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Duas castanhas do Brasil fornecem a dose diária recomendada de selénio? Depende de vários fatores

25 Set 2024 - 10:26

Duas castanhas do Brasil fornecem a dose diária recomendada de selénio? Depende de vários fatores

Diz-se nas redes sociais que comer duas castanhas do Brasil por dia é o suficiente para atingir a dose diária recomendada de selénio. A acompanhar este conselho, surgem listas de benefícios associados a este elemento.

O selénio é um nutriente presente em vários alimentos que tem um importante papel no bom funcionamento da tiroide, no sistema imunitário, no sistema reprodutor e na fertilidade.

Mas será verdade que apenas duas castanhas do Brasil – também conhecidas como castanhas do Pará, castanhas do Maranhão ou nozes da Amazónia – são suficientes para alcançar os níveis necessários de selénio? A resposta não é linear e depende de vários fatores.

Duas castanhas do Brasil contêm a dose recomendada de selénio para um dia?

De facto, a castanha do Brasil é um alimento com “uma quantidade muito boa de selénio”, explicam ao Viral a endocrinologista Daniela Salazar e a nutricionista e professora do Instituto Egas Moniz Filipa Vicente.

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Contudo, a concentração de selénio em cada castanha do Brasil pode variar, sendo influenciada por diferentes fatores.

Um estudo publicado em 2022 indica que existe uma relação entre a biodisponibilidade de selénio nos solos e a capacidade de as plantas acumularem este nutriente.

Também o Secretariado de Suplementos Dietéticos do Instituto Norte-americano de Saúde esclarece que “a quantidade de selénio nos alimentos de origem vegetal depende da quantidade de selénio existente no solo onde estes cresceram”.

Por outro lado, a quantidade existente nos produtos de origem animal está relacionada com a “quantidade de selénio existente na comida que estes animais comeram”.

Essa diferença é visível quando se comparam os dados: a Plataforma Portuguesa de Informação Alimentar refere que 100 gramas (g) de castanha do Brasil contêm cerca de 180 microgramas (mcg) de selénio, o que representa perto de 9mcg por unidade, se considerarmos que essa castanha pesa 5 gramas; por outro lado, o Centro de Informação Alimentar dos Estados Unidos avança que uma castanha do Brasil (com 5 gramas) contém 96 microgramas de selénio.

Tendo em conta que a dose diária recomendada (DDR) de selénio para um adulto oscila entre os 55mcg (recomendações norte-americanas) e os 70mcg (recomendações para a Europa) e que o teor de selénio nas castanhas do Brasil varia mediante diversos fatores, em alguns casos, comer duas castanhas do Brasil pode chegar para atingir esta dose, e, noutros casos, não.

Se considerarmos os dados portugueses sobre o teor de selénio deste alimento e as orientações europeias sobre a dose diária recomendada, duas castanhas representam apenas 27% da DDR.

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“A composição dos produtos varia muito de país para país devido ao clima, do solo e da própria subespécie local”, lembra Filipa Vicente. Por essa razão, as bases de dados apresentam “valores médios” de selénio.

Por ser um oligoelemento, o selénio “é necessário em quantidades muito pequenas”, sendo “fácil ingerir uma dose superior à ingestão diária recomendada”, acrescenta a nutricionista. 

Também Daniela Salazar alerta que “é preciso ter cuidado na quantidade de [selénio] que ingerimos”, uma vez que este nutriente “pode acumular-se no organismo e ser deletério”, quando ingerido em excesso.

As recomendações apontam os 400mcg como o valor máximo de selénio a ingerir por dia. O consumo exagerado e persistente deste nutriente pode provocar intoxicação, com consequências para a saúde

Os principais sintomas de intoxicação por selénio são diarreia, náuseas, vómitos, erupções cutâneas, hálito semelhante a alho ou um sabor metálico na boca, assim como problemas no sistema nervoso, perda de cabelo e unhas ou descoloração dos dentes.

Em casos extremos, o paciente pode sentir dificuldades respiratórias, tremores, insuficiência renal e problemas cardíacos – incluindo ataques cardíacos.

