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Como é ser mãe depois dos 50? Para Sílvia Saraiva é “um anti-aging fantástico”

1 Mar 2023 - 10:58

Como é ser mãe depois dos 50? Para Sílvia Saraiva é “um anti-aging fantástico”

A atriz brasileira Cláudia Raia andou nos cabeçalhos das notícias por ter engravidado aos 55 anos, numa faixa etária em que a maioria das mulheres já está a passar pela fase da menopausa. Apesar de ser pouco comum uma gravidez acontecer nessa década de vida da mulher, casos como os da atriz brasileira são cada vez mais frequentes.

Segundo o Instituto Nacional de Estatística, em 2011, Portugal apenas registou um parto numa mulher com mais de 50 anos. Já, em 2021, foram 38 os partos nesta faixa etária

Sílvia Saraiva, endocrinologista, não fez planos para ser mãe depois dos 50 anos, mas tinha a firme convicção de que haveria de ter três filhos. E o terceiro nasceu quando já tinha 52 anos. Em entrevista ao Viral, a especialista conta como foi a gravidez – que incluiu subir a Serra da Arrábida de bicicleta e nadar mil metros na véspera do parto – e expõe os desafios de criar uma filha mais tardia.

Foi mãe pela terceira vez com que idade?

Fui mãe pela terceira vez aos 52 anos. Tenho três filhos, o mais velho tem 32 anos, o do meio 24 anos e a mais nova tem seis. Neste momento, tenho 59 anos.

Como foi tomar essa decisão de uma maternidade tardia? 

Sempre quis ter três filhos. Recordo-me de no meu primeiro parto – que foi o único um pouco mais complicado – as enfermeiras virem ter comigo e dizerem-me que tão cedo eu não me metia noutro [filho]. Eu respondi logo: “Eu daqui a dois anos estou cá outra vez e dois anos depois hei-te cá estar de novo, porque vou ter três filhos”.

Tive realmente três filhos, mas o segundo foi oito anos depois e o terceiro foi 25 anos depois do primeiro. 

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A vida não permitiu ter os três seguidos, mas isso tem as suas vantagens e desvantagens. Se forem seguidos brincam mais uns com os outros, se não forem ficamos com a sorte de ter filhos a vida toda.

mãe depois dos 50

E os mais velhos podem também ajudar a cuidar dos mais novos…

Exatamente. Neste momento, o mais velho já tem a casa dele, o do meio também já não está o tempo todo connosco e eu estou com esta idade e tenho uma filha pequena em casa, o que é uma alegria enorme e uma sorte.

Sempre quis ter o terceiro e tenho um tio que nasceu quando a minha avó tinha já 50 anos. Toda a família diz que eu e ela somos parecidas, não fisicamente, mas de personalidade. Ambas somos mulheres com queda para ser mãe de família e daquelas mulheres que fazem em vez de mandar, mulheres proativas.

Ela engravidou, por acaso, do nono filho, que acabou por nascer já quando ela tinha 50 anos, mas num tempo em que não tinha garantias de que iria ter um filho saudável.

Eu engravidei conscientemente e sempre com a ressalva de que se a criança não fosse normal a gravidez não seria prosseguida.

Engravidou recorrendo a procriação medicamente assistida (PMA)?

Não, foi uma gravidez espontânea. Se acontecesse, acontecia. Normalmente, na nossa família as menopausas são tardias e, realmente, aconteceu. Tive muita sorte porque a minha filha é uma menina fantástica, saudável, está agora no primeiro ano, é uma boa aluna, gosta muito de aprender e correu tudo bem.

Foi uma gravidez ótima.

E como foi essa terceira gravidez, comparativamente com as outras duas? Correu de forma diferente por já ter acontecido depois dos 50 anos?

Foram as três muito parecidas. Teve graça porque nas três engordei 12 quilos e recuperei quase completamente. Mas isto sem esforço, foi tudo com muita naturalidade.

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Sou uma pessoa que se mexe muito, faço bastante desporto, não paro quando estou grávida. Continuo a nadar, a andar e a fazer o que uma grávida pode fazer. Obviamente, não fazia desporto de impacto.

