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Excesso de dopamina causa burnout?

19 Jan 2025 - 08:58
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Excesso de dopamina causa burnout?

Sente-se constantemente aborrecido, com dificuldades em iniciar atividades e sem energia? Nas redes sociais apresenta-se um “diagnóstico” para estes sintomas: burnout causado por excesso ou “adição” de dopamina – também conhecida como uma das “hormonas da felicidade”.

Pela definição da Organização Mundial de Saúde, o burnout é uma situação que “resulta de stress crónico no local de trabalho que não foi gerido com sucesso”.

Está associado a “sentimentos de esgotamento ou exaustão de energia”, “aumento da distância mental do trabalho”, “sentimentos de negativismo ou cinismo relacionados com o trabalho” e “eficácia profissional reduzida”. Mas será verdade que o excesso ou a “adição” de dopamina são causa de burnout?

Excesso ou adição de dopamina causa burnout?

Em declarações ao Viral, Paula Freitas, professora na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e presidente da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo (SPEDM), explica que “não há evidências que suportem a ideia de que o excesso de dopamina leva ao burnout”.

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Pelo contrário, “o burnout está mais frequentemente associado a uma diminuição dos níveis de dopamina”, acrescenta.

A dopamina “é um neuromodulador” que possibilita a comunicação entre neurónios. Atua como uma “recompensa” perante atividades positivas para o indivíduo e proporciona sensações de prazer, satisfação e bem-estar. É, por isso, conhecida como uma das “hormonas da felicidade”.

A endocrinologista lembra que alguns dos sintomas de burnout passam por “falta de motivação e diminuição da satisfação no trabalho”. Estes sintomas são contrários aos efeitos da dopamina e, por isso, podem estar associados a um potencial “défice de dopamina”.

Nem o excesso, nem o défice de dopamina são causas para a síndrome de burnout. Paula Freitas lembra que este se trata de “um fenómeno complexo”, influenciado por “múltiplos fatores, principalmente relacionados com o ambiente de trabalho e as características individuais”.

Também Liliana Dias, psicóloga clínica especialista em saúde ocupacional, afirma que o burnout “não acontece por ação de uma única substância”, mas resulta de “uma interação complexa de vários fatores psicológicos e fisiológicos”.

“O burnout não é uma doença mental, é uma síndrome que se desenvolve em contexto de trabalho e que corresponde a um estado de exaustão física, mental e emocional”, adianta a especialista. 

Esta situação pode surgir quando o trabalhador “não tem recursos para responder às exigências que enfrenta no dia a dia” – seja recursos individuais, de equipa ou da própria organização para onde trabalha.

Numa situação de burnout, o indivíduo irá ver “os níveis de satisfação perante a atividade laboral comprometidos”, ou seja, “perde a capacidade de sentir prazer no trabalho”, prossegue a psicóloga. 

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Por essa razão, “é normal” que o trabalhador em burnout tenha “níveis de dopamina mais baixos quando realiza atividades laborais”, sublinha Liliana Dias.

A ciência tem procurado biomarcadores para o burnout, contudo, a evidência existente é pouco robusta e contraditória. 

Numa revisão narrativa, publicada em 2019, explica-se que “este campo [de investigação] enfrenta muitos desafios metodológicos”, seja ao nível dos parâmetros analisados, seja devido à “heterogeneidade das definições e medições de stress e burnout”.

Em jeito de conclusão, as investigadoras afirmam que “a investigação existente não pode confirmar quaisquer alterações endocrinológicas ou imunológicas fiáveis ​​relacionadas com o burnout”.

Sabe-se, contudo, que os principais sintomas de burnout são exaustão emocional, despersonalização e baixa realização profissional. Esta situação pode levar o indivíduo a sentir-se cansado na maioria do tempo, com dores de cabeça, lombares e musculares, alteração de apetite e nos padrões de sono.

Ao nível emocional, são comuns os sentimentos de fracasso, derrota, desamparo e solidão, assim como a falta de motivação, a diminuição de satisfação e realização profissional e o negativismo. 

Liliana Dias acrescenta que o burnout pode inclusive “afetar o desempenho do trabalhador”, levando a uma “perda de produtividade”.

Quais os sintomas de excesso de dopamina?

A libertação de dopamina está associada a atividades prazerosas – como, por exemplo, comer alimentos que gosta, praticar exercício físico, conviver com pessoas próximas, realizar um hobby ou ter relações sexuais -, contudo, existem situações que podem levar a uma produção excessiva da “hormona da felicidade”.

Uma dessas situações é o consumo de drogas estimulantes (como a cocaína, anfetaminas e metanfetaminas), refere Paula Freitas. Estas drogas “aumentam os níveis de dopamina” através do “bloqueio da sua recaptação” ou pela “estimulação da sua libertação”. 

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A “super-estimulação do sistema de recompensa” – que ocorre em jogos de azar, pornografia ou na ingestão alimentos altamente palatáveis – pode levar à criação de um “ciclo de libertação excessiva de dopamina”.

O excesso de dopamina é associado a uma “excitação exagerada do sistema de recompensa, o que pode originar comportamentos compulsivos e de risco – como abuso de substâncias, compulsão alimentar ou vício em jogos de azar”, explica Paula Freitas. Pode também “amplificar as respostas emocionais e aumentar a reatividade aos estímulos”, acrescenta.

É também possível identificar níveis elevados de dopamina em pacientes com Parkinson (devido ao uso de alguns medicamentos), em pessoas com distúrbios neurológicos e psiquiátricos (como, por exemplo, esquizofrenia) ou em pacientes com tumores no hipotálamo ou em outras áreas cerebrais.

Perante níveis elevados de dopamina, o indivíduo pode sentir “euforia extrema, hipervigilância e uma sensação de energia descontrolada”. Poderá também sofrer de “ansiedade, paranoia ou delírios”, desenvolver “comportamentos impulsivos, compulsivos, antissociais” ou aumentar os níveis de “agressividade”.

Ao nível físico, o excesso de dopamina poderá estar associado a um “aumento da frequência cardíaca ou da pressão arterial”, ocorrência de “tiques ou movimentos involuntários”, náuseas e vómitos.

Poderá também manifestar dificuldade em “manter o foco por períodos longos devido à sobrecarga do sistema dopaminérgico”, acrescenta a endocrinologista. Em casos graves, poderá também ter “alucinações visuais e auditivas”.

Em suma: não existe evidência científica que valide a alegação de que a síndrome de burnout é causada por excesso de dopamina. Pelo contrário, um dos sintomas de burnout é a falta de satisfação em contexto laboral, o que pode estar associado com uma redução de dopamina.

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O excesso de dopamina poderá ocorrer em situações de consumo de drogas estimulantes, realização de atividades super-estimulantes para o sistema de recompensa ou pode estar associado à toma de alguns fármacos.

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