O seu filho não entrou no curso que queria? Como ajudá-lo a lidar com a frustração
Os milhares de candidatos ao ensino superior público conheceram, este fim de semana, os resultados da primeira fase do concurso nacional de acesso para o ano letivo de 2024/2025. E se, para uns, o momento foi de alegria e celebração, para quem não conseguiu entrar no curso que queria, a notícia foi recebida com tristeza e uma sensação de frustração.
A pensar em quem tem um filho ( ou um familiar ou amigo próximo) a viver este cenário de desânimo por não ter conseguido colocação no curso, na instituição de ensino ou na cidade em que queria estudar, Ana Isabel Lage Ferreira, membro da direção da Ordem dos Psicólogos Portugueses (OPP), deixa alguns conselhos sobre como ajudar essa pessoa a lidar com a tristeza e a frustração provocadas por este momento.
Como ajudar um filho a lidar com a frustração de não ter entrado no curso que queria
Em primeiro lugar, Ana Isabel Lage Ferreira considera que os pais devem encarar esta situação como “mais um momento e não ‘o’ momento”.
“Já fizemos muito investimento, já tivemos muito trabalho e muito envolvimento, portanto, este é apenas mais um momento da vida dos nossos filhos”, defende
Nesta situação, a psicóloga recomenda que as famílias comecem por pensar noutros momentos difíceis que já viveram no passado, de modo a conseguirem lidar com este.
“Se calhar, já houve outros em que o filho perdeu uma prova de desporto, ou tirou uma má nota num teste”, exemplifica. Assim sendo, continua, a forma como “ajudámos nessa altura também vai ser útil para percebermos como ajudar agora”, salienta.
Ana Isabel Lage Ferreira aponta dois conselhos essenciais sobre como ajudar um filho nesta situação.
Em primeiro lugar, tal como noutros contextos menos positivos, é importante deixar o adolescente (ou jovem adulto) “fazer o luto”, no sentido de processar e ultrapassar “alguma coisa que perdeu ou algo que queria e não conseguiu”.
O jovem deve “ter direito a ficar triste, a ficar desanimado e frustrado”. Na perspetiva da psicóloga, por um lado, não se deve encarar esta situação “como o fim do mundo”, mas também “não se deve desvalorizar” a tristeza e a frustração sentidas.
Neste momento, é importante “deixarmos que a tristeza tenha espaço para aparecer e para ser sentida durante algumas horas ou eventualmente alguns dias”, refere.
Numa próxima fase, “se ainda não o fizemos”, devemos ajudar o jovem “a pensar em alternativas”, defende.
“Esse plano B pode ser variadíssimo”, aponta a psicóloga. “Pode ser repetir os exames (no ano seguinte), pode ser ir à segunda fase, pode ser inscrever-se na segunda, terceira ou quarta” opção em que entrou.
O importante é que os pais e os filhos pensem na melhor solução em conjunto.
O que não fazer?
A reação dos pais também vai ter um grande impacto na forma como o filho lida com uma situação destas. Sabe-se que “o que tem mesmo um efeito negativo é quando os pais fazem um resgate da experiência emocional dos filhos, ou seja, ficam mais frustrados do que eles”, adianta Ana Isabel Lage Ferreira.
Quando isso acontece, “não estão a dar espaço para serem eles a viver o que têm de viver e, sobretudo, também não estão a ser a referência de tranquilidade e de apaziguamento que devem ser”.
Assim sendo, é fundamental que “os próprios pais procurem essa estabilidade e essa sensação de calma primeiro”, sugere.
Por outro lado, é também importante “não tomar decisões por eles”, acrescenta a psicóloga.
Às vezes, neste contexto, os pais “assumem o controlo” e “tomam decisões” sem falarem com os filhos primeiro.
Na visão de alguns pais essa “parece uma boa opção”, porque percebem que “os filhos estão desorientados”. No entanto, a longo prazo, o filho vai ter sempre aquela ideia de que “não foi uma decisão que ele próprio tomou”, foi uma decisão tomada pelos pais.
