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Entrevistas

Margarida Beja: “Não vale a pena tomar probióticos só porque sim”

2 Nov 2022 - 03:00

Margarida Beja: “Não vale a pena tomar probióticos só porque sim”

As torradas com manteiga são as protagonistas de boa parte dos posts da página de Instagram “Em Banho Maria”, da autoria de Margarida Beja, nutricionista no Reino Unido (equivalente a registered dietitian) e apaixonada por comportamento alimentar. Foi nesta página, com perto de 20 mil seguidores, que a profissional da nutrição anunciou, em março de 2022, o lançamento do seu primeiro livro “Intestino Descomplicado”. Oito meses depois, e com a primeira edição esgotada, revela ao Viral os motivos que a levaram a escrever este livro, expõe os principais mitos relacionados com o intestino e explica como ter uma alimentação amiga deste “segundo cérebro”, sem “restrições alimentares desnecessárias”.

Quem visita a sua página de Instagram não encontra os posts típicos de um profissional da nutrição sobre o valor calórico de cada alimento ou quais as melhores opções de pequeno-almoço. Porquê essa opção?

Eu não gosto de dizer às pessoas o que fazer. Eu gosto de incentivar a reflexão para que as pessoas possam fazer essas mesmas escolhas. Creio que, quando pegamos em números, calorias, e noutros aspetos mais objetivos, essa informação nem sempre está contextualizada, além de estar sempre associada à perda de peso. E a perda de peso tem tantas nuances e é tão complexa que, se trouxesse essa informação à minha página de Instagram dessa forma tão linear, não creio que estivesse a acrescentar nada de novo ou de positivo à vida das pessoas. E, mais do que isso, gosto muito da área do comportamento alimentar. Na minha opinião, é isso que faz falta. É nós pensarmos no modo como comemos, porque é que comemos e o que é que gostamos, em vez de pensarmos no que podemos ou não comer de um prisma mais objetivo.

A propósito, logo no início do seu livro “Intestino Descomplicado” diz que a comida não é apenas um combustível. O que é a comida e a alimentação representam para a Margarida?

Comida é afeto, comunidade e conforto. É privilégio e consciência do privilégio, do que temos e do que não temos. Se pensarmos bem, a comida é das primeiras formas que temos de nos nutrirmos do ponto de vista biológico, mas também de estabelecermos contacto com o outro, nomeadamente com a mãe ou com a figura materna, através da amamentação. Isso é a coisa mais simbólica daquilo que são as dimensões da comida, muito além de ser um combustível. A comida senta-nos à mesa, conforta-nos e conforta o outro, quando alguém está doente e lhe levamos uma canja. Traz-nos memórias, altera a forma como nos sentimos para melhor ou para pior. Há um domínio do prazer na comida que é inegável, caso contrário todos compraríamos umas fórmulas sem sabor, com as calorias, as proteínas, os lípidos e tudo aquilo de que necessitamos. A verdade é que nós não podemos colocar a comida num vácuo e pensarmos que é só uma forma de nutrirmos o corpo, porque não é. Tem toda uma dimensão psicossocial que é tão importante e que nós, às vezes, queremos esquecer, quando é impossível fazê-lo.

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Tendo a comida um papel tão central, qual foi o impacto na sua saúde, na sua vida e na sua alimentação de ser diagnosticada com síndrome do intestino irritável?

Margarida Beja

Acima de tudo, na altura em que isso aconteceu, os sintomas que eu tinha eram muito debilitantes e eu não sabia o que tinha. O facto de compreender o papel da nutrição e quais os alimentos que eu tolero melhor ou pior permitiu-me ter escolha. Deixei de comprometer, por exemplo, a parte social, de ir comer fora ou de cozinhar, porque comecei a compreender o que me faz bem e a perceber o que é a síndrome do intestino irritável. E esse conhecimento, tendo em conta a profissão que tenho, ajudou-me muito, mas também me inspirou a ajudar outras pessoas, dando-lhes informação. Não a dizer-lhes o que têm ou não de comer, mas dar-lhes conhecimento.

Foi também por isso que decidiu escrever o livro “Intestino Descomplicado”? O que a motivou?