Curiosamente, na véspera de o meu filho mais velho nascer nadei mil metros e na véspera da mais nova nascer nadei igualmente mil metros. Achei graça porque naquele dia fui para a piscina e pensei: enquanto me sentir bem vou nadando. Tudo com calma e sem forçar, fui nadando e quando reparei tinha nadado mil metros, tal como na véspera do primeiro parto, 25 anos antes.

Eu corro há 40 anos e espero participar agora em mais uma Meia Maratona de Lisboa, passar a Ponte 25 de Abril e fazer os 21 quilómetros.

Parei de correr durante a gravidez, mas um mês depois de a minha filha nascer, recomecei as minhas corridas. Lembro-me que no dia em que ela fez um mês corri 15 minutos para ver como me sentia. Devagarinho, obviamente, mas estava bem e a partir daí voltei progressivamente às minhas corridas.

O seu estilo de vida – o fato de ser uma pessoa que tem cuidado com a alimentação e que pratica desporto – ajuda a diminuir o risco de complicações em qualquer gravidez. Nesta sua terceira gravidez aos 50 anos foi ainda mais importante ter hábitos de vida saudáveis?

É fundamental. Não sou nenhuma fundamentalista, como um doce de vez em quando, bebo um vinho ao fim-de-semana com amigos. Mas, no global, tenho uma alimentação com poucas gorduras, não como muita carne, por questões mais filosóficas do que nutricionais, como peixe, ovos, tenho a sorte de gostar muito de legumes e frutas. Alimento-me bem e digamos que sei fazer as minhas asneiras.

Sobretudo, acho também que tenho muita sorte por desde miúda gostar muito de movimento e de desporto. Faço montanhismo desde os 19 anos e adoro a natureza. As minhas férias são normalmente proativas. Quando é com as crianças, as férias são um pouco mais calmas, mas desde muito cedo que também nos começaram a acompanhar. Os meus filhos fazem ski desde os três anos e acompanham-me na montanha quase desde que começaram a andar. Somos uma família ativa, sem fundamentalismos.

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Voltando à gravidez, e pegando na sua profissão, tem conhecimentos que a generalidade das mulheres não tem. Isso descansou-a ou deu-lhe mais ansiedade relativamente aos riscos desta terceira gravidez?

Este conhecimento permitiu-me perceber que, se eu seguisse as regras, os riscos eram muito baixos.

Não aconselho uma mulher que tenha diabetes ou que tenha hipertensão a engravidar tarde. Contudo, uma mulher que é saudável, que tem hábitos de vida relativamente saudáveis, à luz dos conhecimentos atuais, para ela não há risco na gravidez.

O grande risco de uma gravidez tardia é poder haver malformações, defeitos genéticos no feto. As mulheres que engravidam tarde têm de entender que, realmente, o risco de ocorrerem malformações aumenta muito com a idade e, por isso, as pessoas têm de tomar as suas decisões como eu tomei. 

Combinei com os meus filhos que se as coisas não estivessem bem ia interromper a gravidez. Não iria deixar-lhes um legado que eles não pediram que lhes deixasse. Tivemos sorte e correu bem tudo naquilo que era possível prever. E hoje já se conseguem prever muitas coisas, praticamente todas as mais graves.

Se a mulher estiver disposta a arriscar, no sentido de poder ter de interromper se as coisas não estiverem a correr bem, acho que não há contraindicações para engravidar mais tarde numa mulher que tenha uma saúde estável.

E o não ter saúde estável também depende de qual for o problema de saúde. Por exemplo, numa mulher que tem um problema de tiroide, um hipotiroidismo, se [o problema] for bem compensado, pode engravidar da mesma maneira que uma mulher jovem. Igualmente se for uma diabetes numa fase muito inicial, porque a diabetes trata-se também na gravidez.

Até pensei que teria alguma possibilidade de ter uma diabetes gestacional, atendendo à minha idade e aos meus antecedentes genéticos, mas acabou por não acontecer. Talvez pelo meu estilo de vida, acabou por não acontecer.

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Tive mesmo uma gravidez muito proativa, lembro-me que na semana em que fiz sete meses de gravidez subi de bicicleta a estrada da Arrábida. Mas nesse dia disse ao meu marido que só voltava a fazer algo parecido depois de a criança nascer.

