Melasma: O que é? Como tratar e prevenir
São manchas acastanhadas que marcam as maçãs do rosto, a testa e o buço. Não trazem complicações de saúde, mas têm um grande impacto na autoestima de quem é afetado por esta condição dermatológica. Afinal, o que é o melasma e como pode ser tratado?
O rosto funciona como a carta de apresentação da imagem individual e a saúde da pele da face é, por isso mesmo, uma preocupação crescente. Por esta altura do ano, aumentam as queixas do aparecimento de manchas no rosto, sobretudo na região das bochechas, do buço e da testa.
O nome dado a esta condição dermatológica é melasma e, mesmo não trazendo problemas sérios para a saúde física, pode ser de tal forma visível e incomodativo para o portador da condição que, não raras vezes, tem consequências negativas ao nível da autoestima e da saúde mental.
O assunto já foi alvo de investigação científica e este estudo concluiu que “o melasma, embora assintomático, tem um efeito negativo significativo na qualidade de vida”, com um impacto importante na autoestima. Isso mesmo reconheceu Luana do Bem, humorista e comentadora do programa “Irritações” da SIC Radical, num programa já este ano.
Dois dermatologistas explicam ao Viral o que é o melasma, por que o verão traz mais desafios ao controlo destas manchas e ainda desconstroem alguns mitos associados a esta patologia de pele.
Afinal, o que é o melasma?
Em declarações ao Viral, Alexandre João, médico do Serviço de Dermatologia do Hospital dos Capuchos e na Derma360 – Clínica de Dermatologia, começa por reconhecer que o melasma “é uma doença cutânea complexa, adquirida, crónica e multifatorial, com grande impacto na qualidade de vida dos doentes”.
A opinião sobre o impacto do melasma na vida de quem é afetado por esta condição é partilhada por Paulo Morais, dermatologista do Hospital da Luz – Clínica de Amarante: “Tratando-se uma doença visualmente impactante, de curso potencialmente crónico, muitas vezes resistente ao tratamento e com recidivas frequentes, não surpreende que o melasma possa ter um impacto negativo na qualidade de vida, levando a constrangimentos, frustração, insatisfação, baixa autoestima, ansiedade e depressão, com repercussão nas relações interpessoais”.
Segundo explica este dermatologista, “o melasma é um distúrbio da pigmentação adquirido que é caracterizado pelo aparecimento de manchas de coloração castanho-claro a castanho mais escuro ou mesmo castanho-acinzentado, com formas simétricas, de bordos irregulares, localizadas em áreas de exposição solar, sobretudo na porção central da face, isto é, na fronte, regiões malares [parte superior das maçãs do rosto], nariz, lábio superior e mento [zona da mandíbula]”.
Por vezes, as manchas são de tal forma extensas que chegam a ocupar simetricamente a totalidade da região das bochechas, do buço e da testa, como se pode ler na descrição da página oficial da Academia Americana de Dermatologia.
É uma condição que afeta de forma mais frequente “as mulheres em idade fértil e de fototipo mais elevado, sendo bastante comum na gravidez. O melasma gravídico é também designado de cloasma ou pano da gravidez”, acrescenta Paulo Morais.
O que causa o aparecimento destas manchas na pele?
Na origem do aparecimento desta condição está “uma produção anormal e excessiva de melanina numa região específica, além da ocorrência concomitante e igualmente relevante de inflamação”, refere Paulo Morais.
Alexandre João acrescenta que na região afetada se observam “alterações da interface derme-epiderme, migração de melanócitos para a derme superficial, envelhecimento e disfunção dos fibroblastos, degradação das fibras de colagénio e perda de elasticidade, aumento das células libertadoras de histamina, os mastócitos, e vasos sanguíneos dilatados na derme superficial”.
Por trás da hiperprodução de melanina que leva à formação da mancha estão diversos fatores de risco e vários “processos complexos associados ao dano solar e à inflamação crónica”, diz ainda Alexandre João, que contam com a contribuição “de fatores genéticos, ambientais, como a radiação UV, e hormonais”, entre os quais se destaca o papel dos estrogénios, especialmente com a utilização da contraceção oral e no aumento dos níveis hormonais durante a gravidez.
A demonstração do importante papel das hormonas nesta patologia dermatológica é, nas palavras de Paulo Morais, visível também pela maior prevalência de melasma “em mulheres que fazem terapia hormonal de substituição na menopausa e no contexto de patologia da tiroide”.
Destacado por ambos os dermatologistas – e também pela Academia Americana de Cirurgia Dermatológica e pela Academia Americana de Dermatologia – como fator de risco muito importante para o melasma é a exposição à luz solar, que vai agravar significativamente um quadro de doença já existente e potenciar o desenvolvimento de novas manchas. Daí que o verão seja a altura do ano em que as pessoas afetadas mais se queixam do agravamento desta condição.
O recurso a certos medicamentos – como antiepiléticos, antipsicóticos, antibióticos e anti-hipertensores – e a alguns cosméticos, nomeadamente retinóides sem fazer a correta proteção solar, a utilização de solários e o stress constante, devido à libertação de cortisol, podem também ter influência no desenvolvimento do melasma.