Não só. Desde a faculdade, sempre adorei a parte gastrointestinal. Ganhei ainda mais gosto por esta área e comecei a aprender mais coisas desde que vim para o Reino Unido e a trabalhar em hospital. Comecei a compreender a dimensão que isto tem na vida das pessoas que sofrem de perturbações gastrointestinais. Como a comida tem uma dimensão psicossocial tão grande, se desenvolvermos sintomas ao comermos determinados alimentos, é normal que outras questões da nossa vida também possam estar comprometidas, nomeadamente o convívio.

Esta área sempre me interessou, até porque quando ingerimos um alimento o ponto de contacto é o aparelho gastrointestinal. E aquilo que acontece é fascinante. À medida que vamos estudando, temos cada vez mais descobertas que nos permitem colocar mais perguntas. Foi sobretudo por isso que este livro surgiu.

Além disso, a área gastrointestinal é propícia a uma série de mitos, de desinformação. Portanto, a minha missão com o livro – que é muito semelhante ao que faço nas redes sociais – é combater a desinformação e promover a literacia nutricional.

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O tema do intestino tem tido mais destaque nos últimos anos, porque se tem compreendido e estudado a importância da microbiota não só na prevenção, mas também como tendo um papel complementar do ponto de vista terapêutico nalgumas patologias. E o facto de sabermos cada vez mais e de compreendermos que é uma área que tem tanto impacto na nossa saúde dá-nos oportunidade para falarmos mais sobre o assunto. Agora, quando temos muita informação, também temos desinformação, porque nem toda a informação presente nas redes sociais e nos jornais é completamente verdadeira.

E quais são os principais mitos relacionados com o intestino?

Um dos principais é que temos de fazer restrições. Quando se fala em intestino, há sempre alguém que diz que para ter um intestino saudável é preciso restringir o glúten, a lactose ou outros grupos de alimentos. E, na realidade, não é assim. Quando fazemos uma alimentação restritiva também estamos a restringir nutrientes importantes para o intestino, como a fibra. Aliás, fazer restrições alimentares desnecessárias não é nada amigo do intestino. A nossa microbiota precisa de variedade na alimentação, de diversidade. 

Depois, existe um mito muito presente: a ideia de que o glúten é inflamatório. No livro, tenho quase um capítulo inteiro sobre o que é o glúten e quando é que faz sentido restringir.

Além disso, a questão dos probióticos também é muito frequente. Isto é, a ideia de que todos nós temos de tomar probióticos e de que os alimentos fermentados são probióticos. Na verdade, há uma diferença entre os probióticos e os alimentos fermentados. Os alimentos fermentados (como a kombucha e o kefir) não são verdadeiros probióticos, porque para que consideremos algo como probiótico tem de estar presente numa determinada quantidade e tem de ter um benefício específico para a saúde humana. 

Agora, consumir estes alimentos fermentados pode ser interessante numa perspetiva de promover a diversidade da microbiota, mas não são verdadeiros probióticos. Esses encontram-se na forma de suplementos e também não devem ser tomados de forma preventiva, devem ser tomados quando existe uma queixa específica e quando recomendado por um profissional de saúde. Os probióticos podem ter alguns benefícios em algumas situações clínicas, mas não vale a pena andarmos todos a tomar probióticos só porque sim.

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O que significa, então, uma alimentação amiga do intestino?

Antes de mais, para ser amiga do intestino, a alimentação não pode estar só focada no intestino. Deve estar focada naquilo que é bom para nós. Não nos adianta estarmos a fazer alterações na alimentação só para o intestino quando, na realidade, isso nos causa stress ou compromete a forma como nos alimentamos.

Especificamente para o intestino, a fibra é essencial. É importante haver diversidade na alimentação, comermos alimentos com texturas e cores diferentes.

Além disso, há outras questões com impacto na nossa saúde em geral e na saúde intestinal como o sono, as pessoas com quem nos relacionamos, o exercício físico e a gestão do stress. Não é por acaso que se diz que o intestino é o nosso segundo cérebro. Se nós não gerimos bem as nossas emoções e se não estamos bem emocionalmente, isso terá um impacto na forma como o nosso intestino funciona. 

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Alimentação

2 Nov 2022 - 03:00

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