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“Save me first”. Testamento vital para grávidas partilhado no TikTok é válido e útil?

14 Mar 2023 - 03:14

“Save me first”. Testamento vital para grávidas partilhado no TikTok é válido e útil?

Basta pesquisar no TikTok pelas palavras “save me first” (em português, “salvem-me primeiro”) e surgem vários vídeos de mulheres grávidas a anunciarem uma espécie de “testamento vital”.

No texto que acompanha as gravações pode ler-se o seguinte: “Se houver complicações durante o parto, salvem-me primeiro”. Um dos vídeos conta já com mais de 2,7 milhões de visualizações e quase 390 mil gostos.

testamento vital

O objetivo destas mulheres é informar os profissionais de saúde sobre como devem atuar caso tenham de escolher entre salvar a mãe ou o bebé. Umas manifestam a intenção de serem salvas primeiro, enquanto outras preferem o contrário.

A tendência começou nos Estados Unidos da América. Nos últimos meses, em alguns Estados, o aborto foi criminalizado. Esta mudança levou a que aumentasse o receio de que médicos deem prioridade à vida do feto em casos de emergência médica. 

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Mas, em Portugal, há necessidade de fazer este tipo de testamento vital? Os profissionais de saúde têm de escolher entre salvar a mãe e o bebé quando há complicações no parto?

O Viral procurou perceber o fenómeno e se existe algum motivo de preocupação para as grávidas. Para isso, contactámos três profissionais de saúde com experiência na área: uma enfermeira e duas médicas.

Profissionais de saúde têm de escolher entre salvar a mãe ou o filho?

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A resposta foi unânime: nenhuma delas se deparou com qualquer situação que se aproxime de um cenário de escolha entre gestante e feto.

Num primeiro plano, Carmen Ferreira, enfermeira especialista em saúde materna e obstétrica, assegura que “não há nenhuma situação clínica em que alguém tenha de decidir entre a vida da mãe e a vida do bebé”.

A mesma opinião é partilhada pela médica ginecologista/obstetra Mariana Torres: “Não consigo mesmo imaginar nenhuma circunstância em que isso estivesse em cima da mesa no trabalho de parto”.

Até ao nascimento, o bebé depende sempre da mãe. Por esse motivo, Mariana Torres refere que fazer uma escolha que vai prejudicar a mãe não traz nenhuma vantagem para um bebé.

Irina Ramilo, médica ginecologista/obstetra, é perentória: “Na obstetrícia nós não temos esta dicotomia de ter de escolher entre a mãe e o filho. Tentamos sempre salvar os dois”.

Assim, respondendo à questão inicial, a crença de que os profissionais de saúde escolhem quem salvar caso surjam complicações durante o trabalho de parto é um mito.

Apesar de, por vezes, vermos essa situação retratada em séries como “House of the Dragon”, trata-se de mera ficção.

Há algumas patologias em que o prolongar da gravidez pode afetar quer a vida da mulher, quer a vida do bebé. Um dos exemplos é a pré-eclâmpsia, em que se verificam níveis de pressão arterial elevados (hipertensão) associados à presença de proteínas na urina.

Nesses casos interrompe-se a gravidez. Portanto, não chega a existir sequer uma escolha sobre quem salvar no momento do parto.

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O mesmo se aplica a situações de coma profundo e de morte cerebral da mãe. A única opção é manter a mãe viva para conseguir que o bebé sobreviva e também nesse caso não se escolhe um em detrimento do outro.

Informações na internet devem ser vistas “com filtros” e muito sentido crítico

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“Chegam-me grávidas completamente assustadas que viram já trinta mil e uma coisas na internet e depois é tanta informação que elas estão ainda mais desinformadas do que há alguns anos”, alerta Carmen Ferreira.

A enfermeira realça que aquilo que vemos nas redes sociais, na maioria dos casos, é informação não isenta e que está repleta de juízos de valor.

“O objetivo atualmente, mais do que informar, é gerar o pânico e o terror”, lamenta a especialista.

A médica Mariana Torres reforça esta ideia: “O facto de ser chocante faz com que, ainda mais facilmente, as pessoas fiquem alarmadas e a pensar que é algo em que nunca pensaram e em que têm que pensar”.

Mariana Torres garante que compreende porque é que o fenómeno surgiu nos Estados Unidos depois da mudança da lei, mas lembra que em Portugal a lei é clara. É possível fazer-se uma interrupção de gravidez em qualquer momento da gravidez se este for o único meio de assegurar a saúde da mãe.

Irina Ramilo, também médica, fala num sensacionalismo que gera ansiedade desnecessária.

O facto de as pessoas, por vezes, não conseguirem filtrar a informação que está espalhada pelas redes sociais preocupa-a: “Quem não conhece a medicina ainda põe em questão: Será que eles vão optar por mim ou pelo bebé? E isso não acontece”.

Caso surjam estas dúvidas estando grávida o mais indicado é sempre falar com o profissional de saúde que a esteja a acompanhar.

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Deve fazer-se uma lista com as dúvidas que vão surgindo e, quando se for à consulta, colocar todas as perguntas.

O testamento vital em Portugal

O site do SNS 24 tem uma secção dedicada apenas a questões sobre o testamento vital, onde pode ler-se que este é um documento que serve para todo o cidadão maior de idade manifestar que tipo de tratamento e de cuidados de saúde pretende, ou não, receber quando estiver incapaz de expressar a sua vontade. Pode também nomear um ou mais procuradores de cuidados de saúde.

O testamento vital, quando devidamente apresentado, pode ser útil noutro tipo de situações que não as de obstetrícia já anteriormente mencionadas.

O suposto “testamento vital” feito através da partilha de um vídeo nas redes sociais não tem qualquer validade.

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Gravidez

14 Mar 2023 - 03:14

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