Comer arroz aquecido é perigoso para a saúde?
Num vídeo do TikTok defende-se que “não se pode” comer arroz aquecido de um dia para o outro.
O autor da publicação alega que no Japão, em 1921, “proibiram as pessoas de comer arroz requentado” devido a um surto de “beribéri cardíaco”, uma doença que “paralisa e pode levar à morte”.
Nesse sentido, o autor do vídeo refere que o arroz é “um dos alimentos que mais desenvolve fungos”.
Na mesma publicação, diz-se que o arroz feito de manhã precisa de ser colocado no frigorífico e só pode ser consumido até ao final do dia. Se for cozinhado à noite, “pode ser comido na manhã seguinte”. Por outro lado, alega-se, se tiverem passado 24 horas, o arroz vai ter “fungos e toxinas que podem ser cancerígenas”. Mas será assim mesmo?
É verdade que comer arroz aquecido é perigoso para a saúde?
Questionada sobre se comer arroz aquecido é perigoso para a saúde, Isabel Ratão, professora na área da segurança alimentar no Instituto Superior de Engenharia da Universidade do Algarve, responde que tudo “depende” do modo como for “aquecido ou conservado” o arroz.
Isabel Ratão explica que a comida aquecida “não representa qualquer perigo”, se for “arrefecida rapidamente, conservada em refrigeração e reaquecida uniformemente acima dos 72 ºC”.
No mesmo sentido, num texto informativo publicado na página da Autoridade de Segurança Alimentar e Económica (ASAE) assinala-se que um “controlo inadequado de temperatura” de alimentos de elevado risco é a maior causa de intoxicação alimentar.
A professora na Universidade do Algarve refere que “não faz sentido” dizer que o arroz é um dos alimentos que mais desenvolve fungos.
“Qualquer alimento desenvolve fungos, desde que seja contaminado por eles e apresente as condições de pH, temperatura e humidade adequadas para o seu desenvolvimento”, esclarece.
Num documento da Organização Mundial de Saúde e do Instituto Nacional de Saúde Dr. Ricardo Jorge, o arroz cozinhado está incluído numa lista de alimentos que apresentam “condições ideais” para o crescimento de microrganismos. Na mesma lista estão a carne, o peixe, a massa cozinhada, o leite, o queijo e os ovos.
Segundo Isabel Ratão, o arroz costuma ter uma bactéria (Bacillus cereus) que produz esporos que não são eliminados pelo calor. Nesse sentido, os esporos “podem germinar” quando o arroz arrefece, dando origem à produção de toxinas.
De acordo com a ASAE, para prevenir a contaminação de Bacillus cereus, deve haver “arrefecimento rápido dos alimentos” que vão ser armazenados a temperaturas de refrigeração, para que não ocorra germinação de esporos, e aquecer os alimentos a temperaturas “suficientes para que sejam destruídas as formas vegetativas”.
A professora universitária especifica que, quando “deixado à temperatura ambiente” depois de cozinhado, o arroz tem a “humidade e temperatura suficientes” para os microorganismos que se desenvolvam.
Por outro lado, “antes de cozinhado, se for conservado em ambiente húmido por muito tempo, pode desenvolver fungos e, consequentemente, possuir toxinas já no momento da cozedura, assim como a maioria dos alimentos comercializados secos”. No entanto, ressalva, “este facto nada tem que ver com aquecimento do arroz após ser cozinhado”.
Ainda assim, Isabel Ratão considera que o Bacillus cereus “é muito mais preocupante, uma vez que as bactérias se reproduzem muito mais rapidamente do que os fungos”.
Como conservar e aquecer o arroz de forma segura?
Nesse sentido, depois de cozinhado, o arroz “deve ser arrefecido rapidamente”, em menos de uma hora, e colocado “em refrigeração”, a 4ºC ou inferior, até voltar a ser aquecido, recomenda.
Por outro lado, deve ser aquecido a “temperaturas altas, nunca inferiores a 72 ºC”.
A ASAE refere que as bactérias responsáveis pela deterioração dos alimentos podem multiplicar-se entre os 5 ºC e os 65 ºC, por isso, esse intervalo de temperaturas é considerado uma “zona de risco”.
Questionada sobre quantos dias depois de confecionado é seguro comer arroz aquecido, a professora na área da segurança alimentar diz que isso “depende” das condições de arrefecimento e da temperatura de conservação. “Não é seguro indicar um número de dias”, conclui.
Noutro plano, Isabel Ratão clarifica ainda ainda que a beribéri “nada tem que ver com fungos”, ao contrário do que é referido no vídeo que circula nas redes sociais.
Este artigo foi desenvolvido no âmbito do European Media and Information Fund, uma iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian e do European University Institute.
The sole responsibility for any content supported by the European Media and Information Fund lies with the author(s) and it may not necessarily reflect the positions of the EMIF and the Fund Partners, the Calouste Gulbenkian Foundation and the European University Institute.
Categorias:
Etiquetas: