
Fones com cancelamento de ruído fazem mal à audição? O que se sabe até agora
Nas redes sociais, partilham-se várias publicações em que se alerta para os supostos perigos dos fones (auscultadores) com cancelamento de ruído para a saúde auditiva. Segundo o autor de um vídeo do TikTok, “o cérebro filtra naturalmente o barulho de fundo, mas estes fones impedem-no de treinar essa capacidade”.
Por isso, acrescenta, “mais e mais jovens pensam que têm perda auditiva, quando, na verdade, os seus cérebros têm apenas dificuldade em processar a diferença entre ruído de fundo e vozes”. Mas será mesmo assim? Há evidência científica de que os fones com cancelamento de ruído fazem mal à audição?
Está provado que os fones com cancelamento de ruído fazem mal à audição?
Em declarações ao Viral, Leonel Luís, otorrinolaringologista no Hospital Lusíadas Amadora e diretor do serviço de otorrinolaringologia da Unidade Local de Saúde de Santa Maria, adianta que, até à data, “não existem estudos que apontem nesse sentido”, ou seja, não há evidência científica que sugira que os fones com cancelamento de ruído causam problemas auditivos.
De facto, tal como é referido nas publicações em análise, “o nosso cérebro e as nossas vias auditivas centrais têm a capacidade de fazer um cancelamento do ruído e uma filtragem do som”, explica o otorrinolaringologista.
No entanto, não há nada que prove que a utilização adequada de fones com cancelamento de ruído possa reduzir essa capacidade natural do cérebro. Até porque, à partida, “estes fones não são utilizados durante 24 horas”, todos os dias.
Na perspetiva de Leonel Luís, os fones com cancelamento de ruído, tal como os fones sem essa capacidade, só podem tornar-se prejudiciais para a saúde auditiva se forem utilizados durante muito tempo e/ou com um volume muito alto.
Além disso, “não há evidência, nem faz sentido que estes fones causem qualquer problema em termos de processamento auditivo”, desde que, mais uma vez, sejam utilizados de forma adequada.
Em teoria, “uma criança que utilize estes aparelhos de forma massiva, a toda a hora, como ainda está em desenvolvimento, pode não desenvolver a capacidade de diferenciar os vários sons”, esclarece. Contudo, estes são casos extremos e hipotéticos.
Além disso, os fones com cancelamento de ruído poderão ter alguns benefícios em relação aos convencionais (ver aqui e aqui). Tal como explica Leonel Luís, estes aparelhos cancelam o som “de forma passiva (ao isolarem o som exterior) e de forma ativa, emitindo um som contrário, simétrico, ao ruído que está a ser produzido”.
Isto permite ouvir música ou qualquer outro som sem ser necessário aumentar muito o volume. O médico dá um exemplo: “Uma pessoa está num avião e põe uns fones que não têm cancelamento de ruído. Vai acabar por pôr o volume muito alto para conseguir ouvir o som sobre o ruído ambiente. Isso é extraordinariamente traumático [para o ouvido]”.
Por outro lado, prossegue, “se tiver uma forma de cancelar o ruído já vai conseguir ouvir um som com o volume muito mais baixo”. Por isso, defende o especialista, poderá ser “melhor utilizar fones com cancelamento de ruído num ambiente ruidoso do que não o fazer”.
Além disso, os fones com cancelamento de ruído também podem ser úteis na redução do “ruído passivo”, por si só. “Usar tampões ou fones com proteção de ruído em determinados trabalhos, por exemplo, é vantajoso”, explica (ver também aqui, aqui e aqui).
Quais os cuidados a ter na utilização de fones com cancelamento de ruído?
Segundo Leonel Luís, os cuidados a ter com os fones com cancelamento de ruído, em termos de saúde auditiva, são essencialmente os mesmos que se devem ter com os fones convencionais: utilizá-los para ouvir sons num volume adequado e fazer pausas.
Num texto informativo, publicado pelo Instituto Nacional de Surdez e outras Desordens de Comunicação (NIDCD, na sigla inglesa) dos Estados Unidos da América, explica-se que “o som é medido em unidades denominadas decibéis”, sendo que “os sons iguais ou inferiores a 70 decibéis ponderados A (dBA), mesmo após uma longa exposição, não são suscetíveis de causar perda de audição”.
No entanto, lê-se no mesmo texto, “a exposição prolongada ou repetida a sons iguais ou superiores a 85 dBA pode causar perda de audição” e, “quanto mais alto for o som, mais curto será o tempo necessário” para isso acontecer.
Por exemplo: uma “conversa normal” tem “60-70 dBA”; um filme passado no “cinema” tem “74-104 dBA”; o barulho das motas tem “80-110 dBA”; “a música através de auscultadores no volume máximo, eventos desportivos e concertos” têm “94-110 dBA”; “sirenes” têm “110-129 dBA”; e um “espetáculo de fogo de artifício” tem “140-160 dBA”.
Além do volume, é importante não utilizar fones durante muito tempo e fazer pausas entre as utilizações. Num texto informativo da Faculdade de Saúde da Universidade de Utah deixa-se um conselho: “Se tiver de utilizar os auscultadores diariamente, não se esqueça de fazer intervalos para permitir que os seus ouvidos recuperem”.