
O queijo “é uma droga” que “vicia”? Médico responde
Num vídeo do TikTok, que está a ser partilhado por várias contas, alega-se que o queijo é “uma droga que as pessoas não sabem que vicia”. Segundo o autor desta afirmação, o suposto caráter viciante do queijo deve-se ao facto de conter“ casomorfina em altíssima concentração”. Mas, do ponto de vista médico e científico, é correto afirmar que o queijo vicia?
É verdade que o queijo vicia?
Em declarações ao Viral, Davide Carvalho, presidente da Associação Europeia de Neuroendocrinologia (ENEA) e professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), adianta que não existe evidência que comprove que o queijo é viciante.
O médico explica que, numa pesquisa no PubMed, uma base de dados de citações e resumos de artigos científicos em biomedicina, não se encontra “referência a situações de dependência associada ao consumo de queijo”.
Isto porque, o queijo, tal como qualquer alimento, não pode ser considerado “viciante”. Para se entender o porquê é necessário, em primeiro lugar, perceber o que significa “ser viciante”.
Na perspetiva de Davide Carvalho, “embora a maioria das pessoas tenha uma compreensão intuitiva do que significa algo viciante, definir o termo não é tão claro como pode parecer”.
O vício pode ser definido como “uma necessidade compulsiva, crónica, fisiológica ou psicológica de uma substância, comportamento ou atividade que cria hábitos, tendo efeitos físicos, psicológicos ou sociais prejudiciais e geralmente causando sintomas bem definidos (como ansiedade, irritabilidade, tremores ou náuseas) após a retirada ou abstinência”, adianta o endocrinologista ao citar o dicionário de Merriam-Webster (ver aqui).
Segundo esta definição, “tudo – desde o álcool, a cocaína e a cafeína, o jogo, o trabalho, os jogos de vídeo – pode tornar-se viciante em circunstâncias precisas (ou nas circunstâncias erradas, por assim dizer)”, explica Davide Carvalho.
Contudo, é importante ter em conta que esta definição é “bastante ampla” e só “funciona bem em contextos coloquiais”, ou seja, não se aplica totalmente em contextos científicos.
Quando se questiona se o queijo é viciante (ou não), “não estamos a perguntar se é ‘viciante’ no sentido casual ou social, mas se é viciante a nível fisiológico”, prossegue o professor da FMUP.
Tal como a nutricionista no Reino Unido Margarida Beja já tinha explicado ao Viral, em esclarecimentos anteriores, “não falamos em vício quando falamos em alimentos, porque não é esse o mecanismo em causa”.
Os efeitos que a alimentação tem no organismo “não são sequer comparáveis” aos que ocorrem ao consumir substâncias aditivas, tais como drogas ou álcool, que causam mudanças estruturais no cérebro e são comprovadamente nefastas para a saúde.
No capítulo sobre perturbações de dependência do DSM-5 (Manual Diagnóstico e Estatístico de Perturbações Mentais), é possível ler uma “lista de sintomas de abuso de substâncias”, refere o médico.
“Embora a maioria deles seja de natureza comportamental — utilizar a substância em situações de risco, por exemplo, ou afastar-se de obrigações sociais para a utilizar ou obter — o manual descreve dois sintomas fisiológicos da adição: a tolerância e a abstinência”, adianta.
No DSM, a tolerância é definida como a exigência de “uma dose acentuadamente maior da substância” para “obter o efeito desejado” ou “quando um efeito acentuadamente reduzido é obtido após o consumo da dose habitual”.
Por outro lado, a abstinência traduz-se nos “sintomas físicos que um consumidor intensivo de substâncias experimenta quando deixa de utilizar a substância”, salienta Davide Carvalho.
O que acontece quando se consome queijo (e outros alimentos, sobretudo quando são ricos em açúcar, sal ou gordura) é que o cérebro produz substâncias químicas que causam uma sensação de bem-estar e não propriamente uma dependência (ver aqui).
Há vários fatores que justificam essa sensação de satisfação. Davide Carvalho explica que o queijo “é essencialmente caseína [uma proteína do leite] concentrada”.
Quando consumimos caseína, “o sistema digestivo decompõe-na em compostos mais pequenos chamados casomorfinas”, “um tipo de opioides que faz com que o nosso cérebro liberte dopamina, um neurotransmissor que pode causar sentimentos de prazer e satisfação”, explica (ver também aqui).
Por isso, tanto o leite como o queijo podem fornecer doses de dopamina, sendo que “o queijo, por si só, oferece uma dose muito maior, porque contém uma concentração mais elevada de caseína: são necessários 4,5 kg de leite para produzir meio quilo de queijo”, prossegue.
Na perspetiva de Davide Carvalho, “esta será uma das razões pelas quais muitas pessoas consideram o queijo tão irresistível”.
Além da caseína, “o elevado teor de gordura do queijo” também contribui para a sensação de prazer associada ao consumo deste alimento.
O queijo também “contém fenilalanina, um aminoácido essencial que, quando metabolizado pelo organismo, produz um estimulante chamado feniletilamina”. Tal como a caseína, “a feniletilamina aumenta os níveis de dopamina”.
Por último, a tirosina, outro aminoácido presente no queijo (derivado da fenilalanina), aumenta “os níveis de dopamina e adrenalina”.
Além disso, esta substância “demonstrou melhorar o sono e a cognição, oferecendo ainda mais razões pelas quais tantas pessoas têm dificuldade em deixar de comer queijo”, sustenta.
Em jeito de conclusão, Davide Carvalho defende que “o queijo não parece ser um alimento biologicamente viciante”, ou seja, o seu consumo não causa dependência. Além disso, o queijo não é o único alimento com compostos que proporcionam uma sensação de prazer e bem-estar.
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