Além da castanha do Brasil, o selénio “é encontrado naturalmente em muitos alimentos”, acrescenta-se na página do Secretariado de Suplementos Dietéticos do Instituto Norte-americano de Saúde. Está presente no peixe e marisco, nas carnes (vermelhas e aves), nos ovos, nos produtos lácteos, no pão e em outros produtos à base de cereais.

Por exemplo, 100g de atum fresco terão cerca de 92mcg de selénio (mais do que a dose diária recomendada). Já um ovo cozido tem apenas o equivalente a 27% da dose recomendada. 

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“Alguns cereais e produtos derivados são igualmente fontes interessantes [de selénio] como a aveia (29mcg/100g) e o pão integral (26mcg/100g)”, acrescenta a nutricionista Filipa Vicente.

O selénio tem um papel na função da tiroide?

Sim, é verdade. “O selénio é um oligoelemento fundamental na função da tiroide, uma vez que ajuda na produção de uma enzima essencial para a produção das hormonas tiroideias”, aponta Daniela Salazar. 

Também Filipa Vicente destaca que este nutrienteprotege esta glândula dos radicais livres de oxigénio que promovem o stress oxidativo (frequente quando há carência de iodo)” e tem um papel “fundamental na produção das hormonas tiroideias (triiodotironina e tiroxina)”.

“Uma ingestão suficiente de selénio é importante na manutenção de uma função tiroideia normal e pode ser ainda mais importante em casos de carência de iodo. A carência de iodo pode levar a hipotiroidismo e, na gravidez, pode afetar a formação e desenvolvimento do sistema nervoso do feto”, acrescenta a nutricionista.

Vários estudos têm mostrado a relação entre o défice de selénio e a doença na tiroide. Em 2020, foi publicado um artigo que reunia o conhecimento essencial sobre a relação entre o selénio e as doenças da tiroide e os potenciais benefícios da suplementação – atualmente apenas recomendada para casos ligeiros de oftalmopatia de Graves.

Os autores referem, no entanto, que a suplementação de selénio não está recomendada pelas entidades internacionais como um tratamento de gestão de hipotiroidismo, hipotiroidismo na gravidez e hipertiroidismo sem envolvimento ocular. 

Daniela Salazar sublinha que existem estudos em que se mostra a eficácia da utilização de suplementos de selénio em alguns tipos de doença da tiroide, nomeadamente tiroidite de Hashimoto – uma reação autoimune em que os anticorpos do organismo atacam as células da tiroide.

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“Em alguns casos, a suplementação de selénio pode ajudar a diminuir a inflamação associada à tiroidite de Hashimoto e evitar a propagação da inflamação para hipotiroidismo”, explica, ressalvando que a toma de suplementos deve ser sempre prescrita por médicos, após análise individual do paciente.

Um artigo de 2023 identificou uma relação entre o défice de selénio e o risco de desenvolver tiroidite de Hashimoto. Os autores ressalvam, porém, que essa relação “não justifica o uso de suplementação como parte do tratamento de tiroidite de Hashimoto, apesar da capacidade para melhorar a função imune”.

“Se a suplementação for, de facto, necessária, terá de ser precedida de uma consideração cuidada dos níveis de selénio do paciente, assim como o seu género, peso e outros fatores”, rematam os investigadores.

Em suma, a castanha do Brasil é, de facto, uma fonte natural de selénio e pode ser incluída na alimentação de forma ponderada e com atenção às quantidades. Como o teor de selénio de cada castanha do Brasil varia por influência de diferentes fatores, em alguns casos, duas castanhas do Brasil poderão chegar para atingir (ou até ultrapassar) a dose diária recomendada deste nutriente e, noutros casos, poderão não ser o suficiente para chegar a esse valor.

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Este artigo foi desenvolvido no âmbito do European Media and Information Fund, uma iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian e do European University Institute.

The sole responsibility for any content supported by the European Media and Information Fund lies with the author(s) and it may not necessarily reflect the positions of the EMIF and the Fund Partners, the Calouste Gulbenkian Foundation and the European University Institute.

Categorias:

Alimentação

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