“Save me first”. Testamento vital para grávidas partilhado no TikTok é válido e útil?
Basta pesquisar no TikTok pelas palavras “save me first” (em português, “salvem-me primeiro”) e surgem vários vídeos de mulheres grávidas a anunciarem uma espécie de “testamento vital”.
No texto que acompanha as gravações pode ler-se o seguinte: “Se houver complicações durante o parto, salvem-me primeiro”. Um dos vídeos conta já com mais de 2,7 milhões de visualizações e quase 390 mil gostos.
O objetivo destas mulheres é informar os profissionais de saúde sobre como devem atuar caso tenham de escolher entre salvar a mãe ou o bebé. Umas manifestam a intenção de serem salvas primeiro, enquanto outras preferem o contrário.
A tendência começou nos Estados Unidos da América. Nos últimos meses, em alguns Estados, o aborto foi criminalizado. Esta mudança levou a que aumentasse o receio de que médicos deem prioridade à vida do feto em casos de emergência médica.
Mas, em Portugal, há necessidade de fazer este tipo de testamento vital? Os profissionais de saúde têm de escolher entre salvar a mãe e o bebé quando há complicações no parto?
O Viral procurou perceber o fenómeno e se existe algum motivo de preocupação para as grávidas. Para isso, contactámos três profissionais de saúde com experiência na área: uma enfermeira e duas médicas.
Profissionais de saúde têm de escolher entre salvar a mãe ou o filho?
A resposta foi unânime: nenhuma delas se deparou com qualquer situação que se aproxime de um cenário de escolha entre gestante e feto.
Num primeiro plano, Carmen Ferreira, enfermeira especialista em saúde materna e obstétrica, assegura que “não há nenhuma situação clínica em que alguém tenha de decidir entre a vida da mãe e a vida do bebé”.
A mesma opinião é partilhada pela médica ginecologista/obstetra Mariana Torres: “Não consigo mesmo imaginar nenhuma circunstância em que isso estivesse em cima da mesa no trabalho de parto”.
Até ao nascimento, o bebé depende sempre da mãe. Por esse motivo, Mariana Torres refere que fazer uma escolha que vai prejudicar a mãe não traz nenhuma vantagem para um bebé.
Irina Ramilo, médica ginecologista/obstetra, é perentória: “Na obstetrícia nós não temos esta dicotomia de ter de escolher entre a mãe e o filho. Tentamos sempre salvar os dois”.
Assim, respondendo à questão inicial, a crença de que os profissionais de saúde escolhem quem salvar caso surjam complicações durante o trabalho de parto é um mito.
Apesar de, por vezes, vermos essa situação retratada em séries como “House of the Dragon”, trata-se de mera ficção.
Há algumas patologias em que o prolongar da gravidez pode afetar quer a vida da mulher, quer a vida do bebé. Um dos exemplos é a pré-eclâmpsia, em que se verificam níveis de pressão arterial elevados (hipertensão) associados à presença de proteínas na urina.
Nesses casos interrompe-se a gravidez. Portanto, não chega a existir sequer uma escolha sobre quem salvar no momento do parto.
O mesmo se aplica a situações de coma profundo e de morte cerebral da mãe. A única opção é manter a mãe viva para conseguir que o bebé sobreviva e também nesse caso não se escolhe um em detrimento do outro.
Informações na internet devem ser vistas “com filtros” e muito sentido crítico
“Chegam-me grávidas completamente assustadas que viram já trinta mil e uma coisas na internet e depois é tanta informação que elas estão ainda mais desinformadas do que há alguns anos”, alerta Carmen Ferreira.
A enfermeira realça que aquilo que vemos nas redes sociais, na maioria dos casos, é informação não isenta e que está repleta de juízos de valor.
“O objetivo atualmente, mais do que informar, é gerar o pânico e o terror”, lamenta a especialista.
A médica Mariana Torres reforça esta ideia: “O facto de ser chocante faz com que, ainda mais facilmente, as pessoas fiquem alarmadas e a pensar que é algo em que nunca pensaram e em que têm que pensar”.
Mariana Torres garante que compreende porque é que o fenómeno surgiu nos Estados Unidos depois da mudança da lei, mas lembra que em Portugal a lei é clara. É possível fazer-se uma interrupção de gravidez em qualquer momento da gravidez se este for o único meio de assegurar a saúde da mãe.
Irina Ramilo, também médica, fala num sensacionalismo que gera ansiedade desnecessária.
O facto de as pessoas, por vezes, não conseguirem filtrar a informação que está espalhada pelas redes sociais preocupa-a: “Quem não conhece a medicina ainda põe em questão: Será que eles vão optar por mim ou pelo bebé? E isso não acontece”.
Caso surjam estas dúvidas estando grávida o mais indicado é sempre falar com o profissional de saúde que a esteja a acompanhar.
Deve fazer-se uma lista com as dúvidas que vão surgindo e, quando se for à consulta, colocar todas as perguntas.
O testamento vital em Portugal
O site do SNS 24 tem uma secção dedicada apenas a questões sobre o testamento vital, onde pode ler-se que este é um documento que serve para todo o cidadão maior de idade manifestar que tipo de tratamento e de cuidados de saúde pretende, ou não, receber quando estiver incapaz de expressar a sua vontade. Pode também nomear um ou mais procuradores de cuidados de saúde.
O testamento vital, quando devidamente apresentado, pode ser útil noutro tipo de situações que não as de obstetrícia já anteriormente mencionadas.
O suposto “testamento vital” feito através da partilha de um vídeo nas redes sociais não tem qualquer validade.
LER MAIS ARTIGOS DO VIRAL:
- Chá de louro e cravo-da-índia emagrece e “seca barriga”?
- Xarope de cenoura caseiro cura gripes e constipações?
- Deve lavar o arroz antes de o cozinhar por causa “dos pesticidas”? Especialistas respondem
- O corpo envia sinais um mês antes de um AVC ocorrer?
- Restos de cebola são venenosos e não deve guardá-los no frigorífico?
- Comer uma banana à noite ajuda a dormir melhor?
- Café curto tem mais cafeína do que o cheio?
- Beber Coca-Cola para tratar a diarreia é eficaz e recomendável?
- Fazer unhas de gel tem riscos para a saúde? Como minimizá-los?
- Deve demolhar as leguminosas antes de as cozinhar? Porquê?
- O café é “a droga mais viciante do mundo”?
- Beber café antes da sesta tem benefícios?
- Nunca se pode tomar medicamentos com leite, sumo ou chás?
Categorias:
Etiquetas: