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Ozempic serve para “perder peso para o verão”? 5 mitos sobre o medicamento

30 Mar 2023 - 02:44

Ozempic serve para “perder peso para o verão”? 5 mitos sobre o medicamento

Aprovado em Portugal como medicamento contra a diabetes, o Ozempic (nome comercial do semaglutide) tornou-se conhecido quando, em outubro de 2022, foram noticiados problemas de abastecimento do fármaco em Portugal por estar a ser prescrito para o tratamento da obesidade.

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Ao longo dos últimos meses, a popularidade do Ozempic continua a crescer, com vários médicos a defender que, à semelhança do que acontece noutros países, o semaglutide (também conhecido como semaglutido ou semaglutida) devia estar aprovado em Portugal para a obesidade, visto ter eficácia comprovada enquanto tratamento adjuvante desta doença crónica e complexa.

Com a popularidade do Ozempic, crescem também as ideias erradas e falsas sobre este medicamento, algumas das quais podem ter impactos negativos na saúde da população. Em declarações ao Viral, dois endocrinologistas e uma nutricionista especializada em tratamento de distúrbios alimentares explicam o que é o semaglutide e desmontam cinco mitos sobre este fármaco.

O que é o semaglutide, a substância ativa do Ozempic?

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A endocrinologista Joana Menezes Nunes começa por explicar que “o semaglutide é uma molécula produzida pela Novo Nordisk, um laboratório dinamarquês que se dedica ao estudo da diabetes e da obesidade”, e trata-se de “um agonista de GLP-1 (uma hormona produzida a nível intestinal)”, ou seja, é uma substância que “mimetiza os efeitos dessa hormona”.

E que efeitos são esses? Num primeiro plano, explica Joana Menezes Nunes, provoca uma “redução do apetite e da ingestão de calorias, porque dá uma saciedade precoce”. Isto é, “os doentes sentem-se saciados com menos comida mais rapidamente”.

“O semaglutide atrasa o esvaziamento gástrico (ou seja, a saída da comida do estômago), fazendo com que a comida fique mais tempo no estômago e com que os doentes se sintam saciados por mais tempo”, sustenta.

Além disso, sublinha a endocrinologista, o semaglutide “tem outras ações benéficas, nomeadamente o aumento da produção de insulina pelo pâncreas e a diminuição da gordura no fígado”.

É por estes motivos que o Ozempic tem “efeitos positivos num doente com diabetes mellitus tipo 2 e num doente com obesidade”. Assim sendo, a especialista defende a sua aprovação e comparticipação não só no tratamento da diabetes, mas também no tratamento da obesidade.

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Na perspetiva de Joana Menezes Nunes, o Ozempic tem sido tão popular por ter algumas vantagens em comparação com outros fármacos, nomeadamente o liraglutide (outro medicamento análogo da GLP-1).

Em primeiro lugar, o semaglutide tem a vantagem de só ser necessário fazer uma injeção de Ozempic por semana, enquanto o liraglutide tem de ser injetado todos os dias.

Por outro lado, avança Joana Menezes Nunes, “os efeitos laterais que os doentes nos reportam são muito melhor tolerados no caso do semaglutide em comparação com o liraglutide” e “os resultados na perda de peso também são superiores”.

Mito número 1: O Ozempic é “miraculoso” e uma “vacina” contra a obesidade

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Para o endocrinologista e autor da página “Hormonas em bom português”, Francisco Sousa Santos, um dos principais mitos sobre o semaglutide é a ideia de que este medicamento funciona como uma “vacina contra a obesidade”.

O médico sublinha que este medicamento é comprovadamente eficaz “como tratamento adjuvante no excesso de peso e na obesidade”. No entanto, “não é um tratamento miraculoso”.

“Mesmo nos estudos publicados que mostraram resultados muito interessantes na perda de peso, as pessoas, além de tomarem esta medicação, também tiveram aconselhamento do estilo de vida. Ou seja, também foi promovido que comessem de uma forma mais saudável e que gastassem mais energia, fazendo mais exercício físico”, explana.

Nesse sentido, continua, “os estudos que nós temos com resultados incríveis também acontecem porque estas pessoas, provavelmente, também adquiriram estilos de vida mais saudáveis”. 

