Doença de Alzheimer pode ser curada através da alimentação?
Num vídeo partilhado no TikTok alega-se que a doença de Alzheimer é causada por “desnutrição, toxinas e sedentarismo” e que, “hoje, é possível curar um Alzheimer” através da alimentação. Segundo o autor do vídeo, “a gema do ovo”, em específico, “é muito importante para o cérebro”, porque contém colesterol. E, acrescenta, “estudos mostram que quanto mais colesterol tem no cérebro mais tempo vai viver”. Mas será mesmo assim? É possível curar a doença de Alzheimer através da alimentação?
A 21 de setembro, data em que se assinala o Dia Mundial da Doença de Alzheimer, Rui Araújo, neurologista, vice-presidente da Sociedade Portuguesa de Neurologia (SPN) e professor da Faculdade de Medicina da Universidade do Porto (FMUP), desconstrói as alegações feitas no vídeo em análise e esclarece o papel da alimentação na prevenção e no tratamento do Alzheimer.
É possível curar a doença de Alzheimer através da alimentação?
Não, não é possível curar a doença de Alzheimer através da alimentação. Isto porque, adianta Rui Araújo, “infelizmente, estamos a falar de uma doença para a qual não há cura” (ver também aqui, aqui, aqui e aqui).
Continua a haver “uma investigação muito acentuada neste campo e vão surgindo alguns medicamentos com potencialidades diferentes”, refere o neurologista.
Tal como se esclarece num guia explicativo publicado no balcão digital do Serviço Nacional de Saúde (SNS 24), “existem medicamentos para tratar especificamente os sintomas associados” à doença de Alzheimer e, “apesar de a medicação não travar a doença ou reverter o dano cerebral causado, pode melhorar a qualidade de vida”.
A alimentação, neste contexto, “é um fator importante na prevenção de danos subsequentes, ou seja, se a pessoa encetar um estilo de vida saudável no qual se insere também a alimentação, pode ter um percurso da demência mais favorável, ou não ter uma evolução tão acentuada”, explica Rui Araújo.
Contudo, “não se pode dizer que um determinado tipo de alimentação pode levar ao tratamento ou à cura da doença”, defende o médico.
A doença de Alzheimer é causada por desnutrição, toxinas e sedentarismo?
Em primeiro lugar, importa saber fazer a distinção entre causas e fatores de risco. Apesar de existirem fatores de risco para o desenvolvimento da doença de Alzheimer, até à data, não se conhecem as causas específicas da patologia.
Segundo um texto informativo, publicado no site do Serviço Nacional de Saúde britânico (NHS, na sigla inglesa), “pensa-se que a doença de Alzheimer é causada pela acumulação anormal de proteínas no interior e à volta das células cerebrais”.
Contudo, não se sabe “exatamente o que causa o início deste processo”, salienta-se.
Em relação aos fatores de risco, existem os controláveis e os não controláveis. A evidência científica sugere que a modificação dos fatores controláveis tem-se mostrado favorável neste contexto.
Aliás, refere Rui Araújo, a última revisão da revista científica The Lancet indica que, “em termos globais, cerca de 45% dos casos de demência são potencialmente evitáveis através da abordagem de 14 fatores de risco modificáveis em diferentes fases do ciclo de vida”.
Alguns deles, nomeadamente os fatores de risco cardiovascular “como, por exemplo, a hipertensão arterial, a diabetes e a obesidade, estão relacionados com a questão da alimentação” e “do sedentarismo”, esclarece o médico.
Por isso, “é lícito haver aqui uma associação entre estilos de vida e o desenvolvimento de doenças neurodegenerativas, falando de demências e especificamente no caso do Alzheimer”, defende.
No fundo, um comportamento não sedentário, a prática de exercício físico e “uma alimentação saudável e equilibrada” podem “ter um impacto positivo” neste contexto.
No vídeo em análise refere-se ainda que quanto mais colesterol se tem no cérebro, mais tempo vivemos. Nesse sentido, o autor do post recomenda o consumo das gemas dos ovos.
Contudo, salienta Rui Araújo, “a associação entre o colesterol e a demência é multifatorial e muito complexa”.
Regra geral, acrescenta, “níveis de colesterol tendencialmente elevados não são bons para a saúde do cérebro”.
Aliás, na revisão da The Lancet, o colesterol LDL (mau) elevado é referido “como um fator que pode contribuir para a demência”, aponta.
Isto porque sabe-se que o colesterol alto tem impacto na saúde vascular. “Está associado à aterosclerose, ao envelhecimento das artérias, a AVC, tromboses e hemorragias”, por exemplo.
Isto não significa que não se pode comer ovos, apenas quer dizer que controlar e tratar o colesterol alto é uma medida de proteção importante na prevenção dos vários tipos de demência.
No que diz respeito às toxinas, segundo Rui Araújo, “está a ser feita uma investigação mais robusta na área da doença de Parkinson e não tanto na doença de Alzheimer”.
O médico adianta que “têm surgido associações importantes de determinadas toxinas, nomeadamente certos pesticidas, como o glifosato”.
Também “tem sido feita muita investigação na área dos microplásticos e nanoplásticos”, que, hoje em dia, estão “quase ubíquos na nossa sociedade”.
Tem-se “documentado cada vez mais microplásticos e nanoplásticos em certas zonas do corpo que estão associadas ao cérebro” e “sabe-se que isso pode ser associado ao desenvolvimento de AVC e de outros problemas que poderão conduzir à demência”, sustenta.
Além de ser importante ter um estilo de vida saudável, controlar os fatores de risco vascular e evitar a exposição a toxinas, na revisão da The Lancet sugerem-se outras intervenções individuais com um efeito protetor neste contexto.
São elas: “a prevenção e o tratamento da perda de audição”, “o tratamento da perda de visão e da depressão”, “a estimulação cognitiva ao longo da vida”, “a diminuição do tabagismo” e “a redução dos traumatismos cranianos”, refere-se no estudo.
Apesar de tudo, “não se pode dizer que modular esses fatores vai levar à prevenção de todas as demências”, lembra Rui Araújo.
Segundo o neurologista, “o grande fator de risco para a doença de Alzheimer é a idade (o envelhecimento), um fator que não se consegue mudar” (ver aqui, aqui e aqui).
Para mais, “apesar de não se verificar na maioria dos doentes, sabemos que, em alguns, um certo património genético também pode estar associado”, acrescenta.
Em suma, não é possível curar a doença de Alzheimer, seja através da alimentação, seja através de tratamentos farmacológicos. Além disso, não se pode dizer que a desnutrição, as toxinas e o sedentarismo são causas diretas da doença. Estes fazem parte de um conjunto de fatores de risco controláveis, mas a sua modificação não garante que uma pessoa não venha a ter Alzheimer.
Este artigo foi desenvolvido no âmbito do European Media and Information Fund, uma iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian e do European University Institute.
The sole responsibility for any content supported by the European Media and Information Fund lies with the author(s) and it may not necessarily reflect the positions of the EMIF and the Fund Partners, the Calouste Gulbenkian Foundation and the European University Institute.
Categorias:
Etiquetas: