido e o que dizemos é que qualquer sinal, seja escuro ou que aparece de novo e é diferente de todos os outros que a pessoa tem, deve ser tido em consideração. Dizemos que é um sinal tipo “patinho feio”, que é diferente dos outros.

Nem todas as lesões com estas características são más, mas se as pessoas identificarem as lesões que têm estas características não vão deixar escapar uma lesão que é má porque vão recorrer ao médico para fazer a destrinça entre o benigno e maligno e na fase o mais precoce possível.

Relativamente à prevenção primária, têm-se feito muitas campanhas a alertar para os perigos da exposição solar. Considera que essa mensagem tem passado em Portugal? 

A mensagem passa, o problema é que o impacto dessa mensagem nas curvas de incidência vai-se refletir uma a duas gerações depois. É um processo lento. Se quisermos passar uma mensagem eficaz temos de ser insistentes e passar a mensagem correta, ou seja, passar a mensagem de uma forma equilibrada. Não podemos dizer às pessoas para não se exporem ao sol porque isso é ilógico e é uma mensagem que não passa. Devem expor-se de uma forma consciente, devem ter a chamada higiene solar. Obviamente que hoje já todas as pessoas sabem que se expuserem entre as 11 horas e as 17 horas a quantidade de raios ultravioleta B (UVB), que são muito energéticos e muito cancerígenos, é alta e vão ter um risco muito acrescido.

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“As pessoas falam muito desse argumento da vitamina D esquecendo-se que a quantidade de exposição solar necessária para a síntese da vitamina D de que precisamos é pequena. Provavelmente, 10 minutos por dia é mais do que suficiente. E esquecem-se que há uma fonte de vitamina D que não tem a ver com o sol que é a fonte alimentar e a fonte suplementar”.

E devemos passar a mensagem de que não é por não se exporem nesse horário que vão deixar de ter a vitamina D de que precisam. As pessoas falam muito desse argumento da vitamina D esquecendo-se que a quantidade de exposição solar necessária para a síntese da vitamina D de que precisamos é pequena. Provavelmente, 10 minutos por dia é mais do que suficiente. E esquecem-se que há uma fonte de vitamina D que não tem a ver com o sol que é a fonte alimentar e a fonte suplementar.

A questão vitamina D é uma falsa questão que vem inquinar a verdadeira natureza da prevenção. Não é por haver comportamentos corretos em relação ao sol que vai haver dificuldades de síntese de vitamina D ou défice de vitamina D.

A questão é que as mensagens de alerta para nos protegermos do sol e também para a necessidade de termos níveis de vitamina D saudáveis podem baralhar as pessoas. O que é efetivamente seguro fazer para prevenir o cancro de pele e evitar défices de vitamina D?

Acho que devemos dar mensagens realistas, cientificamente corretas e realizáveis. Se disser às pessoas não se exponham de todo ao sol, primeiro não estou a ser cientificamente verdadeiro, depois estou a usar uma mensagem irrealista e não é isso que se pretende.

Temos de adequar cientificamente a mensagem à realidade das pessoas. Isso passa por usufruir do sol, mas usando a tal higiene solar que passa por evitar exposições intempestivas e prolongadas em horário fora das horas de segurança, entre as 11 horas e as 17 horas, usar a proteção solar adequada, usar meios de proteção quando se está muito tempo ao sol, como roupa protetora, chapéu e óculos de sol, que protegem da catarata que é outro efeito da radiação solar, não ao nível da pele, mas ao nível do olho.

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O impacto que estes comportamentos vão ter na incidência não é imediato, demora a passar para a prática diária, mas vamos ter maior eficácia se formos persistentes. Todos os anos, até fora do verão, devemos ir passando estas mensagens, sobretudo nas faixas etárias que têm também impacto nas outras. É o caso das crianças em idade escolar que são fantásticas para fazer prevenção primária pois vão mais facilmente pôr em prática estas medidas desde cedo e vão quase que forçar os adultos a praticar as medidas corretas.

Falou também da proteção solar e existem mitos e notícias que associam o protetor solar à infertilidade e ao aumento de cancro de pele. O que diz a ciência sobre os perigos do protetor solar?

Há muitas fake news e encontro de vez em quando artigos sobre esta matéria que não correspondem à verdade científica, quer para bem quer para mal. Há notícias que empolam o efeito do protetor solar e há as que põem em causa a sua utilidade e segurança. Não há qualquer impacto dos protetores solares na fertilidade, isso é perfeitamente falso.

“O protetor solar é o topo da pirâmide da proteção. Na base da pirâmide está evitar as horas perigosas, o uso de roupa protetora se estiver demasiado tempo ao sol e o protetor vem no fim de tudo isso e o seu efeito protetor é acrescido se tiver esse comportamento”.

O protetor solar tem um índice de proteção conhecido e mensurável que vem na embalagem e que é o grau de proteção que aquele produto confere em relação à queimadura solar. Se tenho um protetor solar com fator de proteção 30 significa que a dose de radiação necessária para causar uma queimadura [com aquele protetor] é 30 vezes superior à que causaria uma queimadura sem protetor solar. Não mede a magnitude da proteção contra o cancro de pele, mas presume-se que tem impacto porque se há uma proteção da queimadura solar é porque há uma proteção dos ultravioletas causadores de cancro de pele e, assim, usar protetor solar, presumivelmente, é melhor que não usar.

