Pode causar doença cardíaca? O impacto do stress no coração
O stress é a resposta natural do organismo a contextos desafiantes. Nesses momentos, o stress pode ser útil, por servir de impulso para resolvermos uma situação. Mas e se o stress se tornar constante? Quando sentido de forma crónica, o stress pode contribuir para o desenvolvimento de doença cardíaca? Qual o impacto do stress no coração de um doente cardíaco?
A 29 de setembro, data em que se assinala o Dia Mundial do Coração, Luísa Bento, cardiologista e coordenadora do Grupo de Estudo de Fisiopatologia de Esforço e Reabilitação Cardíaca da Sociedade Portuguesa de Cardiologia (SPC), explica o impacto que o stress crónico tem na saúde do coração.
O stress crónico tem impacto no coração das pessoas sem doença cardíaca?
Antes de mais, a cardiologista contactada pelo Viral considera importante saber distinguir o “stress agudo pontual” do “stress crónico”.
O primeiro “não causa doença cardíaca nem outros tipos de doença” e até “é considerado um stress protetor”, adianta Luísa Bento. Isto porque “numa situação pontual em que a pessoa está preocupada e tem alguma situação para resolver ou um desafio pela frente, o stress mantém a pessoas mais alerta” e apta para resolver a questão.
Por outro lado, “quando o stress passa a ser a regra”, ou seja, quando se torna “crónico” vai ter “impactos a nível de saúde mental e física, em que o coração também se insere”, sustenta a médica.
Aliás, salienta Luísa Bento, “o stress crónico não afeta só o sistema cardiovascular, mas também vários outros órgãos e sistemas, nomeadamente o sistema nervoso autónomo, endócrino, imunológico, entre outros”.
De modo geral, quando sentimos stress de forma crónica, começam a surgir sintomas que, potencialmente, contribuem para o surgimento de doença cardíaca.
Segundo a cardiologista, esses sintomas podem ser cardíacos, mas não só. Por norma, o stress crónico manifesta-se através de: “irritabilidade”, “dificuldade em dormir”, “cansaço extremo”, “sensação de desmaio”, “suores”, “aumento da pressão arterial”, “dor no peito”, “palpitações” e “aumento da frequência cardíaca”.
Um exemplo de uma situação cardíaca resultante do stress é a “síndrome de Takotsubo”, que é uma condição que provoca sintomas semelhantes aos de “um enfarte do miocárdio”, mas é “provocada por um stress muito intenso, com libertação intensa de adrenalina”, explica.
Noutro plano, o stress crónico pode afetar a saúde do coração também de uma forma indireta.
Tal como se explica num texto informativo publicado no site da Fundação Britânica do Coração, “é normal que a sua pressão arterial aumente durante um curto período de tempo quando se sente stressado”.
Quando o stress passa, “a pressão arterial deve voltar ao normal”. Contudo, sabe-se que “os hábitos pouco saudáveis associados ao stress, como uma alimentação pouco saudável e o consumo excessivo de álcool, podem causar uma pressão arterial elevada a longo prazo”, salienta-se no mesmo texto.
Por conseguinte, a pressão arterial elevada, ao longo do tempo, “pode danificar o coração, os órgãos principais e as artérias” e “estes danos podem aumentar o risco de desenvolver doenças cardíacas e vasculares”, acrescenta-se.
Estes hábitos pouco saudáveis associados ao stress crónico podem ainda contribuir para “o colesterol elevado” e para o surgimento de “diabetes tipo 2”, ambos “fatores de risco” para doenças cardiovasculares.
Qual o impacto do stress crónico em doentes cardíacos?
O stress crónico tem impacto negativo em todas as pessoas. Mas, naturalmente, o seu impacto é ainda mais relevante “em doentes de alto risco”, destaca Luísa Bento.
Importa realçar que o nível de impacto vai “depender do tipo de doença” e do estado do doente.
“Se estivermos a falar de um doente com uma insuficiência cardíaca, numa fase terminal, é claro que qualquer tipo de stress o vai prejudicar”, defende a médica.
Por outro lado, “se estivermos a falar, por exemplo, de um doente que teve um enfarte, mas ficou com boa função e está tratado do seu ponto de vista cardíaco”, algum tempo depois, “pode retomar a sua vida normal e o stress pontual não será propriamente nocivo”.
Na perspetiva da cardiologista, há muito a ideia de que a pessoa com doença cardíaca, mesmo quando está tratada e estabilizada, “não pode trabalhar ou não pode fazer exercício, mas isso não é verdade”, aponta.
“Felizmente, hoje, com os tratamentos que temos, a maior parte dos doentes fica com condições para voltar à sua vida normal e o exercício físico neste contexto é benéfico”, refere.
O importante é que estes doentes sejam tratados e acompanhados. “Grande parte das doenças cardiovasculares são causadas por uma combinação de fatores ambientais, comportamentais, metabólicos e até socioeconómicos”, avança.
Com exceção da genética, todos os outros fatores de risco podem “ser controlados e melhorados”, através de “medicação” e de “alteração de comportamentos e de estilos de vida” (em que se inclui a gestão do stress).
Luísa Bento considera importante “lembrar que a doença cardiovascular continua a corresponder a um terço da mortalidade”.
Apesar disso, salienta, “grande parte das doenças cardiovasculares são preveníveis porque resultam dos nossos maus hábitos”.
Como gerir o stress
De acordo com o texto da Fundação Britânica do Coração, “reconhecer e compreender o que o está a deixar stressado é o primeiro passo para reduzir os seus níveis de stress”.
Por vezes, “pode ser difícil identificar exatamente o que está a causar o stress, uma vez que pode ser uma acumulação de muitos pequenos acontecimentos ou de um grande acontecimento”, explica-se.
As causas mais comuns de stress podem estar relacionadas com: “trabalho”, “acontecimentos ou mudanças importantes na vida”, “relações e vida familiar”, “solidão”, “preocupações com dinheiro”, “problemas de saúde” e “luto”.
Depois de se perceber a causa (ou causas) do stress, é importante que “partilhe com as pessoas próximas aquilo que sente”, sugere a Fundação Portuguesa de Cardiologia, num texto informativo.
Adotar “uma dieta equilibrada, rica em fruta, verduras, fibra e vitaminas” evitar o “excesso de gorduras”, “açúcar” e “café” e restringir “o álcool e o tabaco”, também são medidas que ajudam a gerir o stress a longo prazo.
No mesmo sentido, praticar atividade física com regularidade “aumenta a sensação de bem-estar (devido à produção de endorfinas)”, refere-se no mesmo texto.
Outras dicas dadas pela Fundação Portuguesa de Cardiologia são: aprender a gerir o tempo, ou seja, tentar “intercalar trabalho, família, lazer e descanso” e “estabelecer prioridades e objetivos”; e tentar ter “uma postura otimista” sempre que possível.
Num texto publicado no site da Associação Americana do Coração, recomenda-se ainda a adoção de uma boa higiene do sono e a prática de “técnicas de relaxamento” (“como meditar ou ouvir música”).
Ter “um passatempo estimulante” também pode ajudar a desviar “pensamentos negativos ou preocupações”, acrescenta-se.
“Muitas das medidas que diminuem o stress – como a prática de exercício físico, uma boa alimentação, a meditação – também ajudam a controlar os fatores de risco cardiovascular”, aponta Luísa Bento.