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O cancro é um parasita e pode ser curado com antiparasitários?

2 Set 2024 - 09:44
falso

O cancro é um parasita e pode ser curado com antiparasitários?

A procura por uma cura para o cancro tem movido a comunidade científica nas últimas décadas. Enquanto se realizam estudos científicos e ensaios clínicos para encontrar os melhores tratamentos, nas redes sociais divulga-se uma alegada cura: fármacos antiparasitários.

cancro parasita

“O cancro é, na verdade, um microparasita, mas eles preferem cobrar por quimio[terapia] e cirurgias caras”, pode ler-se numa publicação no X.

Noutro post alega-se que o antiparasitário ivermectina “cura o cancro” e, por isso, o “chamado cancro é apenas uma infeção parasitária”. Na maioria das publicações é referido que as “vozes discordantes” são silenciadas.

Em declarações ao Viral, duas especialistas em doença oncológica explicam a origem dos tumores cancerígenos, qual a relação entre cancro e parasitas e o que sabe a ciência sobre a utilização de antiparasitários no tratamento deste grupo de doenças.

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O cancro é um parasita?

Não, o cancro não é um microorganismo que se aloja no corpo humano e causa infeção ou doença. Ou seja, não é nem um parasita, nem uma bactéria, nem um vírus.

Daniela Macedo, oncologista no Hospital Lusíadas de Lisboa, explica que o cancro é de uma “doença genética” que resulta da ocorrência de “mutações no ADN das células” do próprio paciente.

“O cancro ocorre nas nossas células, não é um microorganismo [externo]. Se fosse um parasita, seria possível transmiti-lo, mas sabemos que o cancro não se ‘pega’”, refere Daniela Macedo.

Também a pneumologista Margarida Dias, secretária da Comissão de Pneumologia Oncológica da Sociedade Portuguesa de Pneumologia (SPP) e membro da Comissão Científica do Grupo de Estudos do Cancro do Pulmão, esclarece que os diferentes tipos de cancro resultam da proliferação descontrolada de “células com anomalias”.

“Por vezes, as células com anomalias conseguem escapar ao sistema imunitário, replicam-se de forma descontrolada” e invadem os órgãos, “originando diferentes tipos de cancro”, prossegue a especialista.

A Organização Mundial de Saúde define cancro como um “grande grupo de doenças que pode começar em praticamente todos os órgãos ou tecidos do corpo”. 

Estas doenças resultam de um “crescimento incontrolável de células anormais” que “ultrapassam os limites habituais para invadir partes adjacentes do corpo e/ou espalhar-se para outros órgãos”. 

Definições semelhantes são apresentadas pela Sociedade Americana para o Cancro e pelo Instituto Americano do Cancro. O aglomerado de “células anormais” que se gerou dá origem aos tumores, que podem ser benignos ou malignos (cancerígenos).

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Existem vários fatores que aumentam o risco de cancro. No entanto, os principais são o estilo de vida do paciente, os genes herdados dos progenitores e a exposição a agentes cancerígenos no ambiente. 

Ao contrário do cancro, o parasita é um organismo externo “que vive à superfície ou dentro de um organismo hospedeiro e obtém o seu alimento através do seu hospedeiro ou à custa dele”, define o Centro norte-americano para a Prevenção e Controlo de Doença (CDC, na sigla inglesa).

Os parasitas podem ser microorganismos ou ter vários metros de comprimento (como, por exemplo, a ténia). Os parasitas são, regra geral, transmitidos através da ingestão de larvas ou de ovos dos parasitas, pelo contacto com fezes contaminadas.

Além da ingestão de comida e água contaminada, estão também entre as principais causas para a doença parasitária o contacto com animais (zoonoses) e com sangue de pessoas infetadas, assim como a picada de insetos vetores (que transmitem doenças). 

Existem parasitas que causam cancro?

Apesar de o cancro não ser um parasita, “alguns microrganismos – nomeadamente bactérias, vírus e parasitaspodem aumentar os fatores de risco” para o desenvolvimento de tumores, afirma Daniela Macedo.

“Há agentes biológicos que podem contribuir para o desenvolvimento de cancro, mas o cancro não é um ‘bicho’”, reforça a oncologista.

Também Margarida Dias reconhece que, embora seja uma situação rara, há parasitas que podem estar na origem de doença oncológica.

Citando a Agência Internacional para a Investigação do Cancro da OMS, a especialista refere que “existem três parasitas em que já há evidência suficiente para concluir que podem causar cancro em humanos”: o Schistosoma haematobium (aumenta o risco de cancro da bexiga), o Opisthorchis viverrini e o Clonorchis sinensis (aumenta o risco cancro das vias biliares).

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“Se estas infeções parasitárias não forem diagnosticadas e tratadas atempadamente, podem causar inflamação crónica e aumentar o risco de desenvolvimento de células cancerígenas”, refere ainda a pneumologista. 

Estes parasitas “são raros ou inexistentes em Portugal”, sendo mais provável a contaminação ocorrer em países da Ásia, de África ou da América do Sul.

Cancro pode ser curado com antiparasitários?

Nos posts em que se alega que o cancro é um parasita diz-se também que este conjunto de doenças pode ser curado com medicamentos antiparasitários – com particular destaque para o fármaco ivermectina.

Várias publicações acrescentam que a alegada eficácia deste medicamento tem sido escondida do público devido a interesses financeiros das farmacêuticas.

No entanto, não existe evidência robusta de que a ivermectina tenha propriedades antineoplásicas [que diminuem o desenvolvimento de “células anormais”] ou que cure o cancro. Alguns estudos preliminares referem potenciais efeitos deste fármaco na inibição de células cancerígenas. Contudo, são estudos preliminares realizados in vitro, ou seja, utilizando linhas celulares. 

É “crucial” realizar uma “investigação extensa in vivo [estudos em animais] e ensaios clínicos [em humanos]” para que seja possível “trasladar as observações pré-clínicas em terapêuticas benéficas para os humanos”, concluem os investigadores de um artigo publicado em 2024 sobre efeitos potenciais deste fármaco.

Margarida Dias sublinha que, “neste momento, não há evidência científica de que a ivermectina trate ou cure algum tipo de cancro”. 

Não se sabe qual o “mecanismo de ação, em que cancros poderá ser eficaz, qual a dose que deverá ser utilizada e se tem eficácia de forma isolada ou apenas em combinação com outros tipos de tratamento”.

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Também Daniela Macedo afirma que “não há evidência científica forte que justifique a recomendação [da ivermectina] como tratamento para os doentes oncológicos”, acrescentando que se tivesse sido comprovada a sua eficácia antineoplásica, este fármaco já estaria a ser usado para esse fim.

“O que efetivamente ‘cura’ o cancro são os rastreios, que permitem às pessoas serem diagnosticadas a tempo e poderem assumir atitudes terapêuticas curativas. Na doença avançada, já sabemos que, infelizmente, a cura não é a palavra de ordem”, acrescenta a especialista.

O Atlas do Cancro estima que, em 2018, houve 3,9 milhões novos casos de cancro na Europa e que 1,9 milhões de pacientes morreram devido a este grupo de doenças. Os cancros do pulmão, da mama, da próstata e o colorretal são os tipos mais comuns e os que registam uma taxa de morte mais elevada.

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2 Set 2024 - 09:44

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