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Soroterapia conquista celebridades. Como funciona e quais os riscos do “soro da beleza”?

7 Jan 2023 - 10:03

Soroterapia conquista celebridades. Como funciona e quais os riscos do “soro da beleza”?

A soroterapia, também conhecida como “o soro da beleza”, é um tratamento que consiste em administrar diretamente na veia um cocktail de vitaminas e minerais. Nos últimos anos, a prática ganhou adeptos, sobretudo entre as celebridades.

Em 2016, o casamento dos atores Sofia Vergara e Joe Manganiello foi notícia por incluir uma ambulância onde os convidados podiam ser reidratados com um “cocktail” intravenoso, reduzindo assim possíveis ressacas. Em Portugal, a soroterapia também ganhou fama em 2017, com a abertura de uma clínica que fechou pouco tempo após ser inaugurada. Mais recentemente, o reality show The Kardashians emitiu um episódio em que Kendall Jenner e Hailey Bieber promoveram esta prática.

As clínicas que promovem a soroterapia alegam que a prática tem benefícios no sistema imunitário e na pele, ajudando também a tratar problemas como a ansiedade e as doenças cardíacas. Mas existe evidência científica que prove estes efeitos? E que riscos tem a soroterapia para a saúde?

O que é a soroterapia? E os seus benefícios são comprovados cientificamente?

soroterapia

A soroterapia é uma terapêutica de suplementação em que uma mistura de minerais, aminoácidos e vitaminas é administrada por via intravenosa, ou seja, diretamente para a veia. Algumas celebridades têm utilizado esta terapia com o objetivo de recuperar energia depois de uma festa ou de combater o jet lag após uma longa viagem.

As clínicas onde se realizam estes tratamentos apresentam vários tipos de cocktails, promovendo alegados benefícios para a saúde. Segundo estas empresas, a prática reforça o sistema imunitário, melhora o aspeto da pele, auxilia o emagrecimento, diminui os níveis de ansiedade e trata doenças cardíacas.

Na base desta terapêutica está o princípio de que a administração intravenosa permite uma absorção dos componentes pelo organismo mais rápida e eficiente do que a administração oral. A soroterapia é utilizada para repor as vitaminas e minerais dos quais o corpo supostamente necessita. 

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No entanto, os três especialistas contactados pelo Viral garantem não existir evidência científica robusta para sustentar estes alegados benefícios.

“Não há evidência que mostre que este tratamento tenha, de facto, impacto na saúde”, adianta a nutricionista Helena Trigueiro. A investigadora na Ulster University acrescenta ser fundamental explicar aos pacientes que “a soroterapia não tem benefícios” e que “as alegações que se fazem são excessivas e enganadoras”.

Também António Vaz Carneiro, presidente do Instituto de Saúde Baseado na Evidência, diz desconhecer a existência de artigos científicos válidos e credíveis publicados sobre este assunto. 

O médico considera que “não vale a pena vender este tratamento como uma forma de compensação para o organismo”, uma vez que os componentes que são administrados através dos cocktails podem ser adquiridos através de uma alimentação saudável e variada.

No mesmo plano, Alexandrina Ferreira Mendes, professora na Faculdade de Farmácia da Universidade de Coimbra e investigadora no Centro de Neurociências e Biologia Celular, defende que “quem faz uma alimentação variada não precisa de suplementos” já que “todos os sais minerais e vitaminas de que precisamos estão nos alimentos”. Por isso, a investigadora é contra a prática de injetar suplementos no organismo de “pessoas que não sabem se têm falta” de determinados nutrientes.

A soroterapia tem riscos para a saúde?

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Doctor in blue uniform holding drip iv and infusion pump, . Intravenous fluid for seriously patient in the emergency room at hospital. Medical treatment emergency concept.

Questionado sobre os eventuais riscos da soroterapia, António Vaz Carneiro sublinha que não são conhecidos “os efeitos desta prática”.

Numa revisão científica, publicada em 2012 pela Cochrane Library, foram analisados 78 ensaios clínicos randomizados para perceber o impacto da utilização de suplementos antioxidantes (betacaroteno, vitamina A, vitamina C, vitamina E e selênio) na saúde dos participantes. No total, foram considerados 296.707 participantes. Os investigadores concluíram que “não foi encontrada evidência que suporte o uso de suplementos antioxidantes para prevenção primária ou secundária”.

