Mulheres precisam de dormir mais uma hora e meia do que os homens?
Uma boa noite de sono pode ser um ponto de partida para um dia bom. Por isso, o tema é cada vez mais popular nas redes sociais. Num vídeo que tem sido partilhado em diferentes plataformas alega-se que as mulheres precisam de dormir mais tempo do que os homens.
“Todas as mulheres precisam de [dormir] mais. O nosso cérebro funciona em tantos níveis que é um grave cansaço… Os homens precisam de dormir menos uma hora e meia do que as mulheres. Sempre”, defende-se no vídeo em questão.
A razão apontada para esta suposta diferença são as hormonas: “É tão ativo o nosso sistema mental e hormonal que precisamos mesmo de descansar”.
Mas será verdade que as mulheres precisam de dormir mais uma hora e meia? Duas especialistas do sono explicam ao Viral o que a ciência sabe sobre este assunto
As mulheres precisam de dormir mais uma hora e meia por noite?
A alegação de que as mulheres precisam de dormir mais uma hora e meia do que os homens não é validada por evidência científica robusta. Contudo, há evidência de que, de facto, as mulheres dormem mais do que os homens, mas a diferença média é muito mais pequena.
Segundo a literatura científica atual, as mulheres dormem entre de 11 e 20 minutos a mais do que os homens. Esta necessidade pode ser justificada “tanto pelo excesso de tarefas que acumulam no dia a dia como por questões de saúde que comprometem a qualidade do sono”, explica ao Viral Teresa Rebelo Pinto, psicóloga, somnologista e fundadora da Clínica Teresa Rebelo Pinto – Psicologia&Sono.
Apesar de ser “difícil distinguir se precisam de dormir mais ou se estão mais cansadas”, a especialista reconhece que as mulheres “são mais suscetíveis a ter queixas de sono”, que podem também estar associadas a questões hormonais ou problemas de saúde mental.
“O sono é muito diferente de pessoa para pessoa e, por isso, pode haver mulheres que precisam de dormir mais do que os homens, embora, a meu ver, seja impreciso afirmar que isso é verdadeiro para todas as pessoas”, reforça.
Também a cardiopneumologista, neurofisiologista e especialista do sono Bruna Reis cita a evidência científica atual para responder que “existe uma diferença na necessidade do sono”: as mulheres “aparentam precisar de uma maior quantidade de sono por, tendencialmente, terem menor qualidade de sono.”
A autora do projeto “O Teu Mal É Sono” lembra que as mulheres são mais propensas a apresentar um “sono mais fragmentado”, têm “mais tendência a ruminação”, demoram “mais tempo a adormecer” ou acordam mais vezes para prestar “serviços à família”, o que prejudica a qualidade do repouso noturno. Também a alteração hormonal “durante as diferentes fases da vida” contribui para “dificuldades com o sono”.
Estes fatores podem levar as mulheres a ter “uma maior necessidade de sono” – que, em média, pode ir de 11 a 20 minutos a mais. A especialista ressalva que “esta diferença não se encontra bem estabelecida e são necessários mais estudos para a confirmar”.
O que diz a ciência sobre este assunto?
A Sleep Foundation confirma que as mulheres “tendem a dormir ligeiramente mais do que os homens”, referindo que o desfasamento médio é de 11 minutos. Não existe qualquer referência de que as mulheres precisam de dormir mais uma hora e meia do que os homens.
“Além das diferenças biológicas como a produção hormonal, também existem diferenças baseadas no género que podem afetar a quantidade de sono de que uma pessoa precisa e alcança em cada noite”, pode ainda ler-se.
Em causa está o tempo dedicado ao trabalho (pago e não pago), as responsabilidades sociais e o cuidado à família: “As mulheres têm maior probabilidade do que os homens de acordar para cuidar de outras pessoas em casa, uma tarefa que perturba o seu sono.”
Um estudo, publicado em 2013, analisou os dados dos American Time Use Surveys entre 2003 e 2007 referentes aos minutos de sono diários de adultos profissionalmente ativos e concluiu que, “no geral e na maioria das fases da vida, as mulheres dormiam mais do que os homens”. A diferença é “relativamente pequena” e pode oscilar entre os cinco e os 28 minutos.
Os investigadores referem ainda que esta disparidade pode ser influenciada pela quantidade de trabalho remunerado e doméstico que está a cargo de cada género e pela existência de filhos para cuidar.
