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Nutrição

Beber água em jejum previne e trata doenças? A ciência diz que não

2 Fev 2022 - 10:00

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Beber água em jejum previne e trata doenças? A ciência diz que não

“Beber água com o estômago vazio. Quanto mais se sabe, maiores hipóteses de sobrevivência… Um cardiologista diz que se todos que receberem esta mensagem a enviarem a pelo menos uma das pessoas que conhecem, pode ter a certeza que, pelo menos, poderá salvar uma vida”, lê-se no início do texto partilhado várias vezes ao longo dos últimos anos.

Na publicação, diz-se que a “sociedade médica japonesa” recomenda um tratamento com água que garante “uma cura até 100%” de várias doenças tais como taquicardia, problemas cardíacos, diabetes, meningite, cancro. De seguida, é apresentado o método de tratamento detalhado, que indica quando é que se deve beber água e em que quantidade.

Consoante a doença, deve-se, supostamente, manter o tratamento durante um número específico de dias. Se quiser tratar a pressão alta, alega-se que o tratamento deve durar 30 dias; se o objetivo for curar o cancro, já serão 180 dias de tratamento.

Mas este tratamento está comprovado cientificamente?

A nutricionista Helena Trigueiro explica ao Viral que “beber água apresenta inúmeros benefícios e é algo que nos é indissociável de sobrevivência”, mas “há benefícios em beber água em jejum como há benefícios em beber água sem ser em jejum, porque beber água é o benefício em si”.

Luís Negrão, cardiologista da Fundação Portuguesa de Cardiologia, também sublinha que o consumo de água é essencial para a sobrevivência humana:“O corpo humano é constituído por 65% de água. Podemos estar sem comer durante algumas semanas, mas sem beber água dificilmente conseguimos estar mais do que quatro dias. A água é um elemento fundamental para o adequado funcionamento do corpo humano.”

E o tratamento apresentado, é viável?

A opinião dos dois especialistas é unânime: não há evidência clínica que comprove os benefícios do consumo de água no que diz respeito à cura de doenças, como é apontado na publicação.

“Manter um bom estado de hidratação tem inúmeros benefícios, mas não são a cura, ou seja, nós não vamos curar nenhuma maleita – como diz na publicação – cardíaca ou de intestino, com o ‘tratamento exclusivo de água’. O consumo de água adequado é essencial, mas daí a dizermos que vai curar, de forma cientificamente adequada, beber água de uma determinada forma e quantidade é absurdo”, aponta Helena Trigueiro.

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A nutricionista esclarece que a água que ingerimos está em circulação durante quatro a cinco minutos, por isso é um processo muito rápido. Entre outras coisas, ajuda a regular a temperatura corporal, a manter a concentração e evita dores de cabeça que provenham da desidratação. No entanto, é importante perceber que “beber água tem inúmeros benefícios, mas não é de todo uma cura por si só para nada, sem ser a desidratação”.

Além disso, a especialista diz que a ideia de que “água fria depois da refeição solidifica o alimento” é totalmente errada. “Não há evidência nenhuma, nem seria fisiologicamente viável, que beber água fria fosse solidificar os alimentos, ou que o quilo (que é o resultado dos alimentos digeridos, já no intestino) vá ser prejudicial às paredes intestinais só porque se bebeu água fria”.

Também o cardiologista Luís Negrão considera que não há evidência clínica que comprove os benefícios do consumo de água, especificamente para as doenças cardiovasculares, apontados na publicação.

E quanto aos sintomas que precedem um ataque cardíaco referidos na publicação?

É referido no post que “as mulheres devem saber que nem todos os sintomas de ataques cardíacos vão ser uma dor no braço esquerdo. Esteja atento para uma intensa dor na linha da mandíbula. Você pode nunca ter primeiro uma dor no peito durante um ataque cardíaco”.

No entanto, o cardiologista explica ao Viral que o desconforto torácico que surge na doença coronária – engloba os doentes com angina de peito ou com antecedentes de enfarte do miocárdio – pode espalhar-se para o membro superior esquerdo, para as costas ou para o pescoço e maxilar inferior (a designação de mandíbula é mais usada nos animais).

Além disso, é importante perceber que a irradiação da dor para o pescoço e maxilar não é exclusivo do sexo feminino. “De um modo geral não se trata de uma dor, mas sim de um desconforto, de uma sensação de pressão. Esse mal-estar torácico é acompanhado de suores frios e de sensação de morte iminente. A morte súbita pode ser a primeira e única manifestação da doença coronária”, conclui.

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Como se pode realmente prevenir problemas cardíacos?

De acordo com a Direção-Geral da Saúde (DGS), “alguns dos fatores de risco para doenças cardiovasculares, não podem ser alvo de intervenção, como é o caso dos fatores hereditários e história familiar”. Contudo, uma parte significativa da população pode prevenir essas doenças se vigiar regularmente a tensão arterial e controlar a hipertensão arterial (se for detetada), não fumar, reduzir os níveis de colesterol caso estejam elevados, manter uma atividade física regular, ter um peso adequado, uma dieta saudável e equilibrada, e controlar a glicemia caso tenha diabetes.

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A Fundação Portuguesa de Cardiologia também avisa que “o rastreio e o diagnóstico médico são fundamentais para avaliar o risco que se corre de vir a ter uma doença cardiovascular. Quanto mais precoce é o diagnóstico, maiores são as possibilidades de impedir o aparecimento ou o agravamento de doença cardiovascular”.

Em suma, apesar da água ser essencial para a sobrevivência do ser humano, não existem quaisquer dados científicos que comprovem que o consumo de água cure doenças e muito menos que o “tratamento” indicado resulte.

2 Fev 2022 - 10:00

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