PUB

Fact-Checks

Panelas e frigideiras antiaderentes são perigosas para a saúde?

19 Fev 2023 - 01:27
falso

Panelas e frigideiras antiaderentes são perigosas para a saúde?

As panelas e frigideiras antiaderentes estão presentes em muitas cozinhas. Mas, nas redes sociais, alega-se que o seu uso representa um perigo para a saúde, devido aos químicos supostamente utilizados na produção destes utensílios.

Em várias publicações do Facebook, aconselha-se mesmo os leitores a deitarem fora as frigideiras antiaderentes, sobretudo as que são feitas de “teflon, um composto impermeável e com propriedades antiaderentes”. 

Segundo vários posts, na produção do teflon são utilizadas substâncias que os autores destas publicações das redes sociais descrevem como prejudiciais à saúde. São elas os PFAS (perfluoroalquil e polifluoroalquil), nas quais se incluem os PFOA (ácidos perfluorooctanóicos) e os PFOS (sulfonatos de perfluorooctano).

PUB

“Este ácido [PFOA] é comprovadamente tóxico, e os seus resíduos são absorvidos pelo ambiente e pelo nosso organismo”, pode ainda ler-se numa das publicações que está a ser partilhada.

Mas estas alegações são verdadeiras? Confirma-se que as panelas e frigideiras antiaderentes são perigosas para a saúde? E quais os cuidados a ter na utilização destes utensílios de cozinha?

É verdade que as panelas e frigideiras antiaderentes são perigosas para a saúde? 

frigideiras antiaderentes

A utilização das panelas e frigideiras antiaderentes na confeção de alimentos não constitui, aos dias de hoje, um perigo para a saúde

Em primeiro lugar, existe pouca evidência científica que sugira que os PFAS sejam absorvidos pelos alimentos durante a confeção em quantidades suficientes para causar problemas de saúde ou para potenciar um aumento do risco de cancro. 

Além disso, o uso de ácidos perfluorooctanóicos (PFOA) na produção de utensílios de cozinha está proibido tanto nos Estados Unidos da América quanto na Europa, pelo que as frigideiras atualmente comercializadas nestas regiões não contêm esta substância. Logo, são consideradas seguras.

Em declarações ao Viral, José Camolas, vice-presidente da Ordem dos Nutricionistas e professor na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e no Instituto Egas Moniz, nega que seja perigoso utilizar panelas e frigideiras antiaderentes. 

O nutricionista reconhece que “existem informações que alertam para o facto de alguns materiais usados no revestimento de utensílios de cozinha poderem soltar parte dos componentes durante o processo de confeção”. Contudo, sublinha, “a investigação científica é ainda muito incipiente”.

“Há um conjunto de substâncias a entrar em contacto com os seres humanos e com o ambiente – muitas delas moléculas novas, sintéticas – para as quais ainda não somos capazes de prever os efeitos potencialmente negativos”, acrescenta o nutricionista.

PUB

Também a Sociedade Americana contra o Cancro sublinha que “não existem provas de que o uso dos produtos [que contêm PFAS] seja um risco para os seres humanos”. 

A organização garante que, mesmo tendo os PFAS terem sido “usados para produzir os revestimentos” destes utensílios de cozinha, as substâncias “não estão presentes nos produtos finais (ou estão presentes em quantidades extremamente pequenas)”.

A proibição do uso PFOA nos Estados Unidos e na Europa

frigideiras antiaderentes

Devido às preocupações ambientais e aos potenciais riscos para a saúde associados aos PFOA, os Estados Unidos da América e a Europa proibiram a utilização destas substâncias na produção do teflon. Por isso, atualmente, os PFOA já não entram na produção de panelas e frigideiras comercializadas nestas regiões do mundo.

“Desde 2009, o PFOA e seus derivados (PFOS) foram incluídos na Convenção Internacional de Estocolmo para que fosse eliminado o seu uso”, avança a Agência Europeia dos Químicos (ECHA, na sigla inglesa). 

Também “os PFOS estão restritos na União Europeia (UE) há mais de 10 anos, de acordo com o Regulamento de Poluentes Orgânicos Persistentes (POPs) da UE”.

É por este motivo que, muitas vezes, nas embalagens e nas descrições dos utensílios de cozinha antiaderentes se encontra a seguinte referência: “livre de PFOA”. 

Os PFOA foram substituídos por HFPO (óxido de hexafluoropropileno), mais conhecido como GenX. Segundo a Sociedade Americana contra o Cancro, “estes químicos não existem há tempo suficiente para os investigadores compreenderem completamente se podem ter os mesmos (ou até diferentes) efeitos na saúde”.

Com base no conhecimento atual, João Noronha, professor da área de segurança alimentar da Escola Superior Agrária de Coimbra (ESAC), considera que o risco de cancro associado ao uso de panelas e frigideiras antiaderentes “não é algo muito preocupante”. 

PUB

Contudo, o professor ressalva que, com o avançar da ciência, “há compostos que são agora considerados seguros e, posteriormente, podem deixar de o ser”.

Os PFOA e o aumento do risco de cancro

frigideiras antiaderentes

Por serem moléculas muito estáveis, os PFAS mantêm-se no organismo humano durante muito tempo. A comida é uma das principais fontes de exposição a PFAS (seja pela contaminação dos solos ou pelo contacto com embalagens alimentares), mas também a ingestão de água.

