PUB

Vitamina A trata o sarampo? E substitui a vacina?

23 Mar 2025 - 08:30

Vitamina A trata o sarampo? E substitui a vacina?

Como tratar o sarampo? Nas redes sociais partilha-se uma receita supostamente eficaz: “Vitamina A, vitamina D, muitos líquidos e descanso é o que cura o sarampo”, afirma-se num post da rede social X (antigo Twitter). O autor da publicação revela ser contra as vacinas, que descreve como “veneno injetado nos nossos corpos”.

A vitamina A está a ser associada ao tratamento de sarampo em diversas partilhas nas redes sociais. Em alguns casos, cita-se um estudo, publicado em 1990, em que se concluiu que a administração de vitamina A tem um “efeito protetor notável” em casos de sarampo grave – tanto ao nível da mortalidade, como na duração da pneumonia, diarreia e hospitalização associadas.

Numa altura em que o Estado norte-americano do Texas enfrenta um surto de sarampo – com mais de 270 casos confirmados, 36 pacientes hospitalizados e duas mortes -, Robert F. Kennedy Júnior, secretário norte-americano para a Saúde, assinou um artigo de opinião em que também referia a utilização vitamina A como uma forma de tratar a doença.

PUB

No texto, Kennedy destaca a recomendação do Centro norte-americano para o Controlo e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla inglesa) sobre a suplementação de vitamina A em casos de sarampo “leves, moderadas e graves”. Escreve ainda que “estudos têm demonstrado que a vitamina A pode reduzir significativamente a mortalidade por sarampo”.

Mas qual o papel da vitamina A no tratamento do sarampo? Será que a suplementação previne a doença? E substituirá a vacina? Gonçalo Cordeiro Ferreira, médico pediatra no Hospital da Luz, e Gustavo Tato Borges, médico de saúde pública na Unidade Local de Saúde (ULS) de Santo António, respondem a todas as dúvidas.

Vitamina A faz parte do tratamento para o sarampo grave?

De facto, a vitamina A faz parte do tratamento de suporte que é aplicado em casos de sarampo, segundo as recomendações pela Organização Mundial de Saúde (OMS). A suplementação desta vitamina acompanha os procedimentos para o alívio dos sintomas, uma vez que não existe um antivírico específico para esta infeção.

Gustavo Tato Borges reconhece que existe “uma recomendação genérica para suplementar vitamina A nas crianças com sarampo”, mas ressalva que “as vitaminas não tratam doenças”.

“Não é a vitamina A que vai curar o sarampo. Ajuda na proteção da retina e na redução do risco de ter doença grave”, afirma, lembrando que os nutrientes permitem ter um “corpo mais saudável e com maior resistência para lutar contra o vírus”.

A OMS declara que “não existe um tratamento específico para o sarampo” e que os profissionais de saúde “devem focar-se no alívio dos sintomas” e na “prevenção de complicações”. Por isso, o paciente deve beber bastante água (para evitar a desidratação associada à diarreia e aos vómitos) e manter uma dieta saudável.

PUB

A pa disto, aconselha-se a administração de duas doses de vitamina A em todas as crianças ou adultos com sarampo. Este procedimento “restaura os baixos níveis de vitamina A que ocorrem mesmo em crianças bem nutridas”, ajuda “a prevenir danos nos olhos e cegueira” e “reduz o número de mortes por sarampo”.

Também o CDC identifica a recomendação da OMS como parte do tratamento para o sarampo. Afirma que a suplementação de vitamina A tem como objetivo “reduzir o risco de complicações” associadas à infeção.

Uma revisão, publicada em 2005, concluiu que a administração de uma “megadose” de vitamina A (200.000 unidades internacionais por dia, durante dois dias) “reduziu o número de mortes por sarampo em crianças hospitalizadas com menos de dois anos”.

Apesar de a recomendação ser transversal a todos os países, Gonçalo Cordeiro Ferreira lembra que os casos de sarampo que necessitam de hospitalização são mais comuns em países em desenvolvimento, onde o acesso às vacinas é ainda reduzido e onde as crianças têm maior risco de défice nutricional – nomeadamente carências de vitamina A.

Nos países desenvolvidos, o pediatra sublinha que uma alimentação saudável e adequada “fornece vitamina A mais do suficiente” às crianças. Em Portugal, os reduzidos casos de sarampo das últimas décadas não justificaram o recurso à sumplementação de vitamina A, acrescenta.

Tomar vitamina A substitui a vacinação e previne o sarampo?

Gonçalo Cordeiro Ferreira responde diretamente à pergunta: “A vitamina A não substitui a vacina. A única prevenção eficaz contra o sarampo é a vacinação”.

No mesmo sentido, Gustavo Tato Borges sublinha que “a vitamina A não reduz o número de casos” de sarampo e que a vacinação “reduz muitíssimo o risco de ter doença numa forma grave”, acrescenta.

PUB

“Não há dúvida científica de que a vacina contra o sarampo é eficaz, segura e protetora”, remata o médico de saúde pública.

Segundo o CDC, a administração de duas doses da vacina (tanto a vacina combinada contra o sarampo, a parotidite epidémica e a rubéola como a que inclui também a varicela) tem uma eficácia de 97% na prevenção de sarampo. Quando administrada em crianças com um ano, uma dose da vacina tem a eficácia de 93%.

A OMS avança que a “vacinação contra o sarampo preveniu mais de 60 milhões de mortes entre 2000 e 2023”. No entanto, continuam a morrer crianças por sarampo, devido à falta de vacinação, principalmente nos países com menores recursos financeiros. Só em 2023, estima-se que tenham morrido perto de 107.500 crianças com sarampo.

“A vacinação é a melhor forma de evitar contrair sarampo ou de transmitir [a doença] a outras pessoas. A vacina é segura e ajuda o seu organismo a combater o vírus”, garante a OMS.

Em Portugal, a vacinação organizada contra o sarampo começou em 1973, com uma campanha dirigida a crianças com idades entre 1 e 4 anos. Atualmente, a vacina combinada contra o sarampo, a parotidite epidémica e a rubéola (VASPR) faz parte do Programa Nacional de Vacinação e é administrada em duas doses – a primeira aos 12 meses, a segunda aos cinco anos.

Segundo a norma 006/2013, a cobertura nacional da VASPR (duas doses) “é superior ou igual a 95%, pelo menos desde 2006”. Contudo, “este valor não é uniforme, verificando-se assimetrias regionais e locais, que aumentam o risco de existência de bolsas de população suscetíveis”, pode ler-se.

PUB

Um artigo, publicado na década de 1990, levantou dúvidas sobre a segurança da vacina, sugerindo a existência de uma relação entre a vacina e o autismo. Os autores do estudo foram considerados culpados de “fraude deliberada”, por terem “selecionado e escolhido os dados que se adequavam ao seu caso” e por terem “falsificado factos”. Em 2010, a Lancet acabou por se retratar sobre o estudo.

PUB

Depois disso, vários estudos validaram a segurança e eficácia da vacina contra o sarampo. Ainda assim, muitos adeptos do movimento antivacinas continuam a citar este artigo para sustentar a ideia de que a vacinação é perigosa para a saúde das crianças, o que levanta preocupação nos especialistas.

“Se não combatermos o movimento antivacinas, o mundo volta a ter taxas de mortalidade infantil elevadíssimas, o que é um enorme retrocesso civilizacional”, alerta Gustavo Tato Borges.

23 Mar 2025 - 08:30

Partilhar:

PUB