Romãs, clementinas e dióspiros. Há vantagens em comer fruta da época?
Apesar de os supermercados e hipermercados disponibilizarem diversas frutas durante o ano inteiro, todas elas têm a sua época, ou seja, são produzidas em determinados meses. Por exemplo, novembro e dezembro são os meses de frutas como as romãs, as clementinas e os dióspiros. Faz sentido preferir o consumo de fruta da época? Há vantagens em fazê-lo?
Em declarações ao Viral, Manuela Nogueira, nutricionista e membro da direção da Ordem dos Nutricionistas (ON), começa por esclarecer que “existem imensas vantagens em comer fruta, por si só”.
Segundo a nutricionista, estes “são alimentos com um potencial enorme, riquíssimos em fibra e boas fontes de água”.
Têm, também, “um valor nutricional bastante interessante, muito ricos em vários micronutrientes”, prossegue.
Aliás, refere-se num documento da Associação Portuguesa de Nutrição (APN), “o consumo de fruta, enquadrado num estilo de vida saudável, garante o aporte de nutrientes reguladores”, tais como “vitaminas” e “minerais”.
A fruta é ainda “muito rica em polifenóis, substâncias antioxidantes com várias funções no nosso organismo, que existem em vários alimentos”, salienta Manuela Nogueira.
Apesar de todos os benefícios, os portugueses parecem não comer fruta suficiente. A nutricionista refere que “os últimos dados do Inquérito Alimentar Nacional e da Atividade Física” indicam que, em Portugal, “temos um consumo aquém das recomendações”.
Recomenda-se o consumo de 3 a 5 porções de fruta por dia (ver aqui) e, até à data, os portugueses têm “um consumo de fruta 6% inferior ao recomendado pela Roda dos Alimentos”, destaca Manuela Nogueira.
Quais as vantagens em comer fruta da época?
Maior valor nutricional
Na perspetiva de Manuela Nogueira, existem “vantagens, em termos nutricionais, em comer fruta da época”.
Esta ideia também é reforçada no documento da APN, em que se recomenda o consumo de fruta da época, “já que é mais rica do ponto de vista nutricional”, “se for colhida quando se encontra quase madura”.
Isto porque, explica-se num texto da Associação Americana do Coração, assim que “uma fruta é colhida, o seu conteúdo nutricional pode diminuir” e, “quanto maior o tempo entre a colheita e o consumo, maior a perda potencial de vitaminas e antioxidantes”.
Por exemplo, “as vitaminas, em particular a vitamina C, degradam-se durante o armazenamento”, ou seja, uma fruta conservada durante vários meses pode ter níveis mais baixos de determinados nutrientes do que as consumidas perto do momento em que foram colhidas.
Assim, também é uma vantagem “aliar à fruta da época a fruta local”, salienta Manuela Nogueira.
Ao comprar fruta local, “vou comprar frutas que foram colhidas muito mais perto do momento de maturação” e que, por isso, “têm um potencial muito maior de todas as características organoléticas das frutas”, explica.
Por esses motivos, aponta-se num texto do Programa Nacional de Promoção da Alimentação Saudável (PNPAS), “o consumo de frutas da época e produzidas localmente é uma das características do padrão alimentar mediterrânico”.
Mais sabor e qualidade
Manuela Nogueira explica que, “sensorialmente, a fruta da época é mais apetecida”, porque “tem um cheiro, um sabor e uma cor mais fiel ao original”.
É comum “as pessoas queixarem-se de que a fruta não tem sabor”, mas, às vezes, isso pode dever-se ao facto de se estar a comer uma determinada fruta fora da sua época.
Fora de época, a fruta “tem toda uma orgânica por detrás, que faz com que ela não tenha as condições climatéricas adequadas para estar no auge daquilo que é o seu potencial”, explica a nutricionista.
Além disso, de forma a prolongar-se o tempo de vida da fruta, “recorre-se a métodos de conservação, sobretudo refrigeração, que acabam por alterar o seu sabor”, acrescenta.