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Quando vemos artigos a dizer que o uso do protetor solar aumenta o risco de cancro de pele, faço a seguinte pergunta: um diabético coloca adoçante no café e pensa que, por pôr adoçante, vai comer uma bola de Berlim a seguir. Se medir a glicemia e esta estiver aumentada a culpa é do adoçante?

A culpa é da bola de Berlim que comeu. Se usar o protetor solar para me expor de forma desregrada ao sol e se vier a ter um cancro de pele por isso a culpa é do protetor solar ou é do comportamento intempestivo, apesar de ter usado o protetor solar?

As pessoas pensam que o protetor solar é um escudo que protege contra tudo, mas é apenas uma forma de proteção que tem de ser usada em conjunto com todas as outras medidas de prevenção primária das queimaduras solares?

Exatamente. Se eu estiver a usar o protetor solar tenho de ter na mesma um comportamento assertivo. O protetor solar é o topo da pirâmide da proteção. Na base da pirâmide está evitar as horas perigosas, o uso de roupa protetora se estiver demasiado tempo ao sol e o protetor vem no fim de tudo isso e o seu efeito protetor é acrescido se tiver esse comportamento. Vale a pena usá-lo dentro de uma política de sensatez de exposição solar, caso contrário é estar a encher um copo que tem um buraco.

O protetor solar não é um ecrã total, mesmo que o diga na embalagem, o que cria uma falsa ideia de segurança porque não há ecrãs totais. O fator de proteção que o protetor confere, por exemplo 50, não é efetivamente aquele que está a beneficiar a pessoa porque o 50 só é, efetivamente, 50 se a quantidade de protetor aplicada for de 1mg/cm2 de pele, que é a quantidade usada nos testes. As estimativas que conhecemos dizem que, na realidade, nunca aplicamos essa quantidade, aplicamos metade ou menos e assim o fator de proteção cai.

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É a qualidade e a regularidade de aplicação. Tem de se renovar a aplicação do protetor solar, certo?

Sim, porque vai perdendo proteção ao longo do tempo e se formos tomar banho, por mais que diga na embalagem que é resistente à água, vai cair o fator de proteção e isso vai influenciar a proteção que a pessoa tem.

Sobre a evolução científica no tratamento do cancro do melanoma, este tem sido um dos tipos de cancro que tem visto chegar mais novas terapêuticas à prática clínica nesta última década. Considera que os novos fármacos têm assegurado aos doentes perspectivas mais favoráveis de tratamento?

Isso no melanoma é bastante notório. Temos avanços mais recentes em relação aos outros tipos de cancros, mas no melanoma este fenómeno de evolução terapêutica é mais notório. Ainda sou testemunha da fase prévia a esta revolução, que começa essencialmente em 2011, em que tínhamos muito poucas armas de tratamento médico sistémico para o melanoma. Disponhamos de quimioterapia, que era muito pouco eficaz e relativamente tóxica. Ter um melanoma que metastizava, ou seja, que se espalhava pelo corpo, era uma sentença de morte certa.

“Atualmente o panorama da terapêutica do melanoma que metastizou  é radicalmente distinto do que era antes. Em 2010 um melanoma em estádio IV, que significa que já está disseminado, a sobrevivência aos cinco anos era escassa, menos de 4% dos doentes estavam vivos. Hoje, essa percentagem andará à volta de 50% ou perto disso”.

Na última década, o tratamento cirúrgico não mudou assim tanto. Simplesmente, numa fase prévia a esta inovação terapêutica, éramos um pouco mais agressivos acreditando que isso poderia beneficiar o doente, porque não tínhamos outras armas. Viemos a perceber que essa agressividade cirúrgica, que hoje em dia é menor, era excessiva, não dava um incremento de sobrevivência ao doente e dava maior morbilidade para a vida do doente porque podia ser muito mutilante.

Hoje em dia somos muito mais conservadores do ponto de vista cirúrgico, não só pela melhoria do tratamento médico, mas porque os ensaios efetuados com as cirurgias revelaram que não é necessário ser tão agressivo para ter eficácia. Do ponto de vista de tratamento médico, a evolução passou pelo aparecimento da imunoterapia, talvez o avanço mais relevante e mais notório, e também o início da terapêutica dirigida a alvos moleculares, a algumas mutações que o tumor tem, que podemos bloquear com fármacos.

Atualmente o panorama da terapêutica do melanoma que metastizou  é radicalmente distinto do que era antes. Em 2010 um melanoma em estádio IV, que significa que já está disseminado, a sobrevivência aos cinco anos era escassa, menos de 4% dos doentes estavam vivos. Hoje, essa percentagem andará à volta de 50% ou perto disso. Obviamente ainda não é tanto como desejaríamos, mas é uma diferença brutal conseguirmos respostas que não víamos.

Contudo, é preciso não aligeirar as medidas de prevenção e diagnóstico precoce por causa da terapêutica, pois a terapêutica ainda não é a solução de tudo e induz uma toxicidade financeira grande. O mais barato é identificar o melanoma precocemente e fazer o tratamento cirúrgico que, numa fase precoce, é tirar a lesão e resolver o problema. É simples, barato e eficaz.

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25 Mai 2022 - 09:00

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