Paulo Morais considera também importante explicar que “a melanina em excesso pode localizar-se na epiderme, na derme, ou em ambas, determinando, assim, se estamos perante um melasma epidérmico, dérmico ou misto, respetivamente”.
Isto porque, clarifica, “essa classificação é útil, uma vez que a localização mais superficial do pigmento supõe uma maior taxa de sucesso terapêutico, enquanto o pigmento dérmico é mais difícil de alcançar e de tratar”.
O que distingue o melasma do lentigo solar?
Esta é uma dúvida frequente entre as pessoas afetadas por manchas no rosto. À primeira vista, um olhar leigo pode confundir estes dois tipos de manchas.
Paulo Morais sublinha que o melasma difere do lentigo solar “pela sua patogénese e características clínicas, histológicas e dermatoscópicas distintas”.
Os lentigos solares, que também costumam ser conhecidos por manchas da idade ou manchas solares, entre os especialistas, recebem os nomes técnicos de lentigos senis ou lentigos actínicos, “correspondem a um aumento do número de melanócitos na junção dermo-epidérmica e resultam da exposição natural, o sol, ou artificial, os solários ou fototerapia terapêutica, à radiação ultravioleta”, explica Paulo Morais.
São manchas caracterizadas clinicamente como sendo mais pequenas do que as do melasma, planas e bem circunscritas, com uma forma redonda, ovalada ou de formato irregular, possuindo uma tonalidade que pode variar entre o castanho mais claro e o mais escuro e que aparecem em locais mais expostos à radiação ultravioleta, nomeadamente na face, colo e dorso das mãos.
O dermatologista do Hospital da Luz acrescenta que os lentigos solares, normalmente, surgem mais “pela meia-idade e aumentam de número com a idade, sendo extremamente comuns em indivíduos de pele clara, isto é, com fototipos de pele baixos”.
Este tipo de manchas está intrinsecamente ligado ao contexto de queimaduras solares, os conhecidos escaldões, ou a exposição solar excessiva prévia, “sendo uma tradução clara de dano solar”.
É possível tratar o melasma?
Ser possível é, mas o tratamento não levará a uma cura, nem ao desaparecimento total e definitivo das manchas, como se lê neste artigo da Harvard Medical School.
“O tratamento do melasma é desafiante e assenta na educação do doente e na gestão de expectativas”, reconhece Paulo Morais que recomenda “uma abordagem holística e um tratamento individualizado e combinado”.
O primeiro passo no tratamento, e também na prevenção, e o mais importante de todos é apostar numa proteção solar diária muito rigorosa, garantem os dois dermatologistas, assim como a Academia Americana de Cirurgia Dermatológica e a Academia Americana de Dermatologia.
“O protetor solar deve ser utilizado diariamente, mesmo em dias nublados, recomendando-se a sua reaplicação periódica ao longo do dia. Deve ser de amplo espetro, com um FPS de 30 ou superior, de preferência 50+, protegendo contra as radiações UVB e UVA e, idealmente contra a luz visível de alta energia (luz azul)”, refere Paulo Morais, que aconselha a escolha de protetores solares com cor, mais eficazes a proteger conta a luz azul dos dispositivos eletrónicos.
E nestes dias de verão deve também ser evitada a exposição ao sol em horas de maior intensidade solar e recomenda-se a utilização de roupas protetoras, chapéu de abas largas ou boné, óculos de sol e guarda-sol.
Na construção da rotina de cuidados diários de rosto, Paulo Morais diz ser “basilar a utilização de produtos tópicos contendo ingredientes que bloqueiem várias etapas da patogénese da doença e atuem de forma sinérgica, incluindo inibidores da tirosinase e de outros passos da síntese de melanina, inibidores da ativação dos melanócitos e do desenvolvimento dos melanossomas, inibidores da transferência dos melanossomas e esfoliantes ou aceleradores da renovação dos queratinócitos”.
Entre os ingredientes mais eficazes nestes processos listam-se os antioxidantes – a vitamina C, a niacinamida e o ácido ferúlico – a hidroquinona, os ácidos azelaico, kójico e tranexâmico e o thiamidol, que têm uma ação despigmentante, os retinoides e o ácido glicólico, que vão atuar como renovadores celulares, e também a ⍺-arbutina, o 4-butilresorcinol e o extrato de licorice (alcaçuz).
Quando a aplicação de cremes com agentes antioxidantes, despigmentantes e de renovação celular não consegue ser eficaz a reduzir as manchas e a prevenir o seu reaparecimento, é possível recorrer a técnicas complementares realizadas em consultório por especialistas em Dermatologia.
Os procedimentos dermoestéticos incluem peelings superficiais com substâncias despigmentantes – como por exemplo o ácido glicólico, outros ⍺-hidroxiácidos, ácido salicílico, solução de Jessner e ácido tricloroacético – e o recurso a tratamentos com laser.