Noutros casos, “o método de produção foi acelerado e a colheita foi prematura”, por isso “a fruta não teve tempo de se desenvolver completamente”. Claro que isso também influencia o sabor deste alimento.
E esses “processos de produção” são, muitas vezes, “acelerados através do uso de determinados produtos, que também alteram um pouco o sabor”, defende.
Comprar fruta da época é mais sustentável
Há outro “ponto fundamental quando se fala em fruta da época, que é a questão da sustentabilidade e da nossa pegada ecológica”, destaca Manuela Nogueira.
Na perspetiva da nutricionista, “hoje em dia, quando vamos às compras, sobretudo em grandes superfícies, pode ser difícil conseguir distinguir o que é fruta da época do que não é”, salvo algumas exceções.
Por exemplo, nesta altura do ano, “os dióspiros e as romãs são frutas mais identificáveis, porque sabemos que a partir de uma certa altura deixa de haver essa disponibilidade”.
Mas há muitas outras frutas que estão disponíveis o ano inteiro e as pessoas acabam por “não ter noção do que é realmente de época ou não”, refere.
Sem se dar por isso, apesar de a origem do produto estar na etiqueta, pode-se estar a comprar fruta “que vem de outros países e até mesmo de fora do continente europeu”.
Em Portugal, “as cerejeiras são típicas da primavera”, exemplifica. Por isso, para se conseguir comer “cerejas no Natal, é preciso que elas venham de muito longe”.
Assim, apostar em fruta da época e o mais local possível também é uma forma de preservar o meio ambiente (ver também aqui).
Variedade na alimentação
Enquanto portugueses, “além de consumirmos menos fruta do que deveríamos, somos muito monótonos”, adianta Manuela Nogueira.
Grande parte das pessoas come “maçã, pêra, banana, laranja e pouco mais”. Como estão habituadas a esta monotonia, “não se permitem experimentar” frutas novas.
Segundo a nutricionista, isto tem muito que ver com hábitos que se criam desde a infância e com “as memórias associadas” aos sentidos, como “o paladar e o olfato”.
Portanto, “quanto mais cedo formos aumentando a diversidade de frutas que oferecemos às crianças, maior é a aceitação” dos alimentos.
Ao “comermos fruta da época”, além de “termos todas as vantagens nutricionais”, adiciona-se “variedade à dieta, por não estarmos sempre a consumir os mesmos produtos”, defende a nutricionista.
Preço menor
É importante ainda realçar que “o preço vai variando consoante a altura do ano”, salienta Manuela Nogueira.
“Às vezes, as pessoas nem se apercebem muito bem”, mas “um produto fora da época normalmente é um produto mais caro”, esclarece.
Embora, atualmente, os preços dos produtos possam aumentar “devido a outros fatores”, por norma, a fruta da época é mais barata (ver também aqui, aqui e aqui).
Fruta da época é tradição e cultura gastronómica
Enquanto seres humanos, “sempre tivemos a cultura gastronómica de comer o que a natureza nos oferece”, explica Manuela Nogueira.
Aliás, prossegue, quando ainda “éramos nómadas, mudávamo-nos consoante o que nos era oferecido”. Hoje em dia, “ao comer-se fruta da época”, continua-se a seguir esta tradição.
Na perspetiva da nutricionista, é importante não esquecer que “a alimentação não é só o alimento em si, é toda uma cultura, uma memória e um conceito que está por detrás”.
Apesar de “isto se estar a perder”, “há todo um cenário à volta dos alimentos” associado “à colheita, à preparação e à confeção”, que liga “momentos e pessoas ao consumo de determinados alimentos” e isto “também faz parte do conceito de alimentação saudável”, conclui.
Este artigo foi desenvolvido no âmbito do European Media and Information Fund, uma iniciativa da Fundação Calouste Gulbenkian e do European University Institute.
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