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Entrevistas

Marta Flores e o cancro: “Eu sorria primeiro e depois arranjava o motivo para sorrir”

30 Out 2022 - 09:17

Marta Flores e o cancro: “Eu sorria primeiro e depois arranjava o motivo para sorrir”

Em novembro de 2022, fará um ano que Marta Flores recebeu o diagnóstico de cancro da mama. A notícia pode gerar angústia e preocupação, mas a maquilhadora profissional conta ao Viral que, desde início, decidiu olhar para a situação como uma missão de vida: ia superar o “contratempo”, como lhe chama, e inspirar outras mulheres a sentirem-se bonitas durante o “processo de cura”.

Durante a entrevista ao Viral, Marta Flores relata a experiência de ter tido cancro de mama sem pronunciar uma única vez a palavra doença. Porque isso, acredita, seria dar-lhe um peso que não quer. Quando fala do cancro refere-se a um “processo de cura” e termina todas as respostas com uma gargalhada genuína porque, garante, o importante é rir em primeiro lugar. Depois, logo se encontra o motivo para a alegria.

No Dia Nacional de Prevenção do Cancro da Mama, que fecha as datas assinaladas no outubro rosa, dedicado à saúde feminina, o Viral publica o testemunho desta mulher de 45 anos que sabe ainda ter um caminho a percorrer até poder declarar que está curada, mas que garante estar hoje “melhor do que nunca”.

Como era a sua vida antes do diagnóstico?

Era uma vida muito maravilhosa. Era e ainda é. Estou maravilhosa, estou melhor do que nunca. Sou maquilhadora profissional, também sou formadora e convidada como beauty expert de vários programas televisivos.  Não parava, andava sempre de um lado para o outro.

A questão do cancro de mama era uma preocupação na sua vida?

Não era porque, felizmente, nunca tínhamos tido na família algum problema oncológico. A minha mãe é filha única, do lado do meu pai existem irmãos e há primos, tios e tia e nunca houve qualquer problema oncológico, nem nas gerações anteriores. Fui eu que inaugurei.

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Também nunca tomei a pílula ou usei qualquer contracetivo hormonal, usei apenas preservativos, porque sabia desde os 20 anos que tinha fibroadenomas nas mamocas.

Mas por ter esses fibroadenomas já tinha uma vigilância médica um pouco mais apertada? 

Sim, tinha. Quando tinha 23 anos, o médico de família achou que era melhor tirar um fibroadenoma em cada mamoca, porque já estavam a atingir um tamanho que não agradava ao médico. Então, tirei um fibroadenoma em cada mama, foi para analisar e estava tudo bem. Depois disso, todos os anos fazia ecografia mamária.

Aos 44 anos resolvi mudar de ginecologista, mas como tinha feito os exames noutro hospital privado e não me apetecia ir lá buscá-los ele aconselhou-me a fazer novos exames nesse hospital e recomendou passar a fazer a vigilância de meio em meio ano, com mamografia e ecografia mamária.

Nesse primeiro controlo, aos 44 anos, tudo estava bem. No controlo seguinte, a ecografia mostrou que um dos fibroadenomas tinha crescido, o médico aconselhou fazer uma biópsia a esse e deu cancro.

Como é que recebeu a notícia? Estava a viver um momento muito bom, certo?

Nesse dia em particular andava muito ocupada porque no dia seguinte tinha de ir para Lisboa já que ia maquilhar a apresentadora Cristina Ferreira para a capa da revista Cristina de final de ano. Era a primeira vez que ia maquilhar a Cristina Ferreira e ia ser uma capa, o que para uma maquilhadora é maravilhoso.

Fui buscar o meu namorado a casa e depois fomos os dois à cabeleireira em Paços de Ferreira. Ainda em casa, ligaram-me do hospital a perguntar se podia lá passar e eu já achei aquilo muito estranho. Disse que não podia, mas agradecia que o médico me ligasse a dizer o que se passava.

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Já estava no cabeleireiro quando o imagiologista me liga – costumo dizer que foi ele que me salvou a vida porque foi por insistência dele que fiz a biópsia – e me disse que não tinha boas notícias, que tinha um tumor e que tinha de ir ter com o meu médico ginecologista, que seria quem depois determinaria o tratamento.

Eu perguntei se era mesmo a sério, porque me tinham dito com 99% de certeza que não era nada, mas para fazer biópsia na mesma. Foi esse 1% de probabilidade que me calhou.

O meu namorado e a cabeleireira perceberam logo pela minha cara. Desliguei, chorei um bocadinho, o meu namorado diz que foram apenas 30 segundos, depois olhei para o espelho e declarei logo: se for para ficar sem cabelo, vou usar uma peruca [nova] todos os dias. Bem, não foi todos os dias, mas quase.

Tínhamos um jantar combinado nesse dia com amigos que perguntaram se eu queria cancelar, mas disse que não, que a vida continua. No dia seguinte fui trabalhar, correu muito bem. Mas não contei a ninguém, só mais tarde partilhei com os meus pais, com o meu irmão e com a minha cunhada.

A Marta já tem na sua génese essa boa disposição, é notório nas suas redes sociais, mas como conseguiu perante uma notícia destas manter esse espírito? Sentiu medo?

