Escreve-se nas redes sociais e em vários blogues que “andar descalço cura doenças”. Segundo várias publicações, “o simples ato de caminhar descalço sobre a terra pode funcionar como um potente tratamento” para doenças como “o stress crónico, inflamações e dores”. Confirma-se? 

É verdade que caminhar descalço permite curar doenças como o stress crónico?

Em declarações ao Viral, a psiquiatra Inês Homem de Melo começa por esclarecer que não há um consenso científico que aponte para que “andar descalço” cure doenças como o stress crónico.

Em primeiro lugar, explica, “aquilo que existe na literatura” – e “mais propriamente na literatura da medicina integrativa” – refere-se a “andar descalço em superfícies naturais” (como a relva, a areia ou a água), e não em qualquer lado.

Existem, de facto, pequenos estudos (ver aqui, aqui e aqui) “que parecem demonstrar benefícios [em andar descalço na natureza], tanto em parâmetros fisiológicos (do domínio da inflamação e do tónus do sistema nervoso parassimpático) quanto na experiência de bem-estar subjetivo, ou seja, dor, indicadores de depressão, de ansiedade, irritabilidade”, aponta a especialista.

“Este conceito, na literatura, aparece descrito como grounding ou earthing”, acrescenta a especialista.

Além disso, realça Inês Homem de Melo, estas investigações referem “não só os pés, mas também o contacto das mãos com a Terra”. 

No entanto, defende a psiquiatra, além de os estudos que existem serem pequenos, as investigações sobre este tema “são difíceis de fazer”.

Inês Homem de Melo explica que “os estudos são muito mais robustos quando os doentes não sabem se estão a ter intervenção ou não, por causa do efeito placebo”, o que neste caso é muito difícil. Por outras palavras, os investigadores não conseguem “fazer uma intervenção cega”, pois “é impossível esconder das pessoas se elas estão descalças na natureza ou não”.

Assim sendo, resume Inês Homem de Melo, andar descalço não cura doenças como o stress crónico. Ainda assim, existe alguma evidência (pequena) de que “pôr os pés assentes na Terra” pode ter algum benefício na saúde mental, “nas doenças inflamatórias crónicas, na dor crónica e na hipertensão”.

Como andar descalço na natureza “está associado às atividades ao ar livre – que, essas sim, têm grande evidência neste campo” – esta prática não faz mal à saúde se forem tidos todos os cuidados.

Como se trata o stress crónico?

Segundo a psiquiatra, “o stress, o stress crónico – ou, se considerarmos quadros mais graves -, as perturbações de ansiedade clínicas e os quadros depressivos, são doenças multifatoriais, ou seja, têm muitas causas”.

As razões pelas quais alguém desenvolve stress crónico varia de pessoa para pessoa. Por isso, sustenta, “não vai haver, nunca, uma receita universal e milagrosa”. Aliás, “isso não existe em saúde mental”, reforça Inês Homem de Melo.

“Sempre que se ouvir alguma promessa de que uma coisa é a cura para todos os males, isso não é verdade”, destaca.

De facto, “um antidepressivo pode ajudar a pessoa a fazer os outros passos de que precisa, como comer melhor, dormir melhor, potenciar as suas interações com os outros”.

No entanto, é necessário, muitas vezes, combinar medicação e psicoterapia. Isto porque as doenças do foro mental são multifatoriais, pelo que “requerem uma intervenção multidomínios”, conclui.