Por isso, frisa o especialista, a toma de Ozempic “não é uma coisa em que se possa descartar ter os outros cuidados”.

“É muito importante as pessoas perceberem que isto não é um medicamento miraculoso que a pessoa toma e começa ‘magicamente’ a perder peso porque começa a gastar mais energia. Essa perda acontece porque as pessoas, em média, comem menos com esta medicação”, reforça.

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Para mais, o medicamento não pode ser considerado uma “vacina” visto que não basta apenas uma toma única ou várias tomas esporádicas e espaçadas no tempo para haver resultados duradouros para toda a vida (ponto que se explora mais abaixo no mito número 4 deste texto).

Mito número 2: O semaglutide é um tratamento de primeira linha contra a obesidade

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Existem vários graus de obesidade, pelo que cada um deles pode requerer uma abordagem médica diferente. Ainda assim, adianta Francisco Sousa Santos, “em traços gerais, tanto no excesso de peso quanto na obesidade, o Ozempic é um tratamento de recurso”, ou seja, “não é um tratamento de primeira linha”.

No tratamento desta doença, geralmente, os médicos começam “por tentar promover estilos de vida mais saudável, uma dieta mais saudável e um aumento dos gastos energéticos com atividade física”.

“Depois, numa segunda linha, se estas medidas tiverem sido bem implementadas, mas não forem o suficiente para o que se pretende de perda ponderal, aí consideramos o uso de fármacos que ajudem na perda ponderal, sejam os análogos da GLP-1, sejam outras opções”, clarifica o endocrinologista.

O especialista lembra, inclusive, que se, antes de avançar para a toma do fármaco, “a pessoa já tiver hábitos de estilo de vida saudáveis implementados, depois tem mais probabilidades de ter uma maior perda de peso com a medicação”.

Mito número 3: O medicamento tem os mesmos resultados em todas as pessoas

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Apesar de ter uma eficácia elevada, nem todas as pessoas “respondem” ao Ozempic da mesma forma, informa Francisco Sousa Santos.

“Tanto nos estudos em diabéticos tipo 2 como nos estudos em pessoas sem diabetes mas com excesso de peso ou obesidade não foi toda a gente que foi considerada um respondedor”, começa por explicar.

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Trocado por miúdos, aponta o endocrinologista, “se considerarmos pessoas respondedoras as que perderam mais de 10% da sua massa corporal, temos noção que entre 10% e 20% das pessoas podem não ser respondedoras”. Isto é, “10% a 20% das pessoas pode não perder estes tais 10% de massa corporal quando toma este fármaco”.

Neste momento, ainda não existe uma “certeza sobre qual a explicação para algumas pessoas perderem mais peso do que outras” quando tomam Ozempic ou outro análogo da GLP-1.

Essas diferenças poderão estar relacionadas “com os outros cuidados que as pessoas estão ou não a ter em termos de exercício físico e de escolhas alimentares”, mas também poderá haver “outras explicações, nomeadamente as pessoas terem recetores do sistema nervoso central diferentes ou numa quantidade diferente”, dado que estes “medicamentos têm efeitos a nível do cérebro”.

“Isso pode ajudar a explicar a diferença dos resultados de pessoa para pessoa, mas nós, na realidade, ainda não temos uma explicação convincente”, sustenta.

Mito número 4: O Ozempic serve para “perder peso para o verão”

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“Todos os estudos foram unânimes numa coisa: este é um medicamento que funciona enquanto as pessoas o tomarem”, começa por apontar Francisco Sousa Santos quando questionado sobre se o Ozempic pode servir para alguém perder alguns quilos para uma ocasião específica.

A maior parte das pessoas, assim que começa a tomar Ozempic, vê “um aumento da saciedade e uma diminuição da fome” que se mantém enquanto a medicação continua a ser tomada.

“Agora, se a pessoa tem na sua cabeça que vai fazer o medicamento durante umas semanas e depois vai parar e vai continuar com a perda de peso ‘magicamente’, as coisas podem não funcionar exatamente assim”, argumenta Francisco Sousa Santos.

Isto porque “o apetite vai voltar e a saciedade vai voltar a ser diferente do que é enquanto se está a tomar o fármaco”.

