A prática pode ser comum em algumas casas: antes de colocar o arroz na panela, lava-se com água. Nas redes sociais, este conselho tem vindo a ser promovido, alegando-se que lavar o arroz antes de o cozinhar “permite retirar pesticidas” dos grãos. Afirma-se ainda que estes pesticidas são a razão pela qual a água fica esbranquiçada ou amarelada depois da lavagem do arroz.

“Imergir o arroz em água, misturar e até massajar um pouco com as mãos vai permitir retirar pesticidas e outros componentes do arroz”, ouve-se, por exemplo, num vídeo publicado no TikTok.

Será verdade que lavar o arroz antes de cozinhar é uma boa prática? O arroz que compramos atualmente tem pesticidas? E são estes pesticidas que deixam a água branca?

Água do arroz fica branca por causa dos pesticidas?

Quando o arroz é colocado em água durante algum tempo, é normal que a água mude de cor, assumindo uma tonalidade esbranquiçada, semelhante à do leite. Mas é falso que este fenómeno esteja relacionado com a existência de pesticidas. 

“A água branca não são pesticidas, são nutrientes”, explica, em declarações ao Viral, Isabel Ratão, professora na área da segurança alimentar no Instituto Superior de Engenharia da Universidade do Algarve. 

Existem vários fatores que levam à mudança da cor da água, um deles é o amido – um hidrato de carbono que está presente em alimentos como arroz, batata e trigo. Rui Cruz, professor no mesmo departamento do instituto superior, explica que a lavagem vai remover “algum amido e pó proveniente do polimento do arroz, o que contribuirá para a tal água esbranquiçada (tipo “leite”)”. Além disso, o especialista sublinha que “a lavagem do arroz poderá também afetar os teores em proteína e outros nutrientes hidrossolúveis”.

Também José Camolas, vice-presidente da Ordem dos Nutricionistas e professor na Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e no Instituto Egas Moniz, sublinha que esta tonalidade está associada à dissolução de “algumas vitaminas, proteínas e minerais” na água, acrescentando que essa situação também ocorre quando “se cozinha o arroz”. 

Além disso, refere o nutricionista, “ao lavarmos o arroz podemos ter algumas perdas, nomeadamente de vitaminas do complexo B ou de proteínas que sejam solúveis”.

Noutro plano, o uso de pesticidas na agricultura tem como função proteger as colheitas de pragas, fungos e outros microrganismos. Isabel Ratão defende que “para alimentar a população do mundo – com as pragas e a resistência às pragas que existem atualmente – não podemos viver só da agricultura biológica”. A este respeito, sublinha, apesar de “poder haver falhas”, as “regras são apertadas” e os alimentos são “produzidos com qualidade”.

O arroz tem ainda duas características que diminuem a probabilidade de encontrar pesticidas. Por um lado, é um alimento que, “como a grande maioria dos cereais, não é perecível”, lembra José Camolas.

“Quer isso dizer que se degrada com dificuldade, porque não é um bom meio para a propagação de culturas microbianas”, completa.

Por outro lado, acrescenta Isabel Ratão, o arroz tem casca, ou seja, “não leva químicos diretamente no bago”.

“É um fator que diminui muito a probabilidade de haver pesticidas, porque, normalmente, não se come a casca do arroz”, conclui a professora.

Lavar ou não lavar o arroz: a grande questão

Em Portugal e na Europa, não é necessário lavar o arroz antes de o cozinhar. As normas de higiene e segurança alimentar, aplicadas pela União Europeia desde 2005, garantem que os alimentos chegam ao consumidor em condições para serem utilizados. As empresas produtoras são obrigadas a seguir os procedimentos estipulados nos diversos regulamentos e são ainda realizadas operações de fiscalizações pelos vários Estados-membros.

Segundo dados da Autoridade Europeia para a Segurança Alimentar (EFSA, na sigla inglesa) referentes a 2020, 94,9% das amostras analisadas apresentavam valores de pesticidas abaixo dos níveis máximos de resíduos considerados legais. 

No caso particular do arroz, das 802 amostras analisadas, 526 não tinham resíduos detetáveis de pesticidas, o que corresponde a uma percentagem de 65,5%. Em apenas 6,7% das amostras, um total de 54, foi identificada uma concentração acima das legais – em Portugal, apenas uma amostra tinha valores que ultrapassavam o legalmente permitido.

Os três especialistas contactados pelo Viral adiantam que não existe necessidade de lavar o arroz. No entanto, se a pessoa quiser manter esta prática, também não irá fazer mal. 

Rui Cruz é o que mais defende a lavagem dos alimentos: “Mais vale lavar do que não lavar, mas, mesmo que não lave, não irá ficar doente por causa disso. Os alimentos no supermercado têm de ser seguros”, afirma.

É importante lembrar que, dependendo da forma como realiza a lavagem, é possível retirar alguns nutrientes ao arroz – os tais nutrientes que fazem com a que água se torne esbranquiçada. 

“Se as pessoas só ficarem descansadas ao lavar o arroz, podem fazê-lo, mas façam-no de forma a evitar que comece a sair a água branca. Porque assim está a lixiviar o arroz”, aconselha Isabel Ratão. 

A professora do departamento de segurança alimentar reforça que, na Europa, existe “um bom sistema de segurança alimentar”.

Fora da Europa – onde as normas de segurança alimentar podem não ser tão rigorosas – a lavagem pode ser aconselhável. 

E, de facto, alguns estudos mostram que a lavagem do arroz pode trazer benefícios na eliminação de potenciais pesticidas, mas as percentagens apresentadas variam de artigo para artigo. 

Um estudo, publicado em 2020, adianta que o ato de lavar e demolhar o arroz reduz os pesticidas entre 0,4% e 4,38%. Outro artigo, publicado em 2018, avança que a lavagem do arroz poderá retirar entre 12 e 88,1% dos pesticidas. 

Há ainda um estudo, de 2021, que afirma ser preciso demolhar o arroz durante 14 horas para atingir as “condições ideias de confeção”.

José Camolas levanta outra questão: nem todos os pesticidas utilizados na agricultura são solúveis e, não sabendo que tipo de químicos foram usados em cada tipo concreto de arroz, é difícil “assegurar” que a lavagem vai retirar estes componentes. 

“Não estou seguro de que a lavagem, por si só, possa assegurar o nível de confiança necessário, caso o produto tenha pesticidas”, alerta o nutricionista.

Em suma, a lavagem do arroz não é necessária em Portugal ou noutro país da Europa, uma vez que o setor alimentar segue normas europeias rígidas e exigentes de higiene e segurança. Se, mesmo assim, preferir continuar a lavar, poderá fazê-lo. Deverá, porém, ter em atenção o tipo de lavagem realizado para evitar perdas de nutrientes solúveis: o truque é evitar que a água do arroz fique demasiado esbranquiçada.

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