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O mel no chá quente é “um veneno”?

31 Ago 2024 - 08:16
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O mel no chá quente é “um veneno”?

“O mel não se pode aquecer, nunca!” É este o aviso que circula nas redes sociais e que se destina a quem tem por hábito utilizar este alimento para adoçar bebidas quentes. Num vídeo partilhado no Facebook, por exemplo, defende-se que “o mel no chá quente” se transforma num “veneno”. 

Segundo o autor do post, o mel contém “pedacinhos de pólen levemente tóxicos, mas que não fazem mal nenhum ao organismo”. No entanto, alega, quando o mel é colocado, por exemplo, no chá quente, estes “pólens” sofrem “ação da temperatura” e gera-se uma “substância chamada HMF” – sigla para hidroximetilfurfural – com efeitos tóxicos. Mas será mesmo assim?

É verdade que o mel no chá quente se torna um veneno?

Não, o mel no chá quente não se transforma num veneno, nem tem um efeito tóxico no organismo.

De facto, o mel é composto por açúcares monossacarídeos que, quando submetidos a temperaturas altas, sofrem uma alteração química que dá origem à substância HMF – uma substância potencialmente tóxica. 

No entanto, isso não significa que adicionar uma colher de mel a uma bebida quente vá tornar essa bebida em algo tóxico ou venenoso. E há vários motivos que o explicam.

Em primeiro lugar, tal como explica José Camolas, membro do Conselho Geral da Ordem dos Nutricionistas  e professor na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e no Instituto Egas Moniz, o HMF é “resultado da alteração química da frutose e glicose por ação da temperatura elevada”. 

E, acrescenta o nutricionista, este fenómeno ocorre quando se “aquece o mel ou outros alimentos que contenham açúcar monossacarídeos”, ou seja, não se trata de uma característica exclusiva do mel, como é sugerido nos vídeos partilhados.

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“Qualquer produto alimentar que contenha hidratos de carbono e que seja aquecido em demasia pode agilizar a formação de substâncias potencialmente tóxicas”, acrescenta o nutricionista enquanto refere, como exemplo, que as áreas carbonizadas do bife também são prejudiciais à saúde.

Um artigo de revisão, publicado em 2020, refere que o HMF pode ser encontrado “numa vasta variedade de produtos alimentares, tais como frutos desidratados, sumos de fruta, produtos com caramelo, café, produtos de padaria, malte e vinagre”.

Citando o estudo de Husøy et al (2008), os autores da revisão apontam que o consumo diário seguro para os humanos oscilará entre os 30mg e os 150mg por pessoa por dia, “uma dose muito mais elevada do que qualquer outro tóxico alimentar gerado por ação do calor, tais como o furano e o acrilamidas”.

Os investigadores referem ainda que, em média, cada pessoa ingere 5,26mg de HMF diariamente, com o consumo máximo diário a atingir os 8,57mg. 

“A maior parte da exposição alimentar advém do café, que representa cerca de 50% do consumo total estimado de HMF em Espanha e perto de 63% na Noruega”, acrescentam os investigadores com base em estudos realizados nos dois países. 

No mesmo artigo são também analisados os efeitos da toxicidade do HMF ao nível hepático, renal, neurológico, reprodutivo, genético e citológico, sempre com base em modelos animais. Na grande maioria dos estudos, a dose administrada aos ratinhos foi muito mais elevada do que a consumida diariamente pelos humanos

José Camolas lembra a frase de Paracelsus, médico e físico do século XVI: “A diferença entre um remédio e um veneno está na dose.” Com esta citação, o nutricionista destaca que os efeitos negativos do HMF (e de outras substâncias) “dependem da dose” ingerida pelo indivíduo e da “frequência de consumo”.

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Posto isto, o nutricionista sublinha que “é muito pouco provável que a temperatura do chá, assim como a quantidade e frequência de ingestão de mel”, neste contexto, leve a uma “toxicidade aguda ou crónica” por HMF.

Fará pior à saúde comer constantemente mel (que tem açúcar, entre os quais frutose) do que a toxicidade do HMF”, reforça.

É importante referir que a quantidade de HMF existente no mel comercializado é regulada por lei. Após tratamento e mistura, a dosagem máxima de HMF permitida é de 40mg/kg, exceto quando em mel de origem declarada de regiões de clima tropical e mistura desses mel, em que o máximo sobe para 80mg/kg.

O professor considera que estas partilhas nas redes sociais são feitas para “assustar as pessoas”, utilizando “dados que são biologicamente plausíveis, mas hipertrofiados por motivos tenebrosos”.

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Este artigo foi desenvolvido no âmbito do European Media and Information Fund, uma iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian e do European University Institute.

The sole responsibility for any content supported by the European Media and Information Fund lies with the author(s) and it may not necessarily reflect the positions of the EMIF and the Fund Partners, the Calouste Gulbenkian Foundation and the European University Institute.

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Alimentação

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31 Ago 2024 - 08:16

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