As maiores diferenças foram encontradas em fases da vida em que havia necessidade de interromper o sono para cuidar de familiares, uma “tarefa desproporcionalmente realizada por mulheres” e que “é altamente disruptiva para o sono”, pois leva a uma redução da “qualidade geral do sono”.
Mais recentemente, um estudo de 2020 voltou a confirmar que existem diferenças na quantidade de sono entre mulheres e homens.
Depois de analisar dados de 69650 adultos, entre os 19 e os 67 anos e oriundos de 47 países, os investigadores concluíram que, “embora os homens tendam a dormir menos do que as mulheres durante a vida, os despertares noturnos são mais prevalentes nas mulheres, com uma maior disparidade encontrada entre o início e a meia-idade adulta, uma fase da vida associada à criação dos filhos”.
A quantidade de sono diário não é a única diferença entre sexos. As mulheres têm “mais tempo em sono profundo”, “menos tempo em sono superficial” e “mais queixas subjetivas de sono”, enumera Bruna Reis.
Importa sublinhar que os valores apresentados são médias e não significam que todas as mulheres necessitem de dormir mais do que os homens. Teresa Rebelo Pinto lembra que há “mulheres que dormem apenas seis horas [por dia] e estão ótimas” – sendo identificadas como “short sleepers” – e há “homens que são long sleepers” – termo que se aplica a pessoas que precisam de dormir nove ou mais horas por dia.
A influência hormonal, os ciclos menstruais e o impacto da menopausa
No vídeo em análise, a alegação de que as mulheres precisam de dormir mais uma hora e meia do que os homens é justificada pela atividade hormonal. Diz-se, por exemplo, que o organismo feminino tem “tantas hormonas em circulação” que necessita “descansar” mais. Mas será mesmo assim?
De facto, as hormonas podem influenciar as necessidades de repouso nas mulheres. Teresa Rebelo Pinto esclarece que a libertação hormonal em cada fase do ciclo menstrual, durante a gravidez ou com a chegada da menopausa pode perturbar, de forma diferente, o repouso feminino.
No mesmo sentido, Bruna Reis explica que as hormonas características das “diferentes fases da vida da mulher contribuem para dificuldades com o sono”, por exemplo, ao nível do “desconforto físico, suores noturnos, insónia na gravidez, entre outros”.
A especialista admite que estas alterações podem ser identificadas como causa de “cansaço”, mas acrescenta que “não é algo direto”.
Um relatório de investigação da Society for Women’s Health avança que “o sono normal nas mulheres é afetado por efeitos hormonais durante a menstruação, gravidez/lactação, perimenopausa, menopausa e pós-menopausa e muitas vezes leva a distúrbios e doenças do sono durante esses períodos”.
O documento, publicado em 2014, avança ainda que um terço das mulheres apresenta queixas de distúrbios do sono relacionados com o ciclo menstrual, devido a cólicas, inchaço ou dores de cabeça. Também na pré-menopausa e na pós-menopausa, as insónias podem aumentar entre 33% e 36% e entre 44% e 61%, respetivamente.
A menopausa traz “uma espécie de cocktail” hormonal e sintomático que pode ter consequências no repouso, diz Teresa Rebelo Pinto. E prossegue: “Há fatores complexos que reagem entre si na menopausa. Como o corpo da mulher muda todo, o sono também vai enfrentar novos desafios.”
Bruna Reis acrescenta que as “múltiplas alterações hormonais” que ocorrem nesta fase podem estar associadas a sintomas vasomotores (palpitações, suores, calores súbitos), distúrbios do sono (insónias), alterações de humor, mudanças na cognição e reatividade ao stress. Para algumas mulheres estes processo “associa-se a sintomas graves de sono”.
As mesmas justificações são referidas pela Sleep Foundation: “As mulheres têm 40% maior probabilidade de ter insónia do que os homens” e têm “perto de duas vezes maior probabilidade de serem diagnosticadas com ansiedade e depressão, duas condições fortemente associadas com insónia”.
O próprio ritmo circadiano – ritmo natural do corpo que dura cerca de 24 horas e determina os períodos de vigília e repouso – “é regulado por hormonas, como a melatonina, e difere entre sexos”, afirma Teresa Rebelo Pinto, acrescentando que, tendencialmente, os homens “são mais notívagos”, enquanto as mulheres têm “mais vontade de dormir cedo”.
Em suma, não há evidência de que as mulheres precisem de dormir mais uma hora e meia do que os homens, pelo que esta alegação é considerada falsa. No entanto, há evidência que sugere que as mulheres dormem cerca de 11 a 20 minutos a mais do que os homens.
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