“Os laser Q-switched, de nano ou picossegundos, são específicos para lesões pigmentadas, com baixas fluências, e para além removerem pigmento, melhoram a qualidade da pele”, explica Alexandre João.
Já os laser vasculares “são úteis para controle do componente vascular e da inflamação”, acrescenta.
A radiofrequência com microagulhamento também melhora a qualidade da pele e pode ser usada para administrar substâncias ativas que vão ajudar a melhorar o aspeto da pele.
Exemplos de injetáveis que visam a melhoria da qualidade da pele e estimulam a síntese de colagénio são: “os bioestimuladores de colagénio, os biorremodeladores, polinucleótidos, exossomas ou plasma rico em plaquetas (PRP) que também são benéficos no controlo da doença”, enumera.
Por seu lado, Paulo Morais refere também a luz intensa pulsada (IPL) e o ultrassom focalizado de alta intensidade (HIFU) para o tratamento e controlo das manchas de melasma.
Contudo, o dermatologista do Hospital da Luz deixa o alerta: os tratamentos dermocosméticos devem ser realizados por médicos especialistas.
“Estes procedimentos podem requerer várias sessões e devem ser efetuados com cautela, critério e por profissionais experientes, de forma a minimizar o risco de efeitos adversos”, sublinha, pois, sendo procedimentos considerados agressivos, “podem causar inflamação excessiva na pele e agravar o melasma ou resultar em hiperpigmentação pós-inflamatória, especialmente em fotótipos mais escuros”.
Para os casos mais resistentes a estas terapêuticas consideradas standard, os clínicos podem também prescrever tratamentos orais com ácido tranexâmico, extrato de polypodium leucotomos, glutationa e carotenóides.
Mas o melasma só aparece em mulheres?
Pela componente hormonal importante no aparecimento do melasma, poderia pensar-se que esta patologia só aparece em mulheres. Contudo, é uma ideia que não se confirma, pois, “apesar de ser mais comum no sexo feminino, mais de 90% dos casos são mulheres, também pode ocorrer em homens”, reconhece Paulo Morais.
Contudo, por ter este forte pendor hormonal, o especialista do Hospital da Luz aconselha as mulheres a darem “preferência a anticoncecionais não hormonais, como o DIU de cobre e os métodos de barreira. Mulheres grávidas e todas as que iniciem tratamentos hormonais – pílula, implante contracetivo, DIU hormonal, terapia de reposição hormonal – devem intensificar a proteção solar, prevenindo, assim, o início do problema”.
Só o rosto é afetado por melasma?
“Não. O melasma também pode surgir noutras localizações, como nas áreas foto-expostas do pescoço, tronco e membros superiores”, declara Alexandre João.
Contudo, essa situação é menos frequente e, esclarece Paulo Morais, “parece ser mais comum em mulheres a fazer terapia hormonal de substituição e, tal como o melasma facial, associa-se a significativo incómodo estético”.
O melasma é mais comum em peles negras?
Apesar de o melasma atingir todos os grupos étnicos, é, de facto, “mais comum em fototipos de pele mais elevados, IV a VI, ou seja, em pessoas de pele morena a negra”, reconhece Paulo Morais.
A exposição ao calor, como os banhos muito quentes ou a utilização de secadores de cabelo, piora o melasma?
Efetivamente, comprova-se que o calor, mesmo sem luz ultravioleta associada, pode agravar o melasma, devido à componente vascular desta condição.
Paulo Morais explica que “a exposição ocupacional ou recreacional prolongada a fontes de calor – seja fogões, secadores de cabelo, ferros de engomar, fornos industriais, sauna, banho turco, etc. – pode induzir vasodilatação e inflamação, podendo desencadear ou agravar o melasma, principalmente em pessoas já com predisposição para o problema”.
Produtos “naturais” – como leite de arroz, vinagre de maçã ou óleo essencial de alecrim – podem ajudar a diminuir as manchas do melasma?
Neste ponto, Alexandre João é perentório: “Não há evidência científica que suporte o uso destes produtos denominados de naturais. O seu uso não é isento de riscos e pode causar reações de hipersensibilidade ou irritativas na pele”.
Já Paulo Morais reconhece que, “por vezes, num ato de desespero para melhorar a aparência da pele, as pacientes recorrem a mezinhas caseiras – as chamadas rotinas de skincare DIY (do it yourself, “faça você mesmo”) – com produtos “naturais” e “fórmulas mágicas” encontradas na internet ou transmitidas por conhecidos”.
No entanto, acrescenta, “tendo em conta os múltiplos agentes despigmentantes, tratamentos orais e procedimentos dermoestéticos atualmente disponíveis no arsenal terapêutico, não faz sentido utilizarem-se métodos sem validação científica nem supervisão regulatória para garantir a segurança e a eficácia, e que podem conter contaminantes nocivas e provocar danos imprevisíveis na pele, incluindo irritação, reações alérgicas, sensibilidade à radiação solar e agravamento de doença cutânea de base, seja melasma, rosácea, acne, ou outra”.