Comer sementes de maçã é tóxico para a saúde?
“Não coma o caroço e a semente dessas frutas.” É este o alerta partilhado num vídeo do TikTok em que – à semelhança do que se diz noutras publicações das redes sociais – se alega que comer caroços e sementes de maçã, pera, cereja, damasco e pêssego é tóxico para a saúde.
Na legenda do vídeo em causa lê-se que os caroços e as sementes desta frutas possuem “um composto chamado amigdalina” que, quando “em contacto com as enzimas do corpo humano, liberta cianeto, substância capaz de gerar dor de cabeça, confusão mental e vómitos”.
Mas será mesmo assim? É perigoso para o ser humano ingerir ocasionalmente caroços e sementes destas frutas?
Caroços e sementes de maçã têm amigdalina e podem libertar cianeto?
O vídeo em análise tem um fundo de verdade, mas os riscos apresentados são exagerados, pois a reação descrita só ocorre em determinadas condições.
De facto, os caroços e sementes de maçã, cereja, alperce e pêssego contêm uma substância chamada amigdalina, que faz parte dos glicosídeos cianogénicos, e que, quando em contacto com determinadas enzimas, pode libertar cianeto. No entanto, a quantidade ingerida quando se come, ocasionalmente, uma destas sementes não é suficiente para causar uma reação lesiva para a saúde.
Em declarações ao Viral, Duarte Torres, docente na Faculdade de Ciências da Nutrição e Alimentação da Universidade do Porto (FCNAUP) e investigador no Instituto de Saúde Pública da mesma universidade, começa por explicar que a “amigdalina está mais concentrada nos caroços ou sementes das plantas da família rosácea”, nos quais se inclui muitas das árvores de fruto.
“De facto, a libertação ocorre em determinadas condições”, acrescenta. Mas que condições são essas?
A libertação de cianeto a partir de glicosídeos cianogénicos ocorre devido à ação das enzimas glicosidases. Estas enzimas existem no sistema digestivo humano, sendo produzidas por bactérias que fazem parte da flora intestinal, e também na própria semente da planta, num compartimento celular separado.
Para que ocorra uma reação entre os glicosídeos cianogénicos e as enzimas, o caroço tem de ser quebrado ou triturado, libertando os compostos.
“Só quando as barreiras que existem entre os compartimentos celulares são destruídas – o que pode ocorrer durante a mastigação – é que as enzimas entram em ação”, explica o especialista em toxicologia.
Por outro lado, quando a semente é ingerida inteira, não existe contacto entre as enzimas e os glicosídeos cianogénicos, porque estes componentes da fruta “atravessam o tubo digestivo de forma mais ou menos inalterável”.
Duarte Torres explica que tanto as sementes como os caroços têm uma camada exterior que é “insolúvel e resistentes aos ácidos do estômago, tanto químicos como enzimáticos”, sendo, por isso, “resistente a todos os processos digestivos”.
“Sem que ocorra trituração mecânica do caroço, as nossas enzimas não têm capacidade de aceder – ou acedem residualmente – aos glicosídeos cianogénicos”, explica o especialista, sublinhando que a libertação de cianeto “só acontece quando há trituração”.
Cianeto provoca dor de cabeça, confusão mental, vómitos?
O cianeto é um químico considerado tóxico para o ser humano. A exposição a pequenas doses deste químico podem causar dores no peito, confusão, tonturas, dores oculares, dificuldade respiratória, náuseas, dores de cabeça, vómitos ou confusão, avança o Centro norte-americano de Controlo e Prevenção de Doença.
No entanto, como em muitos outros casos, a dose faz o “veneno”. Duarte Torres adianta que a quantidade de cianeto libertada pela ação das enzimas numa semente ou caroço “não é suficiente” para provocar danos na saúde do indivíduo.
“Se houver um consumo muito exagerado, pode ocorrer intoxicação, mas isso não é plausível para níveis de consumo baixo”, sublinha o especialista, acrescentando ainda que “ninguém tritura caroços para comer”.
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), a tolerância diária ao cianeto é de 0,045mg/kg, o que, para uma pessoa com 70kg representa 3,15mg. O cianeto pode também ser encontrado, ocasionalmente, em alimentos produzidos nos países em desenvolvimento e em reservas de água, normalmente associada à contaminação industrial.
Em conclusão, é verdade que as sementes e caroços de determinadas frutas contêm amigdalina e que este composto, quando em contacto com determinadas enzimas, pode libertar cianeto. No entanto, para que tal aconteça é necessário que a semente ou caroço seja triturada ou mastigada e é necessário ingerir uma grande quantidade para haver um efeito tóxico.
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Este artigo foi desenvolvido no âmbito do European Media and Information Fund, uma iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian e do European University Institute.
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