Polimedicação inadequada: Tomar mais de 5 medicamentos tem riscos e exige “cuidados especiais”
Seja para tratar uma ou várias doenças, seja para reduzir o risco de problemas de saúde, a utilização de múltiplos medicamentos em simultâneo pela mesma pessoa (polimedicação) é uma prática comum, e, muitas vezes, necessária, sobretudo na população mais idosa. Mas não é inócua.
Em declarações ao Viral, Ana Mirco, farmacêutica e coordenadora dos serviços farmacêuticos do Hospital de São Francisco Xavier, em Lisboa, esclarece quais os riscos da polimedicação e explica como minimizá-los.
O que se entende por polimedicação?
Tal como a Ordem dos Farmacêuticos esclarece num texto informativo publicado no seu site, a definição de polimedicação “não é universal”, mas “pode entender-se como a utilização simultânea de múltiplos medicamentos pela mesma pessoa (normalmente mais de cinco medicamentos)”.
Nesta definição estão incluídos “os medicamentos cuja dispensa não requer prescrição médica, os medicamentos sujeitos a prescrição e/ou os suplementos alimentares e produtos à base de plantas”.
A mesma fonte aponta ainda que, “geralmente, as pessoas que tomam vários medicamentos apresentam mais do que uma condição clínica e/ou condições clínicas complexas”.
Por exemplo, as pessoas que já tiveram um enfarte agudo do miocárdio podem ter de tomar vários medicamentos diferentes só para prevenir que volte a ocorrer.
A polimedicação acontece com frequência em qualquer faixa etária, mas é “sem dúvida nos idosos que é mais frequente”, refere a farmacêutica e coordenadora dos serviços farmacêuticos do Hospital de São Francisco Xavier.
Ana Mirco indica que a polimedicação pode ser adequada ou inadequada, sendo que o segundo caso merece “especial atenção”.
Segundo a Ordem dos Farmacêuticos, entende-se que a polimedicação é adequada quando é “realmente necessária” a toma de cinco ou mais medicamentos, quando os “objetivos terapêuticos estão a ser alcançados” e quando o tratamento foi “otimizado para minimizar o risco de reações adversas”.
Por outro lado, é considerada inadequada quando os medicamentos são prescritos “de forma incorreta ou desnecessária”, quando não são atingidos os “objetivos terapêuticos” ou quando causam “reações adversas”.
Porque é que os idosos estão em maior risco?
Os idosos são “mais suscetíveis” a efeitos adversos do que os mais jovens devido às “alterações fisiológicas” relacionados com envelhecimento, aponta Ana Mirco.
Além disso, os idosos vão com frequência a consultas de “várias especialidades e, consequentemente, têm diferentes prescrições”.
“Nem sempre o médico sabe o que foi prescrito por outros médicos”, refere. Por isso, pode haver “duplicação de medicação e interação” entre os medicamentos. A interação pode “aumentar o risco de efeitos adversos”, como por exemplo, potenciar insuficiências renal e hepática.
Por outro lado, “não há” medicamentos isentos de efeitos secundários. Por isso, “só devemos tomar os que precisamos”.
De acordo com a Ordem dos Farmacêuticos, nos idosos existe maior risco para “alterações do estado mental, predisposição para quedas e mal-estar nutricional”.
“O idoso é uma população especial. Carece de – e merece – cuidados especiais. O processo de envelhecimento origina alterações fisiológicas, que podem potenciar o aparecimento de reações adversas”, afirma Ana Mirco.
Por exemplo, o mesmo medicamento dado a um jovem “pode não ser adequado” para uma pessoa mais velha. Nesse sentido, explica, existem critérios que “podem e devem ser aplicados” para determinar se a medicação é apropriada a esta população.
No mesmo plano, a especialista em farmácia alerta que é “essencial” que o médico saiba a que consultas o idoso foi e toda a medicação que toma para “adequar a nova medicação”, alerta a especialista.
A toma de um número elevado de medicamentos requer “maior cuidado” com o seu uso, refere a Ordem dos Farmacêuticos. Porquê? Se tiverem de tomar muitos medicamentos, há um “risco acrescido” de se esquecerem de os tomar, completa Ana Mirco.
Como minimizar os riscos da polimedicação
Um projeto de investigação publicado na Revista Portuguesa de Medicina Geral e Familiar em 2023, realizado por quatro médicas de família, concluiu que é “imperativo desenvolver estratégias de combate à polimedicação”, uma vez que o estudo verificou uma “prevalência superior à relatada noutros estudos” anteriores.
No mesmo sentido, assinala Ana Mirco, a toma de alguns medicamentos e as respetivas interações podem ter “mais riscos do que benefícios”.
Esta ideia é corroborada no artigo de revisão da Faculdade de Medicina da Universidade de Coimbra em que o autor refere que “frequentemente” ocorre prescrição de medicação “desnecessária ou inapropriada, com risco superior ao benefício”.
Por isso, diz a farmacêutica, o “primeiro passo” é a revisão regular da terapêutica e, se necessário, efectuar a “desprescrição” de medicamentos de forma a eliminar os fármacos desnecessários.”
A “desprescrição” pode ser feita pelo médico de família no centro de saúde, pelo médico de Medicina Interna no hospital, mas também por médicos de outras especialidades.
Os farmacêuticos podem, igualmente, fazer a revisão em consultas farmacêuticas, refere Ana Mirco. Em caso de discrepância, devem contactar o médico do utente e “informar que identificaram um determinado fármaco desnecessário, uma interacção medicamentosa” e propor outra terapêutica.
“Quanto mais coordenação e comunicação entre profissionais de saúde (médico, enfermeiro e farmacêutico) existir, mais benefício haverá para o doente”, afirma.
A farmacêutica reforça que o “principal alerta” é para que os idosos partilhem com os profissionais de saúde toda a medicação que tomam.
Além disso, a Ordem dos Farmacêuticos sugere que o utente se aconselhe com o farmacêutico ou médico, leia “atentamente” os folhetos informativos dos medicamentos, compre os fármacos sempre na mesma farmácia para ser “mais fácil” consultar o histórico da medicação e, por último, em caso de hospitalização, mencione “todos os medicamentos, suplementos alimentares e produtos à base de plantas que toma”.
É “essencial” que o doente e o cuidador tenham literacia em saúde para “entender e cumprir bem” a terapêutica.
Nas consultas farmacêuticas, explica a farmacêutica consultada pelo Viral, é entregue ao utente um guia farmacoterapêutico, com o nome dos medicamentos e os horários em que tem de o tomar com desenhos “para o ajudar a visualizar”. Adicionalmente, sugere que se coloque os medicamentos em caixas “divididos por dias e por horas” a que devem ser tomados.
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