Aditivo alimentar “de Bill Gates” causa infertilidade nos homens?
Em várias publicações partilhadas nas redes sociais, alega-se que Bill Gates, empresário norte-americano e fundador da Microsoft, investiu num aditivo alimentar para ração de vacas que causa problemas de infertilidade. Num post do Facebook, sugere-se que “esta droga tóxica” foi considerada carcinogénica pela Food and Drug Administration (FDA) e “provoca infertilidade”.
Na rede social X, o autor de uma das publicações escreve que o “novo aditivo alimentar de Bill Gates, ‘Bovaer’, está associado à infertilidade masculina e danos reprodutivos”. Mas será mesmo assim?
Bill Gates financia aditivo para ração de vacas que causa problemas de infertilidade?
A informação difundida nas redes sociais é falsa e não passa de uma má interpretação de um documento da Food and Drug Administration FDA (a autoridade reguladora do medicamento dos Estados Unidos).
Em primeiro lugar, não é verdade que Bill Gates tenha financiado o desenvolvimento do aditivo alimentar em questão (o Bovaer). Aliás, após a instalação da polémica nas redes sociais, a empresa que criou o aditivo alimentar esclareceu o tema, num comunicado.
“Ao contrário do que é afirmado em mensagens recentes, o Bovaer é totalmente desenvolvido e propriedade da dsm-firmenich e não tem outros investidores. Bill Gates não está envolvido no desenvolvimento do Bovaer”, pode ler-se no comunicado em questão.
O fundador da Microsoft investiu numa empresa que se dedica a encontrar soluções para as emissões de metano produzidas pela agropecuária, mas não se trata da mesma empresa que criou o aditivo alimentar Bovaer (ver aqui).
De acordo com a informação disponível no site da empresa que desenvolveu o produto, o “Bovaer contribui para uma redução significativa e imediata da pegada ambiental da carne de bovino e dos produtos lácteos”.
No mesmo texto, a empresa explica que “apenas um quarto de colher de chá por vaca e por dia” deste produto “reduz as emissões de metano do gado leiteiro em 30% e até 45% para o gado de carne, em média”.
A entidade garante, ainda, que o aditivo alimentar “foi aprovado por várias autoridades como sendo seguro para utilização”.
Importa lembrar que “o metano tem sido responsável por 30% do aquecimento total desde a Revolução Industrial e é o segundo maior contribuinte para o aquecimento global a seguir ao dióxido de carbono (CO2)”, lê-se num texto partilhado do Global Methane Pledge, uma iniciativa internacional lançada em 2021 durante a COP26 (Conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas), com o objetivo de reduzir as emissões globais de metano.
No mesmo texto, salienta-se que “o metano também prejudica a saúde humana e do ecossistema como um precursor primário para a formação de ozono troposférico”,um “poderoso gás” poluente “com efeito de estufa”.
Quanto à questão da segurança deste aditivo, o Bovaer foi autorizado e classificado como seguro pela Autoridade Europeia de Segurança Alimentar (EFSA, na sigla inglesa), em 2021. Pouco tempo depois da publicação deste estudo, em abril de 2022, a Comissão Europeia aprovou a utilização de Bovaer (ver aqui).
Os investigadores responsáveis pelo estudo da EFSA concluíram que o Bovaer “é seguro para vacas leiteiras”, quando administrado no “nível máximo recomendado”.
Além disso, apurou-se que o consumidor não está exposto ao composto ativo deste aditivo, o 3-nitrooxipropanol (3NOP), já que esta substância e os produtos em que se decompõe “são quase completamente absorvidos e extensivamente metabolizados por cabras e vacas”, ou seja, não passam para o leite nem para a carne das vacas.
No comunicado emitido pela empresa que criou o Bovaer reforça-se esta ideia: “Desde que seja utilizado conforme recomendado, o Bovaer é totalmente metabolizado pela vaca e não está presente no leite ou na carne, pelo que não há exposição do consumidor”.
Isto é, o produto “nunca entra no leite ou na carne e, portanto, não chega aos consumidores”, assinala-se no mesmo comunicado.
Por isso, mesmo que o produto em si, no estado puro, possa apresentar riscos para a saúde humana, como não chega ao consumidor, não suscita preocupações nesse sentido.
A EFSA concluiu, também, que a inclusão deste aditivo na alimentação animal “não suscita preocupações quanto à segurança do consumidor no que respeita à genotoxicidade” (capacidade de uma substância danificar o ADN das células).
Apesar de a utilização deste produto não apresentar riscos para as pessoas que consomem carne ou leite de vaca, os trabalhadores que colocam este aditivo na comida dos animais devem ter alguns cuidados.
A EFSA deixa uma ressalva para as pessoas que manuseiam o 3NOP, porque, essas sim, podem correr algum risco se não tomarem as precauções necessárias.
Foi precisamente por causa deste possível risco que surgiu a polémica nas redes sociais. Vários utilizadores das redes sociais começaram a questionar a segurança do Bonvaer, devido à informação presente num documento publicado pela FDA.
Contudo, o documento em questão trata-se de um aviso de segurança que explica como deve ser utilizado o produto (na sua forma pura) pelos trabalhadores que o manuseiam. Informação essa que também está disponível no estudo da EFSA.
Segundo a FDA, o aditivo “não se destina a uso humano” e deve ser manuseado com cuidado.
Alguns estudos em ratos sugerem que o 3NOP, ou seja, a substância ativa deste produto “pode afetar a fertilidade e os órgãos reprodutores masculinos” e “é potencialmente nociva quando inalada e é irritante para a pele e os olhos”.
Por esse motivo, “deve ser utilizado equipamento de proteção individual, incluindo óculos, máscara antipoeiras e luvas impermeáveis, ao manusear este produto”.
Além disso, “os operadores devem lavar as mãos após o manuseamento” e, “em caso de exposição acidental dos olhos, devem lavar abundantemente os olhos com água”, acrescenta-se.
Este alerta e os cuidados recomendados foram baseados em estudos de segurança feitos em ratos, em doses superiores às administradas às vacas. No entanto, a FDA é obrigada a referi-los por uma questão de prudência.
Alegações semelhantes também foram verificadas por plataformas de fact-checking, como o Science Feedback, a AFP Checamos e o Full Fact.
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