Claro que sim, mas nunca duvidei de que ia ficar curada. Sou uma pessoa muito espiritual, depois, com este processo, fiquei com fé. Com a espiritualidade e a acreditar que tinha um corpo são – eu tenho um corpo são, sempre acreditei e ainda hoje acredito que o meu corpo é saudável – passei a encarar esta situação como uma missão.

Eu tive este contratempo na minha vida para ter a missão de alertar para a necessidade do diagnóstico precoce, para alertar outras mulheres a fazerem os exames de rotina e para também dar alento e esperança a outras mulheres que estejam a passar pelo mesmo ou que vão passar pelo mesmo processo que eu.

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A força, a fé, o amor que recebi da família, do meu namorado, dos amigos, dos seguidores e no hospital com os médicos e os enfermeiros, foi uma corrente de amor que não vou conseguir nunca mais na vida esquecer.

Tudo isso fez com que conseguisse não ficar com nenhuma mazela psicológica. Há pessoas que me dizem que ficaram traumatizadas até com o cheiro do hospital, com o barulho das máquinas, ou com as agulhas. Honestamente, não tenho trauma nenhum. Quer dizer, não posso ver agulhas, mas já não podia ver antes.

Emocionalmente não fiquei mais débil por ter passado por isto. Acho que como superei – ou estou ainda a superar, porque são cinco anos em que tenho de ter atenção mais redobrada – foi efetivamente com o amor de todos e com a fé.

Eu senti dor na pele, mas não optei pelo sofrimento. São coisas completamente diferentes e acho que é essa força que nós temos de ter e uma fé de que vai tudo correr bem.

E não interessa pensar no “porquê a mim?”. Eu pensava “por que não a mim? Por que não eu?” Se veio a mim é porque tem alguma missão.

Tal como para criar uma criança é preciso uma aldeia inteira, para superar um momento destes também é preciso uma aldeia de afetos? Esse suporte da família dos amigos, ter essa rede de apoio, é crucial no processo de tratamento oncológico?

Exatamente, é muito importante, mas principalmente somos nós. Grande parte da cura somos nós, é a nossa força psicológica que tem de levar tudo à frente. Está provado e eu sou testemunha disso. Aquilo que não somos nós a controlar no processo é essa aldeia de amor que nos rodeia. O resto temos de ser nós, temos de acreditar, temos de gostar muito de nós mesmas e acreditar que vai tudo correr bem.

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Em muitas das alturas deste processo de cura, eu sorria primeiro e depois é que arranjava o motivo para sorrir. É uma boa técnica, sorrir, porque essa energia vai para o cérebro e para o corpo todo, que não vai perceber muito bem porque estou a sorrir, mas mais tarde vai perceber e vai ajudar-me a continuar a sorrir.

Quais foram os tratamentos que fez?

Fiz quimioterapia, cirurgia e radioterapia. O cancro foi só numa maminha, a cirurgia foi nas duas por uma questão não médica, e fiz radioterapia só numa maminha. Foi um processo que, ao todo, demorou oito meses.

E neste momento que tratamento faz?

Durante um ano vou fazer um anticorpo monoclonal de três em três semanas.

Profissionalmente está ligada à área da beleza. Os efeitos secundários dos tratamentos tiveram algum impacto na imagem? Essa parte foi difícil de gerir?

Quando soube que poderia ficar sem cabelo, sem sobrancelhas e sem pestanas – e fiquei, realmente, sem nada – foi um choque, mas decidi encarar como um desafio grande para poder ajudar outras mulheres. Pensei que, como era da área da beleza, ia perceber o que funcionava melhor comigo para depois partilhar os truques, as dicas, os melhores produtos para quem estivesse a passar pelo mesmo.

Foi maravilhoso ser da área da beleza e poder, com o meu conhecimento e o meu dom, ajudar neste processo de cura de outras mulheres e fazer com que se sentissem lindas durante todo o processo. Acredito mesmo que a beleza ajuda na cura.

Essa transformação com a maquilhagem com um simples batom, um bronzer ou um blush, um lápis nas sobrancelhas faz toda a diferença, ajuda muito e dá-nos força. Por exemplo, quando me sentia mais enjoada, mais nauseada, abusava no batom, gostava de pôr uma cor forte e sentia-me mais confiante.

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Sente que este diagnóstico e este processo mudaram, de alguma forma, a maneira como via a vida, como passou a planear os seus dias?

 

Ainda estou no processo de descobrir quem é a Marta depois do processo de cura. Toda a gente diz que estou mais bonita e começo a acreditar. Interiormente o que noto é que me tornei muito mais intensa, mais transparente, não deixo para amanhã o que posso dizer ou fazer hoje.

Se já era desbocada antes, agora não há filtro, mas vejo que tenho muito mais poder de encaixe.

Que palavra deixa, neste Dia Nacional de Prevenção do Cancro da Mama, para quem está a passar pela doença?

 

Acho que deveriam saber a frase que ficou gravada em mim: sorria primeiro e depois encontre o motivo. Quando estamos a passar pelo processo de cura, temos de tentar olhar para as coisas por um lado positivo. Podemos não gostar da quimioterapia, mas temos de pensar que se não fosse a quimioterapia, se calhar não sobreviveríamos, e em vez de pensar que vai fazer mais uma quimioterapia, lembrar-se que, por estar feito, é menos uma quimioterapia que vai fazer, ou é menos uma radioterapia. 

O melhor é encarar o processo de cura como uma missão nesta vida e ter esperança, porque o melhor ainda está para vir.

30 Out 2022 - 09:17

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