E como correu o parto?

A minha filha nasceu de cesariana porque, à última hora, não estava a fazer bem a dilatação e não quis prolongar risco. Não tenho medo de fazer coisas difíceis, mas não corro riscos desnecessários. Avançamos para a cesariana, aí sim, pela minha idade. Tinha estado 10 horas em trabalho de parto, em que recusei epidural porque sei fazer as minhas respirações. As contrações estavam a correr bem, mas não fiz dilatação e não quis tentar a sorte.

Também devido à minha idade antecipei, ou seja, provoquei o parto às 39 semanas para não deixar ir até às 40 semanas, porque a última semana costuma ser a de mais risco.

A rapariga nasceu com uma vitalidade enorme, com 3,400 kg, e estava ótima. E tem sido fácil de criar. Hoje é uma criança enorme – quer eu, quer o pai temos antecedentes familiares altos – e é uma menina sempre com um palmo a mais que os outros meninos da idade dela. É uma miúda saudável e normal.

E nos tempos a seguir ao parto, que costumam ser tão desafiantes com a privação do sono, como correu essa fase mais complicada da adaptação? Sentiu diferenças para os outros dois filhos?

Posso reconhecer que, com a minha filha, durante um ano e meio nunca consegui dormir uma hora seguida. Mas brincava muito a dizer que, com a minha experiência, sabia que era temporário, que os adolescentes depois não chamam de noite.

Com os outros, o mais velho foi facílimo de criar, o do meio um pouco mais difícil. Mas a mais nova veio mesmo para me perguntar: mãe, tua ainda aguentas? Foi um ano e meio terrível, em que cheguei a adormecer no consultório entre dois doentes, mas a alegria era tão grande que compensou tudo.

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Hoje está ultrapassado. Neste momento, vamos as duas à natação uma vez por semana – ela faz natação, eu faço piscina livre ao lado –, continuo a correr três vezes por semana e uma vez por semana vamos as duas andar a cavalo. Ela já é uma amazona, anda a cavalo sozinha e eu aprendi a andar a cavalo com ela. É um anti-aging fantástico ter um filho tardio.

Há uma revitalização na vida quando se tem um filho depois dos 50 anos?

Não há outra hipótese. Se a quero acompanhar tenho de experimentar as coisas que ela quer que a mãe faça com ela. E eu faço. O interessante é que a pessoa descobre que até consegue, que é interessante fazer e é uma oportunidade fantástica de não envelhecer.

Nós, por vezes, damo-nos muito à idade. Com 50 anos, a pessoa está mais ou menos a meio da vida e é uma pena estar-se a entregar [ao peso da idade] e não fazer as coisas que ainda tem potencial para fazer.

Eu aceito o meu envelhecimento. Neste momento não tenho a energia dos 20 anos, mas a maturidade também nos ajuda a sermos mais seletivos naquilo que queremos gastar a nossa energia e, nesse sentido, ainda faço praticamente as coisas todas que gosto de fazer. 

Atualmente, as mulheres adiam a maternidade por vários fatores – profissionais, financeiros – deixando passar a janela considerada ótima da fertilidade, mas têm o acesso à PMA e a evolução da medicina permite acompanhar melhor a gravidez em idades mais tardias. Perante este cenário, considera que o mais difícil de encarar ainda é o estigma por ser mãe mais tarde?

Completamente. Eu tenho doentes que até estimulo a serem mães mais tardiamente e elas respondem-me logo: “As pessoas vão achar que sou louca”. Um homem pode ter filhos tardios, mas uma mulher não pode, é um estigma impressionante.

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E acho até que as mulheres, em termos intelectuais, envelhecem, na generalidade, muito bem porque têm uma vida sempre muito ativa e se há coisa que combate o envelhecimento cerebral é a pessoa ser proativa. 

Sabemos que as mulheres são multitask: têm os filhos, orientam a casa, têm uma profissão igual à dos homens. As mulheres não param e penso que isso contribui para que, neste momento, as mulheres envelheçam melhor do que os homens.

