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O café é “a droga mais viciante do mundo”?

9 Fev 2023 - 10:16
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O café é “a droga mais viciante do mundo”?

O café é uma das bebidas mais consumidas e faz parte da rotina de milhões de pessoas. No entanto, apesar desta popularidade, nos últimos anos, tem circulado nas redes sociais a alegação de que “o café é a droga mais viciante do mundo”.

Alguns criadores de conteúdos no TikTok aconselham os seus seguidores a abandonarem o consumo de café devido às propriedades aditivas de um dos componentes do café: a cafeína.

Já no Twitter escreve-se que “nada vicia tanto quanto o café” e que “a cafeína é considerada a droga mais viciante do mundo e a mais legalizada”. Mas será mesmo assim?

É verdade que o café é a droga mais viciante do mundo?

café droga viciante

Não há evidência científica que permita afirmar que o café é a droga mais viciante do mundo. Quem o adianta, em declarações ao Viral, é o vice-presidente da secção de Psiquiatria da Adição da Sociedade Portuguesa de Psiquiatria e Saúde Mental, João Marques.

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O psiquiatra explica que a cafeína presente no café tem, de facto, “poderes aditivos” e um “efeito psicoestimulante”. Isto porque, acrescenta João Marques, “é uma substância que estimula uma zona do cérebro – a chamada zona da recompensa – que está associada à identificação do prazer”. E quando esta zona é “estimulada há uma maior libertação de dopamina e isso é reconhecido como prazeroso, o que faz com que a pessoa queira repetir o estímulo”.

Contudo, “quando comparada com outras substâncias”, a cafeína parece ter “um poder aditivo muito menor”.

Além disso, sublinha o psiquiatra, o poder aditivo de uma substância não está apenas relacionado com as suas propriedades potencialmente aditivas, mas também com “a predisposição” para a adição de quem a consome.

João Marques esclarece que “nós temos, biologicamente, características que nos levam a relacionar de uma forma mais aditiva com uma ou outra substância”, podendo haver “pessoas que desenvolvem uma adição à cafeína” por terem “uma maior sensibilidade à substância e uma maior predisposição para repetir o uso daquela substância”. No entanto, reforça, isto é “pouco comum”. 

“Ou seja, a quantidade de pessoas que usa a substância usa-a de uma forma normal e não num contexto de dependência”, sustenta.

No mesmo sentido, o nutricionista e investigador no Centro de Investigação em Biociências e Tecnologias da Saúde (CBIOS) da Universidade Lusófona, Leandro Oliveira, sublinha que “a consideração da cafeína como droga de abuso é controversa”.

O nutricionista começa por explicar que, enquanto a penúltima Classificação Internacional de Doenças da OMS (CID 10) considerava “a existência de dependência de cafeína, bem como a de abstinência e intoxicação”, o CID 11 (a versão mais recente) “já não aborda a dependência da cafeína, referindo apenas um padrão alarmante do consumo de cafeína quer seja esporádico quer seja prolongado”.

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Na mesma linha, completa, o penúltimo DSM-IV-TR (o Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais da Associação Psiquiátrica Americana) não reconhecia “a existência de dependência e, embora de forma inespecífica, incluía apenas no capítulo sobre perturbações pela utilização de substâncias, a intoxicação por cafeína, deixando a abstinência como uma perturbação em investigação”.

Já na versão mais recente do documento (o DSM-V) “as categorias de abuso de substâncias e dependência de substâncias foram eliminadas e substituídas por uma nova categoria mais abrangente de perturbações por uso de substâncias – em que a substância específica usada define a perturbação específica”.

Segundo o investigador, isto acontece porque o termo “dependência” é facilmente confundido “com o termo ‘adição’, mas a tolerância e a abstinência que anteriormente definiam dependência são, na verdade, respostas bastante normais a medicamentos prescritos que afetam o sistema nervoso central e não indicam necessariamente a presença de uma adição”.

Por isso, “com a revisão e o esclarecimento desses critérios no DSM-V, os autores esperam reduzir os mal-entendidos amplamente difundidos no que diz respeito a essas questões”.

Quais os efeitos da privação de cafeína?

café droga viciante

Ainda que o poder aditivo da cafeína pareça ser menor do que o de outras substâncias e que o consumo moderado de café não seja problemático para a maioria das pessoas, João Marques clarifica que “a sua utilização regular dá uma certa dependência física”.

“Todos nós já experimentámos isto. Quando bebemos café ao longo de anos, se houver um dia em que não bebemos, sentimos, no dia a seguir, um conjunto de sintomas de privação da cafeína – falta de energia, dores de cabeça e uma certa lentificação – que rapidamente desaparecem se voltarmos a beber café”, adianta.

No entanto, assinala, esta “dependência física” devido ao “uso regular de café” é, na maior parte dos casos, “ligeira e rapidamente controlada”.

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João Marques vinca, contudo, que esta “é uma privação física” que – ao contrário do que acontece durante a privação de outras substâncias potencialmente aditivas como álcool – “não leva à morte nem traz nenhum prejuízo por aí além”.

“São só alguns sintomas que vão desaparecendo. Aí podemos dizer que o corpo está habituado ou que está dependente daquela substância. É fácil de resolver esta dependência. É não beber e, nos dias a seguir, os sintomas desaparecem e habituamo-nos à ausência do café”, realça.

Nesse sentido, Leandro Oliveira detalha que a principal característica da abstinência de cafeína “é a presença de uma síndrome de abstinência típica que se desenvolve após a interrupção (ou redução substancial) repentina da ingestão diária prolongada de cafeína”, sendo “a cefaleia (dor de cabeça) o sintoma típico da abstinência de cafeína”.

Como a sua ingestão de cafeína costuma estar associada “a hábitos sociais e a rituais diários como a pausa para o café ou o chá da tarde, alguns consumidores podem não ter consciência da sua dependência física da substância, e, deste modo, os sintomas de abstinência podem ser inesperados e atribuídos a outras causas (como gripes ou enxaqueca)”, elucida o investigador.

Quais os cuidados a ter na ingestão de cafeína?

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Por fim, conclui Leandro Oliveira, “para evitar um consumo excessivo de cafeína, o guia alimentar para a população portuguesa (a nova roda dos alimentos) recomenda que o consumo de cafeína deve ser limitado a um máximo de 300 mg por dia”.

Isto representa “um máximo de cerca de três cafés curtos por dia, ou de dois cafés cheios, ou de três latas de bebidas ‘energéticas’”.

No caso das crianças e dos adolescentes, o consumo de cafeína “está desaconselhado”.

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9 Fev 2023 - 10:16

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