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A canábis mata neurónios? Não exatamente, mas pode comprometer as suas ligações

Apesar das investigações científicas realizadas até ao momento, ainda não é possível afirmar com certeza o impacto da canábis no cérebro, devido aos resultados contraditórios. No entanto, a literatura aponta para que o seu uso pré-natal e em idades precoces tenha influência no desenvolvimento motor e cognitivo das crianças e adolescentes.

21 Mar 2022 - 11:00

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A canábis mata neurónios? Não exatamente, mas pode comprometer as suas ligações

Apesar das investigações científicas realizadas até ao momento, ainda não é possível afirmar com certeza o impacto da canábis no cérebro, devido aos resultados contraditórios. No entanto, a literatura aponta para que o seu uso pré-natal e em idades precoces tenha influência no desenvolvimento motor e cognitivo das crianças e adolescentes.

Para compreendermos o papel da planta da canábis na função cerebral é necessário termos em conta o sistema endocanabinóide, que interfere no metabolismo dos lípidos e dos hidratos de carbono, na regulação da tensão arterial e da aterosclerose, bem como no controlo do humor, da dor, e dos mecanismos de aprendizagem e da memória, entre outros. Trata-se, assim, de um sistema que funciona em resposta a estímulos, atuando de forma rápida pela metabolização imediata dos endocanabinóides, que podem ser definidos como “lípidos derivados dos ácidos gordos polinsaturados de cadeia longa”.

Tanto os endocanabinóides, como os canabinóides, – entre os quais o principal composto psicoativo da canábis, o tetrahidrocanabinol (THC), ou a substância mais associada ao seu uso medicinal, o canabidiol (CBD) -, estão ligados aos mesmos recetores no cérebro: os recetores CB1 e CB2. Se o primeiro atua tanto no sistema nervoso central, como no sistema nervoso periférico, o segundo localiza-se apenas no sistema nervoso periférico e está associado ao sistema imune.

Ainda que estudos relatem os efeitos terapêuticos ligados à toma de CBD no tratamento de perturbações neuropsiquiátricas tão variadas como o autismo, distúrbio de ansiedade, esquizofrenia, e doença de Parkinson e de Alzheimer, para enumerar algumas, há que ter em conta os efeitos do consumo recreativo e medicinal da canábis no desenvolvimento cognitivo e motor, particularmente de crianças e de adolescentes.

Entre as consequências mais conhecidas do uso de THC no sistema nervoso central estão alterações no comportamento psicomotor, aumento de apetite, problemas de memória e ainda efeitos analgésicos e antieméticos. Dos riscos associados ao seu consumo prolongado destacam-se uma função cognitiva inferior, baixo quociente de inteligência (QI) e volume cerebral, falta de motivação, e complicações cardiovasculares. Também foram relatados casos de bronquite crónica, de psicose, de dependências futuras e de distúrbios psiquiátricos em adultos expostos à canábis no útero ou em idades precoces.

De acordo com um estudo publicado no jornal Trends in Pharmacological Sciences, a exposição à planta no útero afeta a formação e a função de circuitos de neurónios, devido à sua ação nos recetores de canabinóides. Com a atuação prolongada destes recetores, o sistema endocanabinóide arrisca-se a criar ligações erradas entre neurónios, influenciando a sua sobrevivência, diferenciação e migração.

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Uma outra investigação, “Long-term effects of marijuana use on the brain”, confirma a perda de massa cinzenta, apesar de sugerir um aumento da conectividade estrutural e funcional dos neurónios. Este trabalho revela também que a canábis mostra potencial no que toca a regulação da atividade mitocondrial, dos processos antioxidantes e de proteção dos neurónios a nível molecular.

De acordo com um estudo publicado no jornal Trends in Pharmacological Sciences, a exposição à planta no útero afeta a formação e a função de circuitos de neurónios, devido à sua ação nos recetores de canabinóides. Com a atuação prolongada destes recetores, o sistema endocanabinóide arrisca-se a criar ligações erradas entre neurónios, influenciando a sua sobrevivência, diferenciação e migração.

A ciência revela ainda que é possível reverter o impacto cognitivo da canábis através da abstenção a longo prazo. Além disso, o seu uso recreativo na adolescência pode, ao contrário do descrito, aumentar o volume de massa cinzenta no cerebelo.

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Assim, as mudanças estruturais no cérebro de adultos e de adolescentes consumidores de canábis não são consistentes, pelo que se sugere que o seu uso crónico se traduza em processos neuroadaptativos complexos.

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21 Mar 2022 - 11:00

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