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Por outro lado, os autores do estudo identificaram riscos associados à toma de alguns antioxidantes: “O betacaroteno e a vitamina E parecem aumentar a mortalidade, assim como doses elevadas de vitamina A”. 

Os investigadores avisam ainda que “os suplementos de antioxidantes têm de ser considerados produtos médicos e devem passar por avaliações suficientes antes da comercialização”.

Algumas das vitaminas que o nosso organismo necessita são lipossolúveis, o que significa que, quando administrada sem excesso, podem acumular-se no organismo – nomeadamente no fígado e nos tecidos adiposos. É o caso, por exemplo, das vitaminas A, D e E. 

Nesse sentido, a toma de suplementos destas vitaminas – seja por via oral ou intravenosa – sem que exista um défice pode estar a “provocar efeitos adversos graves”, alerta o presidente do Instituto de Saúde Baseado na Evidência.

Também Helena Trigueiro considera que o maior risco nos tratamentos de soroterapia está relacionado com as quantidades de minerais e vitaminas administrados: “Provavelmente não vai fazer mal, a menos que seja injetada uma quantidade que ultrapasse o upper limit [o limite máximo que o organismo consegue tolerar]”. 

No mesmo plano, conclui, “as pessoas só devem tomar um suplemento alimentar quando estão numa situação de deficiência de algum mineral ou vitamina”, sendo que “se não têm esse défice, não há necessidade de tomar” suplementação. 

Por outro lado, existem algumas doenças ou condições que podem estar relacionadas com uma insuficiente absorção de vitaminas e minerais dos alimentos. Nesses casos, o paciente deverá procurar aconselhamento médico antes de iniciar a toma de suplementos.

A curta história da Reviv Lisbon: a primeira clínica de soroterapia em Portugal

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A primeira clínica de soroterapia chegou a Portugal em 2017. Na altura, no site da Reviv Lisbon anunciavam-se tratamentos de “bem-estar” para ajudar na recuperação da ressaca e no tratamento de doenças, para proporcionar vitaminas ou refrescar o aspeto da pele, entre outros. Várias personalidades dos media portugueses partilharam fotografias nas redes sociais a promover este tratamento.

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A clínica obteve a licença para operar na área da “medicina geral e familiar” a 2 de fevereiro de 2017, com autorização para exercer atividade como “centro de enfermagem” e “clínica ou consultório médico”. 

Mas o sucesso desta clínica em Portugal foi sol de pouca dura: as Ordens dos Médicos, dos Enfermeiros, dos Farmacêuticos e dos Nutricionistas juntaram-se para pedir uma intervenção da Entidade Reguladora da Saúde (ERS) sobre esta terapêutica que acabou com a suspensão da licença médica do estabelecimento. 

“A Ordem dos Médicos, na sequência de comunicações de vários médicos pedindo a sua intervenção, considerou que alguma da informação existente no site da empresa correspondia a uma situação de ‘publicidade enganosa’ e decidiu averiguar que tipo de serviços fornecia efetivamente a clínica em causa”, pode ler-se no comunicado emitido pela Ordem dos Médicos.

As várias ordens profissionais manifestaram-se também quanto “à eventual ilegalidade e perigos para a saúde pública, nomeadamente por se estarem a fazer tratamentos desnecessários em pessoas saudáveis”.

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A Reviv Lisbon mostrou-se disponível para colaborar com a investigação e para “prestar toda a informação necessária”, tal como noticiou a Lusa em maio de 2017. Porém, de acordo com a Ordem dos Médicos, no dia em que estava marcada a inspeção (25 de maio) “foi impossível aceder ao estabelecimento porque a clínica se encontrava fechada”. 

“A ERS prosseguiu as suas averiguações e verificou que o estabelecimento não reabriu desde então”, pode ainda ler-se. Sem a inspeção feita, a licença de funcionamento da Reviv Lisbon foi suspensa até que fosse “efetuada uma vistoria prévia”. A deliberação foi anunciada a 28 de junho.

A empresa Reviv continua a exercer em outros países, mas não voltou a abrir clínica em Portugal. Segundo o site oficial, está presente em mais de 30 países, com mais de 90 clínicas abertas.

7 Jan 2023 - 10:03

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