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Procrastinação crónica: A culpa é dos níveis elevados de cortisol?

8 Jan 2025 - 09:42

Procrastinação crónica: A culpa é dos níveis elevados de cortisol?

Sabe que tem uma tarefa em mãos, mas adia constantemente o seu início. Sente que está a sabotar as suas estratégias e decisões, deixando para mais tarde as tarefas que precisa de terminar. Se esta descrição lhe está a ser familiar, provavelmente já ouviu falar de procrastinação.

Procrastinação é um comportamento caracterizado pela falta de motivação para realizar uma tarefa que o indivíduo sabe ser necessária. É também descrita como uma “forma autodestrutiva de atraso” que pode atuar como um autorregulador do fracasso.

Em vídeos partilhados nas redes sociais, alega-se que a procrastinação crónica é causada por níveis elevados de cortisol – conhecido como a “hormona do stress”, por ser produzido em maior quantidade quando o indivíduo está sob ameaça ou stress. Mas será o cortisol o culpado da procrastinação crónica?

Procrastinação crónica é causada por níveis elevados de cortisol?

procrastinação crónica

Em declarações ao Viral, a endocrinologista Paula Freitas, professora na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto e presidente da Sociedade Portuguesa de Endocrinologia, Diabetes e Metabolismo (SPEDM), e a psicóloga clínica Liliana Dias explicam que não existe evidência científica de que níveis elevados de cortisol sejam um fator que, por si só, cause procrastinação.

É redutor pensar que a procrastinação pode ser explicada por uma hormona”, afirma Liliana Dias. 

A psicóloga esclarece que a falta de motivação para realizar tarefas está associada a “vários fatores psicológicos e sociais” e também a “traços de personalidade”, como “perfecionismo, ansiedade de performance ou autoconfiança”.

A psicóloga admite que alguns indivíduos em burnout (uma situação associada ao stress laboral) possam ter uma maior tendência para procrastinar – devido à falta de motivação para realizar tarefas laborais –, mas sublinha que nem a procrastinação é um sintoma desta síndrome, nem o ato de procrastinar significa que a pessoa esteja em burnout.

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Além dos traços de personalidade, Paula Freitas refere que foram identificadas ligações “entre a procrastinação e estados negativos de saúde mental (como ansiedade)”. 

Esta relação deu origem a estudos sobre o impacto do sistema fisiológico neste comportamento, contudo, o papel dos fatores neuroendócrinos (como o cortisol) tem sido alvo de “pouca atenção”, aponta a endocrinologista.

Existe apenas um estudo, publicado em 2023, que analisou o impacto dos fatores neuroendócrinos – testosterona e cortisol – na moderação da relação entre o estado de ansiedade e procrastinação. Segundo as conclusões deste artigo, “os níveis de cortisol não moderam a relação entre o estado de ansiedade e a procrastinação”, ao contrário do que acontece com a testosterona.

Paula Freitas lembra que apenas um estudo não chega para validar cientificamente uma hipótese – principalmente quando se trata de “um estudo de correlações ou associações”, que não permite “estabelecer relações de causa e efeito entre as variáveis”. A especialista defende que é preciso mais investigação sobre este tema para obter conclusões robustas.

No mesmo ano, uma revisão conceptual analisou o impacto do stress no aumento de risco de procrastinação. Usando como exemplo a pandemia de Covid-19, o investigador avança que “circunstâncias stressantes a decorrer podem tornar a regulação do humor mais desafiante” e, desta forma, “aumentar a vulnerabilidade para procrastinação”. Contudo, o artigo não faz qualquer referência aos níveis de cortisol.

A presidente do SPEDM lembra que “a reação ao stress nos humanos é muito mais complicada do que originalmente descrito nas investigações em modelos animais” e, por isso, considera “demasiado simplista” esperar que “todos os indivíduos demonstrem resultados semelhantes perante situações de stress agudo”.

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As situações de stress são multifacetadas, envolvem complicados processos cognitivos e resultam em diferentes avaliações de ‘coping’ [processo cognitivo usado para lidar com situações de stress] por cada indivíduo e situação”, explica Paula Freitas.

A maioria dos artigos sobre o tema refere existir uma correlação entre ansiedade e/ou perfecionismo e procrastinação. A “ansiedade pelo medo de falhar ou pelo medo do sucesso” poderá “afetar o início de um projeto”, enquanto o “perfecionismo” do indivíduo poderá “afetar a conclusão da tarefa”, explica-se no “Módulo de Referência em Neurociências e Psicologia Biocomportamental”.

Nesse manual, são também enumeradas as variáveis que apresentam uma correlação positiva com a procrastinação: “medo de falhar, depressão, culpa, estado de ansiedade, tendência noturna, rebeldia, indecisão, cognições irracionais, autoconsciência pública, perfecionismo, crítica parental e expectativas de desempenho dos pais”.

Posto isto, à data, não existe evidência científica que comprove que os níveis elevados de cortisol causam procrastinação crónica. Este comportamento está associado a diversos fatores psicológicos e sociais, tendo uma relação comprovada com a ansiedade de performance e o perfecionismo. Mais estudos são necessários para entender o papel do stress no aumento do risco de procrastinação.

Neste artigo do Viral, encontra algumas estratégias para combater a procrastinação:

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8 Jan 2025 - 09:42

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