Além disso, existem vários estudos a mostrar que as mulheres mais velhas criam filhos mais estáveis. Não sei o que me vai acontecer a partir de agora, mas creio que fui muito mais madura a educar esta filha, e até mesmo o segundo filho, do que fui a educar o primeiro. Deixei de me preocupar com certas coisas e não deixo passar as coisas que são mesmo importantes.

Sentiu esse estigma de ser uma mãe tardia? Por exemplo, com os seus colegas de profissão?

Os meus colegas sempre se habituaram a que a Sílvia Saraiva fosse a irreverente. E sempre a encararam assim, como a rapariga fora da caixa. Sempre fui assim, profissionalmente e na vida pessoal.

Não faço isso para afrontar os outros, nem gosto de impor as minhas ideias, mas também não gosto que, só porque sim, tentem mudar a minha opinião. 

Trabalhei imenso até à véspera da minha filha nascer e os meus doentes trataram-me sempre com muito carinho. Uma das razões pelas quais exponho a minha gravidez tardia é porque eu sei que os doentes confiam em mim, que posso ser um exemplo e gosto de ser esse exemplo para explicar às pessoas que se podem fazer coisas sem ser as consideradas standard.

A vida evoluiu, a medicina evoluiu, os nossos conceitos evoluíram e nós também temos de continuar a evoluir.

A biologia é que está a demorar a evoluir. Se aumentamos a nossa esperança média de vida não seria natural, ou expectável, que a janela da fertilidade feminina também fosse aumentando?

Podemos dizer que não está a acontecer naturalmente, mas a medicina já permite isso. Neste momento, as mulheres também podem congelar óvulos, se acharem que não estão com condições de engravidar mais precocemente. Eu aconselho as minhas doentes a congelar óvulos, porque assim, mesmo as mulheres que não têm uma genética que lhes permita engravidarem mais tarde, podem tentar ter um filho tardio. E, sobretudo, podem prosseguir com uma gravidez que tenha acontecido tardiamente porque a medicina já permite acompanhar com segurança, e é uma pena perderem essa oportunidade.

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Atendendo à vida agitada que vamos tendo, e que a sociedade exige, até pode ser vantajoso ter filhos mais tarde, numa altura mais serena, em que se tem mais tempo para os filhos, mais disponibilidade emocional.

Atualmente, naquela fase em que se deveria ter filhos, ali pelos 30, as vidas são muito exigentes, as pessoas andam a lutar para se afirmarem profissionalmente. E, por vezes, se têm filhos para aproveitar a oportunidade do calendário da fertilidade, a vida é um drama de correria e as crianças acabam por ter “poucos os pais”, que estão muito cansados.

Se puderem ter filhos precocemente, não vão deixar de os ter. Mas não é grave, tomando as precauções necessárias, se tiverem filhos mais tarde porque a medicina já permite isso.

Às vezes, uma mulher com 40 anos acha-se muito velha e confidenciam-me que as pessoas lhes dizem que não deviam avançar.

Acham-se muito velhas ou a sociedade diz-lhes que elas se deviam achar velhas para serem mães depois dos 40?

Exatamente. Sabemos que a sociedade põe muitos preconceitos na cabeça das mulheres, diz demasiadas vezes às mulheres como elas se deviam sentir. E elas não ouvem o seu corpo e a sua intuição. Com muita pena minha, porque a sociedade tenta demasiado tirar a força às mulheres.

Por isso, desafio sempre as mulheres a verem como se sentem em termos de disponibilidade, porque se vejo que a saúde está bem, aconselho-as a avançar.

Do seu exemplo, o importante mesmo a reter é que para uma gravidez tardia, na realidade para qualquer gravidez, o que é fundamental ter estilo de vida saudável …

É muito importante as pessoas tomarem conta de si. Terem o cuidado de priorizar o que é importante. As pessoas não reservam espaço na sua vida para fazer algum exercício e a atividade física é fundamental para a nossa saúde mental e física. Vai permitir depois ter gravidezes mais tarde, vai permitir fazer coisas que gostam e as pessoas pensam que estão velhos e já não podem fazer. Se não fazem é porque desprezaram o seu corpo durante demasiados anos.

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1 Mar 2023 - 10:58

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