“Isso do ponto de vista do desenvolvimento, da autonomia, da independência, do sentido de agência (sentir que o que faço é da minha responsabilidade) não tem um impacto positivo”, explica.
Por isso, “ajudá-los a pensar seria uma melhor estratégia do que dar sugestões ou dar recomendações”, defende Ana Isabel Lage Ferreira.
No fundo, deve haver espaço para pensar em conjunto. Os pais podem fazer perguntas, como: “O que te preocupa? Como posso ajudar? O que estás a pensar que pode ser difícil? O que achas que pode ajudar-te a lidar com isto? Já pensaste no que poderia ser uma boa alternativa?”.
Desta forma, os filhos sentem que têm espaço para ser autónomos e independentes, ou seja, que podem tomar as suas próprias decisões.
“Por muito difícil que possa ser, como pais, temos de aceitar que a certa altura eles estão a viver a vida deles” e não podemos fazer isso por eles.
Mesmo já a partir desta fase, lembra a psicóloga, os jovens começam a ser mais independentes. Por isso, “a certa altura, as opções, as decisões, os dramas, os reveses, os fracassos e os sucessos são deles”, conclui.
Quando deve procurar ajuda especializada?
Há casos em que, para lidar com este momento, os jovens podem precisar de apoio psicológico. Por isso, é importante que as famílias estejam atentas a alguns indícios de que está na altura de intervir.
Os sinais de alerta que surgirem nesta fase, provavelmente, já apareceram noutras situações. É possível que já tenham surgido “muitos sinais de ansiedade associados à preparação para os exames, à saída das notas dos exames, ao próprio processo de candidatura e à forma como estão à espera dos resultados”, exemplifica Ana Isabel Lage Ferreira.
Em primeiro lugar, deve-se ter atenção ao tipo de discurso do adolescente. “Um discurso negativo, que antecipa sempre cenários de incerteza, por si só, já denota algum estado de ansiedade”, refere a psicóloga.
É preciso perceber se, de forma frequente, são ditas coisas como: “Eu não vou conseguir; isto não vai dar certo; a mim nunca nada me corre bem; de certeza que a média vai subir; eu estou mesmo no limite; o exame não me correu nada bem; este ano tive um azar”.
Além disso, os pais ainda devem estar atentos aos comportamentos dos filhos. Em situações de ansiedade, por norma, há dois tipos de reações.
“Há miúdos que se isolam, não querem falar com ninguém, não querem fazer nada, estão mais cabisbaixos e têm mais dificuldade em envolver-se em atividades que habitualmente faziam, como sair com os amigos ou estar com a família”, explica.
Por outro lado, “há outros em que a sua ansiedade se transforma em reatividade, ou seja, começam a ficar menos pacientes, menos tolerantes, tudo os chateia e não gostam de nada”, prossegue a especialista.
Deve-se tomar atenção, tanto quando há “uma alteração”, como quando há “uma intensificação desse tipo de comportamentos”.
Por exemplo, quando “ele já era isolado, mas agora está muito mais isolado” ou quando antes estava sempre tranquilo com tudo e agora de repente está sempre chateado e mal disposto”, aponta.
Dificuldades em dormir e perda de apetite também podem ser indicadores de que algo não está bem.
Nestes casos, os pais devem tentar perceber o que se passa e devem dar espaço aos filhos para falarem sobre o assunto.
Os adolescentes mais reativos podem, por vezes, responder com intensidade ainda maior às tentativas de intervenção dos pais, e, nesses casos, pode ser “necessário pedir ajuda”, alerta a psicóloga.
Mesmo quando os filhos acham que não precisam de ajuda e recusam-se a aceitá-la, “os próprios pais podem pedir aconselhamento a um psicólogo ou psicóloga sobre como lidar com estas situações”, salienta Ana Isabel Lage Ferreira.
Nesse sentido, caso o comportamento desajustado e o discurso negativo se mantenham durante várias semanas, a psicóloga recomenda que se intervenha. Por vezes, “uma conversa com um profissional pode trazer ideias e sugestões de estratégias mais adequadas” para ajudar os filhos nestas situações, conclui.