Está provado que o shilajit aumenta a testosterona e “acorda mais do que um café”?
Num vídeo partilhado no TikTok recomenda-se a toma de suplementos de shilajit. Segundo o autor do post, o shilajit tem “85 minerais essenciais”, aumenta a testosterona e “acorda mais do que um café”. Mas existe evidência científica que comprove estes benefícios?
Suplementos de shilajit aumentam a testosterona e acordam mais do que um café?
Não está provado que os suplementos de shilajit aumentam a testosterona e não há evidência que permita comparar o efeito da cafeína com a possível ação destes produtos.
Quem o diz, em declarações ao Viral, é João Costa, farmacologista, toxicologista e investigador do Centro de Investigação em Biociências e Tecnologias da Saúde (CBIOS) da Universidade Lusófona, e Rita Oliveira, professora do mestrado em Ciências Farmacêuticas da Faculdade de Ciências da Saúde da Universidade Fernando Pessoa (UFP).
João Costa começa por explicar que o shilajit “é um conjunto de substâncias extraído de rochas montanhosas” utilizado “há muitos anos na medicina tradicional”.
Trata-se de uma mistura de “matéria orgânica e inorgânica, composta por plantas e microorganismos e rico em vários minerais”, acrescenta.
Historicamente, o shilajit tem sido associado a “rejuvenescimento, longevidade, aumento de força (principalmente nos homens) e aumento de algumas funções cognitivas”, refere o investigador.
Segundo Rita Oliveira, em termos de evidência científica, “a ciência tem investigado o shilajit”, mas “a maior parte dos estudos são in vitro [em células] ou em animais”.
Os poucos estudos que existem, tanto em animais como em humanos, indicam que o shilajit pode ter “propriedades antioxidantes, anti-inflamatórias, melhorar o efeito cognitivo e de memória e ter algum efeito imunomodulador”, adianta João Costa (ver aqui).
Rita Oliveira destaca ainda que alguma evidência, pouco robusta, indica que o shilajit pode ter alguma ação positiva na “fadiga e adaptação musculoesquelética ao exercício” (ver aqui e aqui) e na “saúde cardiovascular”.
Além disso, parece haver estudos que sugerem um benefício na saúde óssea, no “efeito antienvelhecimento da pele” e na “promoção de colagénio”, acrescenta.
Em relação à suposta influência nos níveis de testosterona, “parece haver alguma evidência” – sobretudo “em estudos feitos em animais” – a indicar que o shilajit pode “aumentar os níveis de testosterona”, aponta João Costa.
No entanto, só “existem dois estudos clínicos que referem o aumento dos níveis de testosterona em indivíduos do sexo masculino” (ver aqui e aqui).
Num desses trabalhos estudou-se um grupo de homens, entre os 45 e os 55 anos, e os investigadores sugeriram que “o tratamento com shilajit durante 90 dias consecutivos aumentou significativamente a testosterona total”.
Ainda assim, assinala João Costa, este estudo tem algumas limitações, como o facto de o grupo estudado ser composto por “pessoas da mesma região” e de a amostra aprovada para o estudo não ser muito representativa.
Por isso, apesar de alguns estudos apontarem que o shilajit proporciona um aumento dos níveis de testosterona, na perspetiva do farmacologista, são necessárias mais investigações, uma vez que a evidência atual “não é sólida nem robusta”.
No que diz respeito à comparação feita entre o efeito da cafeína e a possível ação do shilajit, segundo Rita Oliveira, “de momento, não existem estudos científicos que permitam suportar esta afirmação”.
Na perspetiva de João Costa nem faz sentido comparar uma coisa com a outra. Isto porque “os mecanismos de ambos são diferentes”, já que “o shilajit não tem um efeito estimulante direto e rápido como a cafeína”.
Enquanto que com a cafeína “temos um boost”, ou seja, “conseguimos estar num estado de vigília e de alerta muito imediato”, no caso do shilajit o possível benefício nesse sentido verifica-se “mais a médio prazo”, esclarece.
O possível efeito positivo do shilajit nos níveis de energia é conseguido “de forma mais gradual, com o aumento de energia nas próprias células”.
Isto, teoricamente, pode até “melhorar o sono e reduzir o stress”, o que acaba por ser “uma ação oposta à da cafeína”, que “nos coloca num estado de vigília e agitação durante algumas horas”, salienta.
Ainda assim, mais uma vez, a evidência científica neste contexto também não é robusta.
Em jeito de conclusão, Rita Oliveira refere que “o shilajit tem sido investigado e, de acordo com os resultados obtidos, pode ser um ingrediente ativo promissor, mas carece de ensaios clínicos bem desenhados e com uma amostra adequada para se poderem tirar conclusões mais assertivas”.
João Costa também defende “a necessidade de serem realizados mais estudos, quer em animais (pré-clínicos), quer em humanos (clínicos), até mais no sentido de se pensar num possível medicamento que tivesse algum efeito”.
Quais os possíveis riscos associados à toma de suplementos de shilajit?
O facto de um produto ser natural não significa que seja isento de riscos. Esta ideia é reforçada por João Costa, que aponta algumas considerações a ter antes de se tomar shilajit ou qualquer outro suplemento alimentar.
Hoje, é comum que “a população mais jovem procure um aumento dos níveis de testosterona para um ganho de massa muscular, por exemplo”, aponta (ver aqui).
Mas, na verdade, “indivíduos jovens que tenham níveis de testosterona normais” não beneficiam da toma de suplementos ou medicamentos que subam esses níveis.
Neste contexto, “está descrito que níveis elevados podem levar, por exemplo, a eventos trombóticos”, avisa.
Por outro lado, o facto de a venda dos suplementos não ser controlada da mesma forma que a venda dos medicamentos também pode apresentar mais riscos do que benefícios.
“A comercialização dos suplementos alimentares é muito facilitada”, porque “não é necessário demonstrar qualidade, segurança e eficácia”, explica.
No caso dos produtos de contêm shilajit, este conjunto de substâncias pode vir de “regiões montanhosas de todo o mundo, sobretudo nos Himalaias, Índia, Rússia, China, Irão, Tibete, entre outros”, realça Rita Oliveira.
Com origens tão diferentes, salienta João Costa, os produtos “seguramente vão ter composições muito diferentes”, o que vai sempre influenciar a qualidade, a segurança e a eficácia.
Além disso, por terem composições diferentes e por essa composição não ser devidamente controlada, existe “um risco de contaminação”, neste caso, “de metais pesados, microrganismos e substâncias químicas”, prossegue o especialista.
A par da falta de controlo na comercialização está o acesso livre e fácil. Por falta de conhecimento, muitas vezes, as pessoas podem estar expostas não só “a uma falsa sensação de efeito”, mas também “a um risco de sobredosagem e contaminação”, sustenta João Costa.
É importante não esquecer que os suplementos também podem interagir com medicamentos, o que pode ser um risco “para pessoas que tomem medicação crónica para alguma patologia”, realça.
Assim, é fundamental que se consulte um profissional de saúde antes de tomar qualquer suplemento. No caso do shilajit, destaca Rita Oliveira, “as contraindicações não estão devidamente estudadas, pelo que pessoas com condições crónicas não deverão utilizar este tipo de suplementos sem aconselhamento médico”.
Por exemplo, como “existem estudos que indicam que o shilajit baixa a glicemia [açúcar no sangue] em jejum, este não deve ser usado em pessoas medicadas com antidiabéticos”, acrescenta.
Este artigo foi desenvolvido no âmbito do European Media and Information Fund, uma iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian e do European University Institute.
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