A Sociedade Americana contra o Cancro informa que já foram encontrados PFAS na corrente sanguínea dos humanos, em praticamente todo o mundo. No entanto, os níveis mais elevados foram encontrados “em comunidades onde o abastecimento de água local foi contaminado por PFAS” ou em grupos de pessoas que foram “expostas a PFAS no local de trabalho”.

O PFOA, em concreto, pode ser encontrado em baixos níveis na comida, na água e no pó doméstico. A ciência tem-se focado nos efeitos do PFOA para a saúde, uma vez que, antes das proibições entrarem em vigor, era a substância do grupo dos PFAS mais utilizada.

De facto, os PFOA estão identificados como “possivelmente cancerígenos”, no grupo 2B (que representa baixa probabilidade cancerígena para o Homem), segundo a classificação do Centro Internacional de Investigação sobre o Cancro (IARC, na sigla inglesa), que faz parte da Organização Mundial de Saúde.

Uma das principais preocupações em relação aos utensílios que continham estas substâncias era a possibilidade de que, durante a confeção, os químicos PFAS – em particular os PFOA – se separassem da camada antiaderente e contaminassem os alimentos. Esta separação poderia ser potenciada pela utilização de temperaturas extremamente altas.

Um artigo publicado em 2017 avançava que temperaturas “superiores a 260ºC” poderiam levar a resina do teflon a produzir “vapores de polímero no ambiente de trabalho”. Se a temperatura ultrapassar os 400ºC, ocorreria a “pirólise [decomposição química do material] do PTFE (teflon)”.

PUB

Os autores do referido artigo sublinhavam ainda que “apenas alguns estudos descrevem a toxicidade do PTFE, mas sem conclusões sólidas”, sendo que as consequências da ingestão deste componente “também não são compreendidas” pela ciência.

Por outro lado, vestígios de PFOA foram “detetados em gás libertado pelos utensílios de cozinha em temperaturas normais de cozedura”.

De acordo com a Sociedade Americana contra Cancro, os estudos realizados em humanos sugerem que a exposição prolongada a PFOA está associada a um aumento do risco de cancro testicular e cancro dos rins.

Alguns estudos avançam ainda uma possível ligação com cancro da mama, cancro na tiroide, na bexiga e nos ovários. No entanto, estas associações não são ainda claras e, por isso, “são precisos mais estudos para clarificar estas descobertas”.

Uma revisão sistemática, publicada em 2017, analisou 221 estudos científicos que se focaram no impacto dos PFAS na saúde dos seres humanos. 

As populações estudadas incluíam “pessoas que trabalhavam em fábricas de manufatura destes químicos, bombeiros, pessoas com uma exposição mais elevada devido à contaminação das reservas de água e pessoas da comunidade geral, cujo nível de exposição foi apurado através da medição de químicos PFAS no corpo”.

As conclusões da análise apontam “evidência suficiente” para afirmar que a presença de PFOS ou PFOA no organismo “pode levar a níveis de colesterol no sangue mais elevados”.

Foi ainda identificada “evidência limitada, num pequeno número de estudos relevantes, de que a exposição a PFAS pudesse causar cancro dos rins ou testicular”.

Os autores descobriram que o nível alto de PFAS no sangue está relacionado com a redução da “função dos rins ou está associado a doença renal crónica”.

No entanto, ressalvam que esta situação pode ser uma “causa reversa”, ou seja, “uma vez que os químicos PFAS são excretados pelos rins, é possível que os PFAS não causem a redução da função renal, mas que a reduzida função renal, por outras causas, aumente o nível de PFAS no sangue”.

PUB

João Noronha sublinha que os estudos realizados se focam na exposição prolongada a esta substância, pelo que as consequências dos PFAS não seriam “muito comuns” durante a utilização esporádica dos utensílios de cozinha com camada antiaderentes que contivessem estas substâncias.

Quais os sinais de que deve deitar fora as panelas e frigideiras?

frigideiras antiaderentes

O desgaste e degradação da camada antiaderente pode levar a um aumento do risco de exposição aos componentes químicos que a compõem. “Quando o material apresenta desgaste, o risco de contaminação aumenta e, por isso, deve ser trocado”, alerta José Camolas.

É importante reconhecer quando os utensílios devem ser mudados: uma panela ou frigideira que apresente uma grande quantidade de riscos, cuja camada antiaderente esteja a desfazer-se ou onde sejam visíveis zonas descoloradas mais escuras pode já não estar em condições para a confeção de alimentos. 

Por forma a evitar a degradação da camada antiaderente, deve-se evitar o uso de utensílios de metal para mexer a comida, optando-se pelos utensílios de silicone ou madeira. Além disso, é também importante seguir as “boas práticas de higienização”, aconselha o nutricionista, e ter em conta as indicações dos fabricantes.

Em suma, não há evidência científica suficiente para afirmar que o uso de panelas e frigideiras antiaderentes represente um perigo para a saúde. Além disso, as substâncias que levantavam preocupações pelos seus potenciais riscos para a saúde já não são utilizadas na produção destes utensílios de cozinha tanto na Europa quanto nos EUA.

LER MAIS ARTIGOS DO VIRAL:

PUB
falso

Categorias:

Alimentação

19 Fev 2023 - 01:27

Partilhar:

PUB