A sexualidade tem idade? O que muda (ou não) com o envelhecimento
A ideia de que as pessoas mais velhas deixam de ter atividade sexual ou de sentir desejo sexual é uma crença comum. Apesar da importância que tem, a sexualidade no envelhecimento é um tema pouco falado e sobre o qual persistem muitos mitos e tabus. É verdade que a sexualidade acaba quando envelhecemos? As pessoas mais velhas deixam de ter desejo sexual? Como é que a sexualidade muda com o avançar da idade?
No Dia Mundial da Terceira Idade, Ana Carvalheira, psicóloga, sexóloga, professora e investigadora no Ispa – Instituto Universitário, esclarece como e porque é que a sexualidade muda com o envelhecimento.
A sexualidade acaba quando envelhecemos?
Ana Carvalheira começa por explicar que o conceito de sexualidade é complexo e “pluridimensional”. Segundo a investigadora, a sexualidade “tem uma dimensão biológica, psicológica, social, cultural, comportamental, intrapessoal, interpessoal e relacional”.
Todas estas dimensões fazem com que a sexualidade “mude ao longo da vida”, ou seja, “o que precisamos aos 20 anos não é o mesmo que precisamos aos 40, aos 60 ou aos 80”.
Mas isto não significa que a sexualidade acaba quando envelhecemos, pelo contrário. Ana Carvalheira defende que a ideia de que os seniores não têm sexo ou não têm desejo sexual é um mito.
“Uma idade avançada, por si só, não destrói o desejo sexual”, sublinha a professora. “Se o desejo sexual não for reprimido, ou destruído por fatores biológicos, vai até à morte”.
Aliás, esta ideia é reforçada num projeto europeu com cinco países – de que Ana Carvalheira foi coautora – “que estudou, durante quatro anos, a sexualidade no envelhecimento” (ver aqui).
“Nós somos seres sexuados desde que nascemos até morrermos”, sublinha a investigadora que é também autora do livro “Em Defesa do Erotismo”. Mas “a sexualidade vai mudando e o erotismo vai-se adaptando às condições de vida, condições biológicas, psicológicas e sociais”, explica.
Por exemplo, “há a crença de que a sexualidade, nas mulheres, acaba com a menopausa”, mas “isso é mentira”.
Um estudo recente “revela os benefícios da masturbação em mulheres com menopausa”, aponta a especialista.
Nas conclusões do trabalho esclarece-se que “o prazer sexual e o orgasmo continuam a ser importantes para muitas mulheres mais velhas, e a menopausa nem sempre está associada a alterações adversas na sexualidade, incluindo a capacidade de atingir o orgasmo durante a masturbação”.
Aliás, há casos em que “o desejo sexual de uma mulher, depois da menopausa, pode ser mais intenso”, refere Ana Carvalheira.
A investigadora exemplifica: “se uma mulher tiver um bom parceiro ou parceira e se tiver um bom contexto relacional, a sexualidade desta mulher pode ser muito mais interessante aos 60 anos do que foi aos 25”, porque, nessa altura, “era inexperiente, poderia ter uma má autoimagem, uma má autoestima, medos e inibições”.
Porque é que a sexualidade muda com o avançar da idade?
Apesar de a sexualidade não acabar com o envelhecimento, a verdade é que há vários fatores “que a perturbam”. Ana Carvalheira destaca as mudanças biológicas, fatores socioculturais e a assimetria demográfica.
Mudanças biológicas, doenças e tratamentos
Segundo a professora, “as condições de saúde” que, muitas vezes, vão surgindo com a idade, e, sobretudo, os tratamentos dessas doenças “afetam a sexualidade”.
Por exemplo, alguns “anti-hipertensores”, “fármacos para a depressão” e medicamentos “para o colesterol” podem ter um impacto negativo na sexualidade
Isto não significa que as pessoas devam deixar de tomar a sua medicação. Deve-se, sim, “falar com os médicos no sentido de se perceber se há tratamentos mais ‘amigos’ da sexualidade”, explica Ana Carvalheira.
Mesmo no caso de alguns problemas relacionados com a saúde sexual pode haver soluções.
Casos de secura vaginal, por exemplo, podem ser tratados com a utilização de lubrificantes ou hidratantes, recomendados por um profissional de saúde. Em contextos específicos, um médico até pode receitar medicamentos hormonais ou não hormonais, lê-se num texto do Instituto Nacional do Envelhecimento dos Estados Unidos (NIA, na sigla inglesa).
Por outro lado, se o problema estiver ligado a disfunção erétil, “muitas vezes, pode ser tratado com medicamentos”, “outros tratamentos” e alterações de estilo de vida.
Fazer terapia também pode ajudar a lidar com problemas sexuais ou, até, com as mudanças típicas do envelhecimento.
Fatores socioculturais
Os fatores socioculturais, ou seja, “as crenças e as atitudes que a sociedade tem perante este tema, que são altamente negativas e perturbadoras, também atrapalham a sexualidade das pessoas mais velhas”, avança Ana Carvalheira.
Ainda se acredita que “estas pessoas não têm um erotismo”, quando os estudos e a prática clínica mostram o contrário.
Na perspetiva da investigadora, isto deve-se ao facto de “vivermos numa sociedade e numa cultura que defende o antiaging“, e, sublinha, “a vivência sexual numa sociedade que é antienvelhecimento não pode correr bem”.
A psicóloga explica que “o modelo social dominante vê a sexualidade como algo para as pessoas novas e bonitas”, o que leva “a uma pressão social muito grande para permanecermos jovens e atraentes, dentro dos padrões da sociedade”.
Gastam-se “milhões em campanhas e em medicina antiaging, quando deveríamos aprender a aceitar o envelhecimento e a adaptarmo-nos às mudanças que o envelhecimento traz”, prossegue.
Fazer isto pode permitir “ir ao encontro da possibilidade de continuar a viver a sexualidade e o prazer sexual com adaptações ao estado de saúde, em vez de lutarmos contra o envelhecimento, que é coisa inevitável”.
Enquanto sociedade, ainda se olha muito “para o envelhecimento como uma coisa estritamente má e limitante” que “traz doenças e tratamentos”, mas o envelhecimento traz também “mais liberdade, menos inibições, menos medos”, se compararmos com a altura em que se é jovem.
Assimetria demográfica
Além dos fatores biológicos e socioculturais, a assimetria demográfica também influencia negativamente a sexualidade, sobretudo o desejo sexual.
Existem mais viúvas do que viúvos, o que torna muito mais difícil procurar um parceiro ou parceira, sobretudo para as pessoas que procuram um homem.
Estes fatores, individualmente ou em conjunto, podem perturbar a sexualidade e o desejo sexual no envelhecimento.
“A idade, por si só, não destrói a sexualidade ou o desejo sexual”, “o que destrói – à parte de certas condições médicas e alguns tratamentos – são: a assimetria demográfica, os mitos, as crenças e as atitudes de sociedades que marginalizam e estigmatizam as pessoas”, defende Ana Carvalheira.
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