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Mirtilos são alimentos “anti-cancro”? Especialistas respondem

3 Out 2024 - 09:30

Mirtilos são alimentos “anti-cancro”? Especialistas respondem

Diz-se no TikTok que os mirtilos são “os alimentos mais ricos em antioxidantes” e, por isso, conseguem destruir todos os “mauzões” que provocam danos nas células. No vídeo, defende-se ainda que este fruto tem efeito “anti-cancro”, entre outros benefícios.

As doenças oncológicas são uma das principais causas de morte. Dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) avançam que, em 2022, morreram em Portugal 28.540 pessoas devido a tumores (neoplasmas). O cancro do pulmão e o cancro da mama são os que mais matam na Europa.

Mas será verdade que o mirtilo pode ajudar a prevenir e a tratar o cancro? Estes alimentos são mesmo eficazes a proteger as células? O que diz a ciência sobre estas alegações?

Comer mirtilos previne o cancro?

Nenhum alimento previne, sozinho, o aparecimento de cancro. No entanto, a evidência científica mostra que uma alimentação saudável e equilibrada ao longo da vida, com uma quantidade adequada de hortícolas e frutos, pode reduzir os fatores de risco de várias doenças, entre as quais a doença oncológica.

É neste contexto que os mirtilos entram: são alimentos ricos em nutrientes e têm um “potencial antioxidante e anti-inflamatório” que pode ajudar a “prevenir doenças e a manter uma vida saudável”, esclarece ao Viral a médica, nutricionista e investigadora Paula Ravasco.

Também Ana João Pissarra, oncologista no Hospital da Lusíadas Lisboa, destaca a “quantidade elevada de antioxidantes” existente nos mirtilos e lembra o impacto que estes nutrientes têm na regulação do organismo.

“Os mirtilos são ricos em flavonoides e fibra. Sabemos que estes compostos são importantes para inativar radicais livres”, acrescenta a especialista. 

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Os radicais livres são moléculas existentes no organismo que têm “um papel importante no desenvolvimento de células anormais”, que crescem descontroladamente e formam tumores.

Numa pequena revisão, publicada em 2013, analisaram-se vários estudos sobre as propriedades anti-cancro dos mirtilos. “Evidência a partir de estudos in vitro, in vivo e alguns estudos clínicos sugerem que os mirtilos e os seus constituintes ativos mostram ser promissores como agentes anti-cancro, tanto na forma de alimentos funcionais como de suplementos nutricionais”, pode ler-se.

Os investigadores referem, contudo, que é necessário realizar “mais estudos pré-clínicos e conduzir ensaios clínicos sobre as capacidades preventivas de cancro nos mirtilos”.

No mesmo sentido, o Instituto Americano para o Estudo do Cancro (AICR, na sigla inglesa) reconhece que a atividade dos antioxidantes existentes nos mirtilos “mostra potencial na prevenção de danos de ADN” nas células, mas sublinha que os “estudos são limitados e os resultados variam”. Por essa razão, é necessário continuar a fazer investigação para “perceber o papel dos mirtilos nesta área”.

Após uma revisão à literatura científica, o AICR identificou evidência científica de que a ingestão de alimentos ricos em fibra diminui o risco de cancro colorretal e ajuda a evitar excesso de peso ou obesidade (situação que aumenta o risco de, pelo menos, 12 tipos de cancro diferentes).

Por outro lado, a inclusão de vegetais não-amiláceos e de fruta na alimentação está também associada a uma diminuição do risco de cancro no sistema digestivo e respiratório.

É importante sublinhar que estas conclusões não são aplicadas exclusivamente aos mirtilos, mas incluem também outros hortofrutícolas com nutrientes semelhantes. Paula Ravasco reforça que “a alimentação saudável consegue prevenir em cerca de 40% a doença oncológica”.

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Os mirtilos são eficazes no tratamento de cancro?

Não, comer mirtilos não é um tratamento eficaz contra o cancro. Apesar de os efeitos antioxidantes e anti-inflamatórios poderem ser benéficos para o organismo, a verdade é que os mirtilos “não têm o potencial de eliminar células más e agressivas ou de combater a doença oncológica”, garante Paula Ravasco.

“É diferente usar os mirtilos num contexto da doença oncológica, em que já existiu uma evolução do tumor”, prossegue a nutricionista, lembrando que as células cancerígenas são “extremamente agressivas e conseguem escapar a todas as defesas do hospedeiro”.

Também Ana João Pissarra sublinha que, “apesar de ser um bom alimento”, o mirtilo “não tem, por si só, um papel isolado no tratamento ou prevenção do cancro”.

As doenças oncológicas podem ser tratadas com terapêuticas locais – como cirurgia, radioterapia, radiologia de intervenção – ou terapêuticas sistémicas – que incluem quimioterapia, hormonoterapia, imunoterapia e terapêutica-alvo. Em alguns casos, as terapêuticas são combinadas para um melhor resultado.

Estas terapêuticas são “altamente agressivas e tóxicas”, uma vez que o objetivo é “eliminar cadeias de ADN e células anárquicas”, reforça Paula Ravasco. A nutricionista lembra que estes efeitos “não se conseguem alcançar com qualquer alimento ou nutriente” (mesmo que ingerido em doses terapêuticas).

Paula Ravasco apela aos pacientes com doença oncológica que não abandonem os tratamentos em função de um alimento “milagroso”, planos detox ou dietas promovidas nas redes sociais.

Não há alimentos que curem cancro. Se um alimento curasse o cancro, eu era a primeira pessoa a ir para a rua com um megafone gritar”, conclui.


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Este artigo foi desenvolvido no âmbito do European Media and Information Fund, uma iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian e do European University Institute.

The sole responsibility for any content supported by the European Media and Information Fund lies with the author(s) and it may not necessarily reflect the positions of the EMIF and the Fund Partners, the Calouste Gulbenkian Foundation and the European University Institute.

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Alimentação

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