

“Pó de larvas”. Alimento aprovado na Europa vai estar em vários produtos “sem sabermos”?
No final do mês de janeiro, a Comissão Europeia aprovou a utilização de “pó de larvas inteiras de Tenebrio molitor (tenébrio) tratado com radiação UV como novo alimento”.
No seguimento da autorização começaram a ser partilhados vários vídeos no TikTok em que se alega que o “pó de larvas” é perigoso e vai ser colocado nos alimentos “sem sabermos”. Segundo o autor de uma das publicações, o “pó de larvas” tem riscos para a saúde, porque é composto por substâncias tóxicas como “cádmio”, “arsénico” e “aflatoxina”.
Além disso, acrescenta, “vai ser impossível saber como evitar comer pó de larvas”. É verdade que o novo alimento aprovado na Europa é perigoso e vai ser colocado nos produtos sem ser identificado?
Pó de larvas: O que é? É perigoso para a saúde?
Em declarações ao Viral, Luís Miguel Cunha, professor da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto (FCUP) e investigador do GreenUPorto – Centro de Investigação em Produção Agroalimentar Sustentável, adianta que, de acordo com a evidência científica disponível, o pó de larvas aprovado pela Comissão Europeia é seguro para consumo humano.
O investigador explica que este novo alimento, “o pó de larvas inteiras de Tenebrio molitor (tenébrio) tratado com radiação UV” (ultravioleta), será “utilizado em pão e pãezinhos, bolos, produtos à base de massas alimentícias, produtos transformados à base de batata, queijo e produtos de queijo e compotas de frutas e produtos hortícolas destinados à população em geral” (ver também aqui e aqui).
De modo geral, “a utilização de insetos comestíveis como novos alimentos apresenta-se como uma alternativa proteica à carne de aves e mamíferos, com elevado potencial de sustentabilidade e com um perfil nutricional benéfico para os consumidores”, esclarece Luís Miguel Cunha.
No caso particular do pó de larvas, o objetivo é “aumentar o teor em Vitamina D3” que “está associada a numerosos benefícios para a saúde humana”, prossegue.
Embora não seja citado no documento oficial, sabe-se que “o tratamento superficial com luz UV de alimentos em pó pode melhorar a sua segurança microbiológica”, salienta o professor (ver aqui).
Nos frutos secos, em específico, este tratamento “até pode ser utilizado para reduzir a presença de contaminantes, como a aflatoxina, aumentando a sua segurança alimentar”, realça.
De acordo com a própria Legislação Europeia de Segurança Alimentar e dos Novos Alimentos, é necessário ser apresentada “evidência científica adequada” para um determinado alimento ser autorizado e comercializado no espaço europeu.
Por esse motivo, antes de o pó de larvas ser aprovado para utilização na União Europeia (UE), os investigadores da Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA) tiveram de comprovar a segurança do alimento.
Assim, no seguimento do pedido da Comissão Europeia, o Painel de Nutrição, Novos Alimentos e Alergénios Alimentares (NDA) da EFSA emitiu “um parecer sobre o pó tratado com UV de larvas inteiras de tenébrio amarelo (Tenebrio molitor) como novo alimento (NF) nos termos do Regulamento (UE) 2015/2283” (ver aqui).
A EFSA concluiu que o pó de larvas “preenche as condições para a sua colocação no mercado”, sendo “seguro nas condições de utilização propostas e nos níveis de utilização propostos”, adianta Luís Miguel Cunha.
De facto, o pó de larvas pode conter substâncias como aflatoxina, cádmio, arsénico e mercúrio. Aliás, isso é referido no documento da Comissão Europeia referente à aprovação do alimento e no parecer da EFSA.
Contudo, salienta o professor da FCUP, “todos os estudos realizados comprovam que os níveis de eventuais substâncias tóxicas apresentam-se abaixo dos valores máximos permitidos por lei”.
Luís Miguel Cunha explica que “apesar de os insetos poderem acumular compostos químicos como metais pesados, resíduos de pesticidas ou outros compostos indesejáveis através da alimentação que consomem, o controlo rigoroso sobre os alimentos utilizados, os métodos de produção e processamento adotados” tornam estes alimentos seguros para consumo humano.
Caso se verifique um consumo excessivo de alimentos “com a incorporação deste pó de larvas inteiras de Tenebrio molitor tratado com radiação UV, o mais provável é que o eventual dano para a saúde venha do consumo excessivo desse género alimentício e não da exposição a maiores quantidades do novo alimento”, defende o investigador.
Por outras palavras, se uma pessoa “comer um queijo com incorporação deste pó de inseto em excesso poderá sofrer mais danos pelo consumo excessivo da gordura presente nesse queijo do que por eventuais resíduos de contaminantes”, exemplifica.
O pó de larvas vai ser colocado nos alimentos “sem sabermos”?
Não. De acordo com a lei, “todos os produtos alimentares com incorporação de insetos edíveis têm obrigatoriamente de comunicar a sua presença, não sendo possível esconder ou ocultar que estão presentes”, assegura Luís Miguel Cunha.
O único risco de segurança alimentar “relacionado com o consumo de produtos com insetos edíveis em países da UE está relacionado com o seu potencial alergénico”, avança.
Por isso, aponta o investigador, “a rotulagem dos géneros alimentícios que contenham pó de larvas inteiras de Tenebrio molitor (tenébrio) tratado com radiação UV deve ostentar uma menção indicando que este ingrediente pode causar reações alérgicas aos consumidores com alergias conhecidas a crustáceos e aos produtos à base de crustáceos, bem como aos ácaros”.
Esta menção deve estar “o mais próximo possível da lista de ingredientes ou, na ausência de uma lista de ingredientes, o mais próximo possível do nome do género alimentício”, acrescenta.
Já tinham sido aprovados outros alimentos à base de insetos
Segundo Luís Miguel Cunha, “a nível mundial, estão identificadas mais de 2000 espécies de insetos edíveis, variando a sua identificação de continente para continente, e mesmo de localidade para localidade, consoante os usos e costumes das respetivas populações” (ver aqui).
Na UE, o pó de larvas não é o primeiro alimento à base de insetos a ser aprovado para consumo humano. “Até ao momento, a EFSA já emitiu 8 pareceres positivos sobre a utilização de insetos edíveis para alimentação humana”, informa o professor.
Incluem-se: “as espécies larvas de Tenebrio molitor e Alphitobius diaperinus (larva-da-farinha), Locusta migratoria (gafanhoto migratório) e Acheta domesticus (grilo doméstico), sob diferentes formas de consumo (congeladas, secas, pó, parcialmente desengorduras)”.
O investigador do GreenUPorto considera importante relembrar que, na UE “a utilização de insetos edíveis como ingrediente para incorporação em produtos alimentares para consumo humano é um processo rigoroso que obrigatoriamente envolve pareceres científicos pela EFSA e posterior aprovação pela Comissão Europeia”.
Neste contexto, cada pedido de autorização deve demonstrar que o ingrediente “cumpre todos os requisitos de segurança alimentar, através de descrições detalhadas e compreensivas das propriedades composicionais, nutricionais, toxicológicas e alergénicas, assim como informação relacionada com processos de produção, modos e níveis de incorporação e eventuais riscos associados”, explica.
Inclusive, é fundamental que se demonstre de forma clara que “as concentrações em metais pesados (chumbo, cádmio, mercúrio, arsénico), micotoxinas, dioxinas estão abaixo dos limites definidos no Regulamento (CE) 1881/2006”, realça.