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“Nós, médicos, não vemos isto como um medicamento para fazer durante umas semanas ou na preparação do verão, por exemplo. Não nos faz sentido. Pensamos sempre a médio prazo”, completa.

Geralmente, detalha, três meses depois do início da toma do fármaco “é que vemos como foi a resposta, porque há pessoas que respondem e pessoas que não respondem”.

Na maior parte das vezes, continua o especialista, “nem pomos a hipótese de fazer um curso terapêutico mais curto do que três meses”, a menos, claro, que o paciente “não tolere o fármaco”.

Mito número 5: A toma de Ozempic por pessoas sem obesidade nem diabetes não tem riscos

Embora os médicos não considerarem o uso de Ozempic um tratamento de primeira linha nem o recomendarem na perda de peso para uma ocasião específica, as suspeitas sobre a utilização deste medicamento por pessoas, nomeadamente celebridades, algumas delas sem obesidade nem diabetes, tem sido notícia e foi motivo de piada na cerimónia dos Óscares. Mas haverá riscos no uso deste medicamento por parte de pessoas normoponderais?

Num primeiro plano, esclarece Francisco Sousa Santos, os efeitos adversos e as contraindicações registadas resultam de estudos em pessoas com obesidade ou com diabetes, não sendo possível “responder de uma forma científica à questão sobre qual é a segurança [do Ozempic] em pessoas sem excesso de peso”.

Pela mesma ordem de ideias, Joana Menezes Nunes lembra que “não há estudos de segurança científicos, randomizados e bem feitos em pessoas normoponderais (sem excesso de peso nem obesidade)”. Por isso, não se sabe se os efeitos laterais e as contraindicações seriam as mesmas para este grupo da população.

Assim sendo, vinca, “tomar um fármaco, qualquer um deles, sem prescrição médica e sem se ter estudado os seus efeitos naquele tipo de população qual é o efeito não está correto”.

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Importa sublinhar que os fármacos só são aprovados e prescritos quando o benefício para a saúde supera os riscos (que todos os medicamentos têm). No caso das pessoas normoponderais, como não há estudos que indiquem quais os efeitos adversos e contraindicações para esta população, não é possível garantir, à luz do conhecimento atual, que um potencial benefício estético compense os riscos.

Maria Novais da Fonseca, nutricionista especializada em tratamento de distúrbios alimentares, defende ainda que a toma de Ozempic por pessoas sem obesidade nem diabetes ou para ter resultados rápidos para uma determinada ocasião terá um impacto negativo no comportamento alimentar, nomeadamente no que diz respeito à relação com a comida e com a identificação dos sinais de fome e de saciedade.

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Por um lado, “no momento em que a pessoa deixa de tomar estas injeções, pode passar também a comer muito mais”, porque já não tem o semaglutide a reduzir-lhe o apetite e a dar-lhe uma saciedade “super precoce”. Por outro lado, pode passar a “ter muito medo de comer mais”. Assim, aumenta o “risco de doença do comportamento alimentar”.

“Como não houve uma mudança de comportamento, o comportamento alimentar tendencialmente piora, porque a pessoa fica perdida nas quantidades e com receio de estar a comer mais, mas, sobretudo, não mudou a forma como se alimenta”, assinala a nutricionista e autora da página “Healthy but not on a diet”.

Na visão da nutricionista, este “é todo um processo artificial” pelo que “seria mais eficaz voltarmos a conectar-nos com as sensações de fome e de saciedade”.

“Depois, no futuro, vamos ver o que vai acontecer a estas pessoas que tomam esta medicação sem necessidade e como é que vai ficar a sua relação com a comida. Na minha opinião, há uma tendência para piorar”, regista.

Também Joana Menezes Nunes considera que a toma deste fármaco por pessoas sem obesidade ou excesso de peso pode resultar em perturbações do comportamento alimentar.

“Aliás, alguém que tem um peso completamente normal, não tem doença nenhuma associada, não tem gordura visceral e quer ter menos peso só porque sim já está a roçar a anorexia”, considera a especialista.

A endocrinologista lembra ainda que há uma diferença clara entre saúde e estética: “Fazer um fármaco só para termos um determinado aspeto estético é entrar num campo perigoso que pode ser também uma doença. O vício na parte estética está descrito e isso também é patológico”, conclui.

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Alimentação

30 Mar 2023 - 02:44

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