Chá de hortelã é um tratamento aprovado para o hirsutismo?
O chá de hortelã está a ser apresentado nas redes sociais como um “tratamento alternativo” e eficaz para tratar o hirsutismo, uma condição que resulta no aparecimento excessivo de pelos nas mulheres. Garante-se que esta planta “reduz os níveis de testosterona” no sangue das mulheres, associado ao fortalecimento dos pelos. Mas será este um tratamento aprovado para o hirsutismo?
As ervas e os produtos à base de plantas são, muitas vezes, apresentados como formas de tratamento para as mais diversas doenças. Nas redes sociais, afirma-se que o chá de hortelã é eficaz no tratamento de hirsutismo – uma condição que se caracteriza pelo aparecimento de pelos grossos e escuros na face, costas e seios das mulheres, associado a uma anormal quantidade de hormonas masculinas no sangue.
Numa dessas publicações de Facebook, refere-se que a hortelã “é um excelente remédio e pode ser um tratamento alternativo para o hirsutismo”. Numa outra partilha, pode ler-se que o chá à base desta planta “atua no tratamento contra [síndrome do] ovário poliquístico, reduz os níveis de testosterona e trata o hirsutismo”. Mas o que diz a ciência sobre estas alegações? O chá de hortelã é um tratamento aprovado para o hirsutismo?
É verdade que o chá de hortelã é um tratamento para o hirsutismo?
As alegações feitas nestas publicações exemplificativas não são totalmente verdadeiras: o chá de hortelã não é considerado um tratamento para o hirsutismo, ou seja, não foi comprovado cientificamente que beber este chá trate a doença nem o consumo desta infusão é recomendada para esse fim pela comunidade médica.
De facto, dois estudos mostraram que o chá de hortelã tem impacto na diminuição dos níveis de testosterona no sangue das mulheres diagnosticadas com hirsutismo. No entanto, as melhorias clínicas apresentadas em ambos os artigos não são significativas para concluir que o chá de hortelã cure ou trate o hirsutismo ou que os seus efeitos sejam visíveis e duradouros.
Num estudo publicado em 2007 na revista Phytotherapy Research, os investigadores deram uma infusão de chã de hortelã (Mentha spicata) a um grupo de 21 pacientes com hirsutismo (12 com síndrome dos ovários poliquísticos e 9 com hirsutismo idiopático), duas vezes por dia, durante cinco dias.
“Depois do tratamento com chá de hortelã, houve uma descida significativa da testosterona livre [hormona masculina] e um aumento da hormona luteinizante (LH), da hormona folículo-estimulante (FSH) e de estrogénio [hormonas femininas]”, escrevem os investigadores.
O segundo estudo, publicado em 2010, partiu do estudo anterior. O objetivo da equipa de investigadores era verificar se os resultados obtidos através do chá de hortelã se traduziam “numa melhoria clínica do nível de hirsutismo”. O estudo teve a duração de um mês e contou com 42 participantes, tendo metade dos participantes bebido chá de hortelã e a outra metade chá de ervas com efeito placebo.
Os investigadores afirmam que, apesar de este segundo estudo também ter “demonstrado e confirmado que a hortelã tem propriedades antiandrógenas”, os resultados “não se traduziram claramente para a parte clínica”. Isto é, o grau de hirsutismo dos pacientes segundo a escala de Ferriman-Gallwey não teve uma redução significativa.
Isto, dizem os investigadores, deve-se à “relação entre as hormonas andrógenas e o crescimento de cabelos folicular e o tempo de renovação celular”, ou seja, “a duração do estudo não foi suficientemente longa” para verificar alterações significativas.
Por essa razão, os investigadores sugerem fazer novos estudos com uma duração maior.
No mesmo sentido, tanto Alia Ramazanova, médica de clínica geral e especialista em tricologia (área que trata de problemas no cabelo e couro cabeludo) na clínica Personal Derma, como Inês Mazagão, nutricionista na Nordic Clinic Porto, confirmam ao Viral que ambos os estudos representam ensaios clínicos randomizados, através dos quais foi identificada uma redução de hormonas andrógenas nas participantes. No entanto, as especialistas sublinham que estas conclusões não significam que o chá de hortelã deva ser administrado como um tratamento para o hirsutismo. Assim sendo, os artigos devem ser entendidos como pontos de partida.
“Estes estudos são importantes para o avanço científico, na medida em que permitem estabelecer relações causa-efeito relativamente aos mecanismos inerentes aos compostos presentes em plantas ou ervas medicinais”, afirma Inês Mazagão.
Nesse plano, continua, “a fitoterapia, isto é, o uso das substâncias presentes nas plantas, pode constituir um alvo terapêutico na prevenção e tratamento de algumas doenças.”
A nutricionista sublinha que será “um pouco imprudente” aconselhar de forma generalizada infusões de hortelã como forma de tratamento para o hirsutismo. Aliás, estes tipos de plantas “medicinais” poderão ter interações com outros medicamentos ou efeitos secundários ao nível do fígado.
Noutro plano, a tricologista Alia Ramazanova lembra que ambos os estudos contam com grupos reduzidos de participantes e que foram analisados curtos período de tempo – cinco e 30 dias, respetivamente.
“Os investigadores não fizeram estudos com períodos longos, onde fosse incluído o ciclo de crescimento e renovação do pelo”, explica.
O que é o hirsutismo?
O hirsutismo é uma condição que se define pelo aparecimento, em mulheres, de pelos escuros e grossos, normalmente característicos do sexo masculino. Os locais mais comuns são por cima do lábio superior, no queixo, em redor dos mamilos, nas costas, nos ombros e na parte interna das coxas.
Por vezes, o hirsutismo está associado à síndrome de ovário poliquístico, uma condição que leva a um aumento dos níveis hormonais andrógenas no sangue das mulheres e que está também associada a obesidade e diabetes. “Devido ao aumento de testosterona no sangue, verifica-se um fortalecimento dos pelos”, explica Alia Ramazanova.
De acordo com Centro norte-americano de Controlo e Prevenção de Doença (CDC, na sigla inglesa), a síndrome dos ovários poliquísticos afeta entre 6 e 12% das mulheres nos Estados Unidos, sendo a causa mais comum de infertilidade feminina no país.
O hiperandroginismo – aumento de hormonas andrógenas nas mulheres – pode também levar ao aparecimento de acne, seborreia ou calvície. Está ainda ligado a sinais de virilização, nomeadamente o tom de voz ficar mais grave, o clítoris hipertrofiar e haver um aumento da massa muscular corporal.
O hirsutismo poderá ter impacto a nível psicológico, uma vez que está associado a questões de imagem e autoestima, “sendo habitualmente tratado com medicação antiandrógena”, explica Alia Ramazanova. Por fim, Inês Mazagão acrescenta que esta condição pode também ser “trabalhada noutras frentes, nomeadamente através da nutrição, como o controlo da resistência à insulina”.
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